sábado, 30 de junho de 2018

Évora: Prates aprovado com louvor e distinção em noite de "estrondo" de Ventura

A primeira pega, por João Madeira, de uma noite de grande glória para os
Amadores de Évora - amanhã vamos trazer aqui as seis pegas, uma a uma
O praticante António Prates era ontem o que mais tinha a ganhar e também o
que mais podia perder, se não triunfasse, como triunfou, ao mesmo nível dos
dois "leões" com que alternava nesta decisiva prova de fogo - que passou com
louvor e distinção
Rui Fernandes exaltou as suas qualidades de grande lidador frente a dois toiros
duros e cheios de sentido. Ventura (em baixo) fez a praça vir abaixo sobretudo
na lide do quinto da ordem. Esgotou Évora e deu um "estrondo" como em Madrid!


António Prates passou com louvor e distinção na primeira grande prova de fogo da sua carreira ontem em Évora. Ventura deu mais um fortíssimo abanão nos brandos costumes da nossa alegre tauromaquia e Rui Fernandes reafirmou, vinte anos depois, a sua atitude e a sua firme e decidida postura de grande lidador. O Grupo de Forcados de Évora viveu uma noite de verdadeira glória. E tudo isto aconteceu, meus senhores, com toiros sérios, cheios de sentido, a pedir contas e a “arrear” forte, a transmitir emoção e a trazer verdade à Festa. Nada fáceis, os Canas Vigouroux não colaboraram. Nem tinham que colaborar. Toureiros e forcados estiveram à altura de uma duríssima corrida. A praça de Évora esgotou. Foi uma noite grande de toiros.

Miguel Alvarenga - A empresa Toiros & Tauromaquia ganhou a aposta quando, contra ventos e marés e sei lá quantas pressões, decidiu dar uma oportunidade ao mais destacado dos nossos cavaleiros praticantes, o jovem António Prates. Bem sei que não fez mais que a sua obrigação, ele fez por merecê-la e justificá-la e é a própria empresa quem o apodera, dando sequência à aposta feita pelo saudoso “Nené”. Mas é preciso realçar que, apesar de todas as imensas pressões que sofreu, manteve até ao fim a sua decisão, aceite e apoiada pelos consagrados Fernandes e Ventura, de nesta noite pôr à prova Prates, tipo ou vai ou racha. E foi. Não rachou.
Desiguais de apresentação, depois de terem saído de cena dois dos toiros jaboneros (brancos) que estavam anunciados, por terem brigado no campo e chegado à praça com equimoses que levaram o médico veterinário a não os aprovar, os exemplares da ganadaria Canas Vigouroux foram tudo, menos fáceis.
Cheios de sentido, pensavam demais, esperavam, não davam abertura aos cavalos, arreavam forte assim que sentiam o alvo por perto e quase não chegaram a romper. Toiros duros, a exigir, a pedir contas, a impôr respeito e seriedade e a transmitir emoção às bancadas, quer nas lides, quer depois nos forcados.

Prates chegou e disse:
"Estou aqui!"

António Prates teria sempre a desculpa de ainda ser praticante, caso as coisas não lhe tivessem corrido como correram. Mas a verdade é que o jovem cavaleiro em momento algum acusou o peso desta corrida, a dureza dos toiros (para os quais teve argumentos de sobra) e sobretudo a tensão de estar a competir com dois dos mais consagrados.
É preciso e é justo destacar que António Prates se bateu de igual para igual, apenas e só, com um Rui Fernandes que é um dos maiores valores do nosso toureio a cavalo, a cumprir esta temporada vinte anos de alternativa; e com Diego Ventura, que é tão somente o grande triunfador de Madrid e o toureiro do momento. Isso não assustou Prates e é preciso reconhecer, com toda a justiça, repito, que o novato cavaleiro esteve ontem ao mesmo nível dos dois “leões” com que ombreava e, mais que isso, ao intervalo, pese embora as extraordinárias actuações de Fernandes e Ventura nos dois primeiros toiros da noite, era ele claramente o triunfador da primeira parte e aquele que mais calor trouxera à praça e que mais gente levantara das bancadas com os seus emotivos ferros e a forma, segura, tranquila e decidida, com que se foi ao toiro, evidenciando uma tremenda calmaria, um domínio da situação, um clamoroso grito de afirmação, assim como quem diz: “Estou aqui!”. E estava mesmo.
Louvor e distinção atribuiu-lhe depois o público nas fortíssimas ovações com que o premiou quando deu a volta à arena. Ao terceiro toiro da noite, António Prates já estava aprovado. E o toureio a cavalo consagrara o nascer de uma nova estrela.
O último, o único “jabonero”, também não foi um toiro fácil. Pelo contrário. Mas Prates toureou-o como se fosse já um cavaleiro consagrado. E essa foi a sua grande vitória em Évora. Ainda é praticante? Ainda não tem alternativa? Nem se deu por isso. Começou há poucos anos e bateu-se de igual para igual com dois “monstros” sagrados com mais de vinte anos de toureio cada. Como se fosse um deles.
Se antes já nos tinha “avisado” que vai mesmo ser um caso e já ninguém tem dúvidas de que não será só mais um, ontem António Prates deu o decisivo grito do Ipiranga e entrou, por seus méritos, na plataforma dos grandes. Abriu, eu diria mais, escancarou a porta da fama e do sucesso com um fortíssimo pontapé de saída para uma carreira que vai ser, não tenho a mínima dúvida, de sucesso. Assim Deus o acompanhe sempre.

