segunda-feira, 30 de abril de 2018

Novos valores levaram muito público ao Campo Pequeno

Com um novilho sem qualidade de São Torcato, ainda não foi desta que Sérgio
Nunes
nos fez chegar a sua evolução desde que se estabeleceu em Madrid
Frente a um bom novilho de Murteira Grave, João D'Alva
reafirmou poderio, valor e arte
Luis Silva pode ir longe e bem longe. Toureou muito bem o belíssimo novilho
de Paulo Caetano, que depois o acompanhou muito justamente na volta à arena
Rui Jardim pouco se pôde mostrar diante de um novilho complicado e sem
classe da ganadaria Vinhas
Valor, ousadia e garra: um grande ferro de António Prates
Ricardo Cravidão evidenciou sobriedade e classe
Soraia Costa foi autora da melhor actuação a cavalo, reafirmando o valor
que vem evidenciando nas arenas 
Com o grupo a ajudar na perfeitção, Fábio Silva, dos Amadores da Moita, fez
a pega da noite na novilhada de sábado em Lisboa
A pega de Luis Carvalho, da Tertúlia T. do Montijo, executada à terceira; e, em
baixo, a de Pedro Belfust, do grupo da Arruda, consumada à primeira


Miguel Alvarenga - A novilhada de sábado à noite no Campo Pequeno registou uma belíssima entrada de público, que preencheu cerca de meia casa, o que só por si falou mais alto, justificou o interesse do público pelos novos valores do toureio a cavalo e a pé e, à partida, demonstrou que nem só nas quintas-feiras de tradição os aficionados acorrem à Monumental de Lisboa, aprovando assim esta alteração da empresa de também poder levar a efeito espectáculos ao fim-de-semana.
De manhã e à tarde, foi menor a afluência de público, apesar de as entradas serem gratuítas, ao treino de salão dos Forcados de Lisboa e à final do Concurso de Toureio de Salão, mas a verdade é que à noite os aficionados acorreram à praça para ver as novas estrelas do toureio nacional.
O espectáculo abriu com a exibição dos três cavaleiros e dos três grupos de forcados, tendo aberto praça o promissor António Prates com um exigente novilho-toiro de António Silva, em que reafirmou a sua garra e a sua ousadia. Não esteve muito regular na cravagem, mas mesmo assim pôde demonstrar as suas muitas qualidades, entrando em terrenos de alto compromisso, sofrendo uma colhida violenta, prescisamente pelos terrenos que pisou, mas depressa se recompondo e terminando em beleza. Prates tem raça, noção de lide e está montado para mais altos vôos. Brindou a sua lide aos céus, homenageando desta feita a memória do seu saudoso apoderado "Nené".
Ricardo Cravidão vem dando nas vistas, nas últimas temporadas, pela forma sóbria e clássica com que sente e interpreta o toureio. Frente a um novilho-toiro de Vale Sorraia que pedia contas, procurou executar o toureio frontal e logrou alcançar momentos de emoção e verdade em alguns ferros que resultaram perfeitos. Há ainda alguma "verdura" e arestas a limar, mas Cravidão tem valor para poder chegar  mais longe.
Soraia Costa, que já no ano passado saira triunfadora da novilhada lisboeta, protagonizou a lide mais redonda e mais espectacular no que aos cavaleiros diz respeito. Cravou dois grandes ferros compridos em terrenos de alto risco e a atacar o novilho de Romão Tenório e depois nos curtos desenvolveu uma lide na maior das perfeições, deixando os ferros todos en su sítio e em sortes de emoção que fizeram o público levantar-se entusiasmado da bancada. Tendo em conta, ainda por cima, que esta era a sua primeira actuação da temporada, o seu triunfo em Lisboa teve um sabor acrescido no que ao valor da toureira apontou. Soraia já é um "caso". E promete dar muito que falar.
João D'Alva, aluno do Maestro Vitor Mendes na Escola de Vila Franca e Luis Silva, pupilo do matador Luis "Procuna" na Escola da Moita, foram, dos quatro, os novilheiros mais destacados e aqueles que prometem chegar mais longe.
