José Palha com os três netos, que ontem fizeram as cortesias na "Palha Blanco" em tarde de tantas recordações e maiores emoções |
Miguel Alvarenga - Só faltou mesmo encher por completo, esgotar, a praça de Vila Franca. O Zé Palha merecia isso e muito mais. Mas até nestas horas de maior emoção, a aficion vilafranquense é estranha. Faltaram alguns. Mas estavam quase todos. Na bancada estavam muitos dos seus grandes amigos. O Carlos Empis e o Peu Torres, dinâmicos promotores desta homenagem, o Manuel Paim, o Emídio Pinto na trincheira a acompanhar seu filho. Os amigos de verdade, esses não faltaram.
A saudade - e a memória - do Zé Palha estiveram presentes em todos os segundos que ali se viveram. Era com se ele ali estivesse outra vez. E estava. Connosco todos, estava.
Os quatro primeiros toiros de Prudêncio - todos eles com trapio e irrepreensível apresentação para uma corrida, quanto mais para um festival - foram bravos e empenharam-se, crescendo ao longo das lides, merecendo o ganadero a volta à arena que deu no terceiro toiro, que o director de corrida teve o bom senso de premiar também com volta ao ruedo. Os dois últimos foram mais reservados, mansotes e sem a qualidade dos primeiros. Mesmo assim e mercê do empenho dos cavaleiros que os lidaram, manteve-se o bom ritmo em que decorreu o festejo. Um festejo carregado de emoções - por tudo o que significava, mas acima de tudo porque se estava ali a lembrar o Zé Palha. Que partiu cedo demais, mas deixou atrás de si, naquele sorriso que todos lembramos, nas suas brincadeiras, na classe com que marcou sempre a diferença e no exemplo enorme de força e de vida que nos deu na recta final da sua existência, deixou, dizia, um rasto de luz daqueles que não se apagam mais.
João Moura regressou a Vila Franca, onde não toureava há largos anos e onde teve sempre uma “mala pata”. Regressou, como ele mesmo me disse, porque não podia faltar à homenagem ao Zé Palha. E neste reencontro com a “Palha Blanco”, deu uma lição de maestria insuperável, calou os “anti” com a arte do seu toureio e a sabedoria da sua experiência. Lide magistral. A deixar um sabor especial para a comemoração, em 2018, dos seus 40 anos de alternativa.
António Ribeiro Telles esteve também superior na lide do segundo Prudêncio, um toiro que cresceu ao longo da lide, bregando e cravando como as leis mandam, entusiasmando com o seu toureio à antiga, tão bem desenhado, tão bem executado, sem uma falha a apontar. Empolgante e a culminar uma temporada enorme de que foi um dos maiores triunfadores.
Diego Ventura quis marcar presença no festival de homenagem a um Homem que foi seu amigo e de quem ele foi amigo. E marcou a diferença, toureando como só ele sabe, numa lide empolgante em que pôs à prova toda a grande dimensão da sua arte - diferente e arrasante. O público foi ao rubro e no final cravou um par de bandarilhas de poder a poder, com o magnífico cavalo “Dollar” sem cabeçada. Não é ortodoxo? Pois não, mas é fantástico! Foi premiado com duas aplaudidas voltas à arena e teve o gesto senhorial de, na segunda, voltar a chamar o forcado para o acompanhar, quando podia perfeitamente ter recolhido os louros sózinho.
O festival decorreu sem intervalo e depois de uma breve homenagem dos cabos dos dois grupos de forcados, Santarém e Vila Franca, à viúva e aos filhos de José Palha, entrou em praça Filipe Gonçalves para lidar o quatro Prudêncio. Lide em crescendo e a confirmar o grande momento que atravessa, baseada, nos curtos, em sortes cambiadas que nem sempre resultaram perfeitas no momento da reunião, mas que trouxeram emoção à actuação de Filipe, terminada com um arrojado par de bandarilhas.
Duarte Pinto lidou em quinto lugar um toiro desinteressado e a que impôs o seu toureio clássico e de bom gosto, conseguindo ferros emotivos, depois de ter cravado os compridos à tira, como antigamente se usava. Boa actuação que o público premiou com calorosos aplausos.
A Francisco Palha saíu um manso que saltou as tábuas e colheu um senhor que estava a mais na trincheira, como ontem estavam outros. Não tinha a ver com o espectáculo, era simplesmente convidado de um apoderado e, como se viu, a sua presença na teia podia ter tido consequências trágicas. Foi assistido na enfermaria e, felizmente, não sofreu lesões graves.
Ao manso fugitivo, impôs Francisco Palha toda a sua raça toureira e toda a verdade como interpreta a forma de lidar toiros a cavalo. À falta de investida do manso de Prudêncio, investiu Palha com os seus magníficos cavalos com toda a garra, superando a adversidade com ferros de enorme valor e destacada emoção. Destaque também para o facto de ter usado só bandarilhas pretas e brancas, em sinal de luto pelo seu familiar que ali se homenageava e pelas vítimas dos recentes incêndios. Bonito o brinde que fez à viúva de José Palha, Carmo e a seus filhos José e Mariana, na arena, apeando-se do cavalo. Um Senhor. Repartiu o brinde com os Bombeiros, que receberam do público uma estrondosa ovação. Um brinde de vida - num país de morte.
As pegas foram emotivas, mas sem grandes dificuldades de maior. Por Santarém foram caras David Inácio (à terceira), Fernando Montoya (à primeira) e António Taurino (à primeira), que fez o único brinde a Salvador, sobrinho de José Palha, presidente da louvável Associação Salvador, para a qual revertia a receita do festival.
Por Vila Franca pegaram Pedro Silva, Guilherme Dotti e Diogo Conde, todos à primeira e este último numa pega fantástica ao manso e complicado toiro de Prudêncio que fechou o festejo. O veterano Carlos Teles “Caló”, forcado de grande alma, destacou-se a rabejar o quarto toiro. Recordando o passado, esteve enorme.
Nas cortesias, que abriram o festival com um toque carregado de emoção, participaram os três netos de José Palha, José e Duarte (filhos de José) e Manuel (filho de Mariana), que depois deram também volta à arena com António Ribeiro Telles.
Todos os cavaleiros brindaram à viúva e filhos de José Palha e houve ainda um brinde a Dª Isabel Palha, mãe do nosso querido amigo que ontem todos lembrámos.
Foi guardado um minuto de silêncio, ao início, em memória das vítimas dos incêndios que enlutaram Portugal. O festival foi bem dirigido por João Cantinho, que esteve assessorado pelo médico veterinário Dr. José Manuel Lourenço. Intervenção excelente e não exagerada de todas as quadrilhas de bandarilheiros.
Lembrou-se José Palha e ajudou-se a Associação Salvador - como ele teria gostado que acontecesse. O festival esteve “à altura” do homenageado no que aos triunfos dos artistas e do ganadero João Santos Andrade diz respeito. Esqueceu-se o escândalo da Feira de Outubro. A memória de José Palha e o êxito artístico desta grande tarde de toiros reconciliou tudo e todos para as bandas de Vila Franca. “Foi bonita a festa, pá, com a tua gente”, como diria (cantaria) Chico Buarque de Holanda.
Mais logo, não perca: todos as fotos de Maria João Mil-Homens. Os Momentos de Glória do Festival, as pegas uma a uma, os Famosos que estiveram na "Palha Blanco" e homenagear a memória de José Palha.
Fotos D.R. e Emílio de Jesus/Arquivo