Fernandes, o lidador

Rui Fernandes abriu a corrida lidando aquele que foi o melhor toiro dos seis. Complicado, com sentido, a esperar, a cortar caminho, mas mesmo assim o melhor. Esteve o cavaleiro em bom nível, evidenciando as qualidade de grande lidador, pondo a carne no assador, arriscando, pisando terrenos de alto compromisso, numa lide que resultou em cheio.
O seu segundo toiro era mais reservado e Rui Fernandes entregou-se, voltou a arriscar, a lide foi decorrendo em crescendo, mas sem o brilhantismo desejado, por falta de matéria prima. O toiro esperava, arreava para “comer tudo” no momento da reunião e a lide de Rui foi uma luta constante de risco e emoção, de querer e sem nunca se dar por vencido. Foi uma lide de vencedor que, apesar de um ou outro assobio (mal dos toureiros que não são discutidos), teve a aprovação unânime do público, que não lhe regateou ovações na volta pausada que deu à arena.

Ventura imparável

Diego Ventura chegava a Évora depois do “estrondo” de Madrid. E o público estava ali por ele, sobretudo por ele. Dúvidas já ninguém tem. Nem pode ter. É um “toureirão”, vive um momento de suprema glória, pode com todos os toiros e tem cavalos para todos os toiros. E ontem reafirmou que também pode com toiros sérios e duros, daqueles que não têm a “bondade” dos murubes, daqueles que põem tudo e todos em seu lugar.
Ventura esteve simplesmente enorme na lide, ainda que menos efusiva do que a que viria depois, do seu primeiro toiro. Um Vigouroux sério, exigente e de investidas nobres, com o qual marcou a diferença num segundo ferro comprido a aguentar de praça a praça e em dois curtos de parar corações, para lá da vistosa brega, dos remates cingidos, dos adornos e das maravilhas com que se destaca em verdadeiros bailados e sinfonias de bom toureiro - e onde tudo parece fácil.
Depois, o quinto toiro era uma estampa, um “tio” e um Vigouroux típico, duro, sério, a complicar (mas nada complica um toureiro destes!). E a pôr emoção nas investidas, claras, mas fortíssimas, que Ventura aguentou com toda a raça e a maestria do seu toureio único. Lide empolgante, a galvanizar o público, que se levantava, eufórico, braços no ar, de ferro em ferro. Não adianta referir este ou aquele, foram todos ferros de uma tremenda emoção, de uma verdade intensa e de um risco assustador. Diego Ventura no seu melhor esplendor, em actuação memorável e o público a pedir mais e mais ferros. Por fim, adornou-se em três “violinos” arrebatadores, depois de um último ferro curto que assustou tudo e todos. Um “estrondo” como em Madrid. E como se esperava.
Diego Ventura é o toureiro do momento. E o rabo de Madrid não apenas o consagrou, deu-lhe um alento novo. E voltou a esgotar praças. Como ontem em Évora.

Forcados em noite de glória

Noite de glória - e que glória! - para os Forcados Amadores de Évora em noite festiva de celebração dos seus 55 anos de actividade. Os toiros, repito, não foram fáceis. Pelo contrário. Fácil, sim, foi a garra e foi a raça com que todo o grupo lhes fez frente. Noite de muito valor para os seis forcados da cara, mas de muito valor também para todos os elementos do grupo na forma incrível com que formaram em cada pega um só todo, ajudando e permitindo a concretização das sortes, “caindo” em bloco sobre o forcado da cara, fazendo jus ao espírito de grupo, à forma de ali estar exaltando a velha máxima de um por todos e todos por um.
No final, o grupo foi chamado à praça e o público tributou-lhe uma enorme ovação.
Foram caras, por esta ordem, João Madeira (à primeira), Gonçalo Pires (à terceira), Dinis Caeiro (à primeira), António Torres (à primeira), o cabo João Pedro Oliveira (à segunda) e Ricardo Sousa (à primeira), este último numa pega “do outro mundo”, a aguentar uma investida “bárbara” e um sem número de derrotes. Todos brilhantes. Todos grandes. Grupo fantástico e em momento superior.
Destaque para a belíssima prestação de todas as quadrilhas de bandarilheiros.
Ao início da corrida - que foi muito bem dirigida por Agostinho Borges, assessorado pelo médico veterinário Dr. Carlos Santana - rendeu-se homenagem a oito antigas glórias da fundação dos Amadores de Évora.

Fotos Maria Mil-Homens