João D'Alva esperou o novilho de Murteira Grave, de excelente nota, de joelhos em terra, à porta da gaiola, dando logo o mote de que estava ali disposto ao triunfo. Placeado, com valor de sobra, o jovem toureiro esteve artista no manejo do capote, esteve grande com as bandarilhas e com a muleta desenhou uma faena de entrega e recortes de arte.
Luis Silva, que vi pela primeira vez tourear, enfrentou um novilho extraordinário de Paulo Caetano, que abriu o apetite para a corrida que este ganadeiro vai trazer em Julho ao Campo Pequeno para Morante e Manzanares. O jovem toureiro moitense evidenciou também um valor desmedido e apontou qualidades que o vão, de certeza, levar longe. Esteve aprumado com a capote, valente com as bandarilhas e toureou de maravilha com a muleta. Paulo Caetano deu merecida volta à arena com o toureiro.
Menos afortunado com um novilho sem qualidade de São Torcato, Sérgio Nunes, que foi aluno da Academia do Campo Pequeno e está agora na Escola de Madrid, voltou a não ter matéria prima para nos demonstrar a sua evolução, como já ocorrera há um ano. Apontou, contudo, muito querer, mas ainda não foi desta que alcançou o triunfo sonhado.
Também não tinha qualidade o último novilho de Vinhas e apesar da entrega e da boa vontade de Rui Jardim, ex-aluno da Escola da Azambuja, agora na Academia do Campo Pequeno, faltou ao jovem toureiro um oponente que lhe permitisse mostrar-se. Sofreu uma colhida aparatosa, mas voltou a dar a cara, embora combalido, evidenciando valor e ofício, mas sem conseguir brilhar.
Apesar das deficiências sonoras da aparelhagem do Campo Pequeno (raramente se entende o que nos dizem ou anunciam), percebeu-se que a empresa ia disponibilizar o novilho sobrero para que fosse toureado, sem que isso fizesse grande sentido, pelos quatro novilheiros, mas o exemplar da ganadaria Varela Crujo saíu ao ruedo com um corno a baloiçar e depressa foi para dentro.
Há tempos participei na Azambuja num colóquio sobre o futuro dos novilheiros nacionais e no sábado pude, na realidade, confirmar o que penso sobre esse tema: haja toureiros de valor, como houve José Júlio, Armando Soares, José Trincheira, Mário Coelho,  José Falcão, Vitor Mendes e tantos mais que por Espanha foram História, e nunca se poderá falar de crise.
Pegaram três grupos de forcados menos habituais na primeira praça do país. A melhor pega foi a primeira, executada ao primeiro intento, com técnica e valor, por Fábio Silva dos Amadores da Moita, com o grupo a ajudar bem. Luis Carvalho, do grupo da Tertúlia Tauromáquica do Montijo, pegou à terceira o duro novilho de Vale Sorraia; e Pedro Belfust, dos Amadores da Arruda dos Vinhos, fez uma rija pega, à primeira, ao novilho de Francisco Romão Tenório.
Ao início guardou-se um minuto de silêncio. Perceptível, apenas, que um dos homenageados era o antigo maioral da ganadaria Murteira Grave, recentemente falecido. Não convém começar a banalizar o minuto de silêncio, se não todas as semanas vamos ter um por este ou por aquele. Com todo o respeito pela memória do senhor maioral, mas estas homenagens deveriam apenas ser feitas quando na verdade tiverem uma mais visível justificação...
Manuel Gama dirigiu a novilhada assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva. Director competente e diligente, deu música aos novilheiros quase no final das lides e houve quem protestasse, mas eu apoio a actuação do "inteligente": o Campo Pequeno é o Campo Pequeno, a música não é para mandar tocar só para animar a malta. Há que haver exigência numa praça como esta. Já não concordo tanto com o facto de não ter autorizado a volta ao forcado da Tertúlia do Montijo, só porque pegou à terceira.

Fotos Mónica Mendes