domingo, 22 de outubro de 2017

José Palha lembrado em tarde de tantas emoções em Vila Franca

José Palha com os três netos, que ontem fizeram as cortesias na "Palha Blanco"
em tarde de tantas recordações e maiores emoções


Miguel Alvarenga - Só faltou mesmo encher por completo, esgotar, a praça de Vila Franca. O Zé Palha merecia isso e muito mais. Mas até nestas horas de maior emoção, a aficion vilafranquense é estranha. Faltaram alguns. Mas estavam quase todos. Na bancada estavam muitos dos seus grandes amigos. O Carlos Empis e o Peu Torres, dinâmicos promotores desta homenagem, o Manuel Paim, o Emídio Pinto na trincheira a acompanhar seu filho. Os amigos de verdade, esses não faltaram.
A saudade - e a memória - do Zé Palha estiveram presentes em todos os segundos que ali se viveram. Era com se ele ali estivesse outra vez. E estava. Connosco todos, estava.
Os quatro primeiros toiros de Prudêncio - todos eles com trapio e irrepreensível apresentação para uma corrida, quanto mais para um festival - foram bravos e empenharam-se, crescendo ao longo das lides, merecendo o ganadero a volta à arena que deu no terceiro toiro, que o director de corrida teve o bom senso de premiar também com volta ao ruedo. Os dois últimos foram mais reservados, mansotes e sem a qualidade dos primeiros. Mesmo assim e mercê do empenho dos cavaleiros que os lidaram, manteve-se o bom ritmo em que decorreu o festejo. Um festejo carregado de emoções - por tudo o que significava, mas acima de tudo porque se estava ali a lembrar o Zé Palha. Que partiu cedo demais, mas deixou atrás de si, naquele sorriso que todos lembramos, nas suas brincadeiras, na classe com que marcou sempre a diferença e no exemplo enorme de força e de vida que nos deu na recta final da sua existência, deixou, dizia, um rasto de luz daqueles que não se apagam mais.
João Moura regressou a Vila Franca, onde não toureava há largos anos e onde teve sempre uma “mala pata”. Regressou, como ele mesmo me disse, porque não podia faltar à homenagem ao Zé Palha. E neste reencontro com a “Palha Blanco”, deu uma lição de maestria insuperável, calou os “anti” com a arte do seu toureio e a sabedoria da sua experiência. Lide magistral. A deixar um sabor especial para a comemoração, em 2018, dos seus 40 anos de alternativa.
António Ribeiro Telles esteve também superior na lide do segundo Prudêncio, um toiro que cresceu ao longo da lide, bregando e cravando como as leis mandam, entusiasmando com o seu toureio à antiga, tão bem desenhado, tão bem executado, sem uma falha a apontar. Empolgante e a culminar uma temporada enorme de que foi um dos maiores triunfadores.
Diego Ventura quis marcar presença no festival de homenagem a um Homem que foi seu amigo e de quem ele foi amigo. E marcou a diferença, toureando como só ele sabe, numa lide empolgante em que pôs à prova toda a grande dimensão da sua arte - diferente e arrasante. O público foi ao rubro e no final cravou um par de bandarilhas de poder a poder, com o magnífico cavalo “Dollar” sem cabeçada. Não é ortodoxo? Pois não, mas é fantástico! Foi premiado com duas aplaudidas voltas à arena e teve o gesto senhorial de, na segunda, voltar a chamar o forcado para o acompanhar, quando podia perfeitamente ter recolhido os louros sózinho.
O festival decorreu sem intervalo e depois de uma breve homenagem dos cabos dos dois grupos de forcados, Santarém e Vila Franca, à viúva e aos filhos de José Palha, entrou em praça Filipe Gonçalves para lidar o quatro Prudêncio. Lide em crescendo e a confirmar o grande momento que atravessa, baseada, nos curtos, em sortes cambiadas que nem sempre resultaram perfeitas no momento da reunião, mas que trouxeram emoção à actuação de Filipe, terminada com um arrojado par de bandarilhas.
Duarte Pinto lidou em quinto lugar um toiro desinteressado e a que impôs o seu toureio clássico e de bom gosto, conseguindo ferros emotivos, depois de ter cravado os compridos à tira, como antigamente se usava. Boa actuação que o público premiou com calorosos aplausos.
A Francisco Palha saíu um manso que saltou as tábuas e colheu um senhor que estava a mais na trincheira, como ontem estavam outros. Não tinha a ver com o espectáculo, era simplesmente convidado de um apoderado e, como se viu, a sua presença na teia podia ter tido consequências trágicas. Foi assistido na enfermaria e, felizmente, não sofreu lesões graves.
Ao manso fugitivo, impôs Francisco Palha toda a sua raça toureira e toda a verdade como interpreta a forma de lidar toiros a cavalo. À falta de investida do manso de Prudêncio, investiu Palha com os seus magníficos cavalos com toda a garra, superando a adversidade com ferros de enorme valor e destacada emoção. Destaque também para o facto de ter usado só bandarilhas pretas e brancas, em sinal de luto pelo seu familiar que ali se homenageava e pelas vítimas dos recentes incêndios. Bonito o brinde que fez à viúva de José Palha, Carmo e a seus filhos José e Mariana, na arena, apeando-se do cavalo. Um Senhor. Repartiu o brinde com os Bombeiros, que receberam do público uma estrondosa ovação. Um brinde de vida - num país de morte.
As pegas foram emotivas, mas sem grandes dificuldades de maior. Por Santarém foram caras David Inácio (à terceira), Fernando Montoya (à primeira) e António Taurino (à primeira), que fez o único brinde a Salvador, sobrinho de José Palha, presidente da louvável Associação Salvador, para a qual revertia a receita do festival.
Por Vila Franca pegaram Pedro Silva, Guilherme Dotti e Diogo Conde, todos à primeira e este último numa pega fantástica ao manso e complicado toiro de Prudêncio que fechou o festejo. O veterano Carlos Teles “Caló”, forcado de grande alma, destacou-se a rabejar o quarto toiro. Recordando o passado, esteve enorme.
Nas cortesias, que abriram o festival com um toque carregado de emoção, participaram os três netos de José Palha, José e Duarte (filhos de José) e Manuel (filho de Mariana), que depois deram também volta à arena com António Ribeiro Telles.
Todos os cavaleiros brindaram à viúva e filhos de José Palha e houve ainda um brinde a Dª Isabel Palha, mãe do nosso querido amigo que ontem todos lembrámos.
Foi guardado um minuto de silêncio, ao início, em memória das vítimas dos incêndios que enlutaram Portugal. O festival foi bem dirigido por João Cantinho, que esteve assessorado pelo médico veterinário Dr. José Manuel Lourenço. Intervenção excelente e não exagerada de todas as quadrilhas de bandarilheiros.
Lembrou-se José Palha e ajudou-se a Associação Salvador - como ele teria gostado que acontecesse. O festival esteve “à altura” do homenageado no que aos triunfos dos artistas e do ganadero João Santos Andrade diz respeito. Esqueceu-se o escândalo da Feira de Outubro. A memória de José Palha e o êxito artístico desta grande tarde de toiros reconciliou tudo e todos para as bandas de Vila Franca. “Foi bonita a festa, pá, com a tua gente”, como diria (cantaria) Chico Buarque de Holanda.

Mais logo, não perca: todos as fotos de Maria João Mil-Homens. Os Momentos de Glória do Festival, as pegas uma a uma, os Famosos que estiveram na "Palha Blanco" e homenagear a memória de José Palha.

Fotos D.R. e Emílio de Jesus/Arquivo