domingo, 9 de fevereiro de 2020

Triunfo maior de João Telles no agradável festival da Granja

Praça cheia, mas não esgotada, ontem na acolhedora vila da Granja
Valor, arte e muita espectacularidade na actuação de Rui Fernandes
Filipe Gonçalves esteve menos regular, mas terminou bem, frente ao mais
complicado novilho-toiro da tarde, que se adiantava e lhe causou alguns
momentos de maior embaraço. Mas deu a volta por cima com o seu usual
desembaraço
João Ribeiro Telles foi o indiscutível triunfador da tarde ontem na Granja
Duarte Fernandes: novo "loirinho" das arenas brilhou na sua prova para
cavaleiro praticante
Antigo matador de toiros, Paco Velásquez teve ontem auspiciosa estreia no
seu país nesta nova e prometedora carreira como cavaleiro
O valor e a classe de Tristão Ribeiro Telles fechou ontem o festival quando já
a chuva se fazia sentir. Em baixo, momento da grande pega de João Fortunato
a salvar a honra do convento de S. Manços, numa sexta tentativa, depois de
cinco falhadas por dois dos forcados do grupo de que é cabo


Os três veteranos impuseram a força das suas histórias, mas João Telles com um bravo toiro de Mata-o-Demo foi ontem o grande e incontestado triunfador do festival. Os três novos foram gratas surpresas que trouxeram certezas ao futuro do toureio a cavalo. E houve uma pega enorme de João Fortunato, cabo do grupo de São Manços. Esta é a recordação da minha estreia, ao fim de tantos anos, na bonita praça de toiros da Granja

Miguel Alvarenga - Após tantos anos nestas andanças, assisti ontem pela primeira vez a um festejo taurino na acolhedora e bem cuidada praça de toiros da Granja, um espaço que alberga 1.200 aficionados e cuja inauguração data de 9 de Setembro de 1989. Propriedade da Junta de Freguesia, a praça tem sido gerida nas últimas temporadas por Florindo Ramalho, antigo cabo do desaparecido grupo de forcados da terra, que ali organiza os dois festejos anuais, este festival de Março e uma corrida em Setembro. Desde o ano passado, o cavaleiro Rui Fernandes e os seus amigos (toureiros) proporcionaram ao organizador a apresentação de um cartel melhor e mais atractivo que colocou esta data, segunda da temporada nacional depois do primeiro festival de Mourão, na semana anterior, no calendário taurino, passando a ser ponto de encontro obrigatório dos aficionados. E assim voltou ontem a ser, apesar de não esgotar lotação, mas com praça muito bem preenchida e a rondar a enchente.
Embora estivessem anunciados seis novilhos-toiros da ganadaria Ribeiro Telles, os três primeiros que couberam aos cavaleiros profissionais eram da divisa Mata-o Demo. De Ribeiro Telles foram os três últimos novilhos destinados aos cavaleiros amadores, com dois anos e não mais de 350 quilos para que se  cumprisse a lei deste novo Regulamento Tauromáquico, diaparatado em tantas coisas e que obriga os toureiros amadores a não poder enfrentar reses acima destas bitolas. Foi obviamente notória a escassa presença dos três últimos novilhos em relação aos primeiros, mas que ninguém se admire: é a lei que temos nesta Festa em que sobrevivemos.
Artisticamente, o festejo dividiu-se em duas partes, o presente e o futuro, divididas por um intervalo demasiado longo e desnecessário, já que as nuvens negras pairavam sobre a Granja e se adivinhava não muito distante uma carga de água, como a que veio a acontecer na última lide, de Tristão Ribeiro Telles, já com grande agitação nas bancadas de um público que abandonava a praça. Sou o mais a favor do intervalo e lamento que o queiram suprimir como aconteceu nos últimos anos em Lisboa, mas ontem dou a mão à palmatória: a direcção de corrida, presidida pelo competente Domingos Jeremias, deveria ter tido em conta a chuva que se avizinhava e não devia ter feito essa paragem. A segunda parte, ainda por cima, atrasou-se porque o médico veterinário Matias Guilherme tardou em voltar ao seu lugar e o director, educadamente e cumprindo a lei, não quis que o festejo se reiniciasse sem a sua presença...
Bem apresentados, mas demasiado fechados de córnea os dois primeiros, o que não facilitou o labor dos forcados, os novilhos-toiros, mais toiros que novilhos, de Mata-o Demo abriram o festival e foram lidados pelos três cavaleiros de alternativa, destacando-se o terceiro, nobre e bravo, que proporcionou um triunfo importante a João Ribeiro Telles.
O mais revolucionário dos cavaleiros da sagrada Torrinha evidenciou excelente forma neste início de época, rubricando uma lide serena e pautada pela arte e a ousadia, que conquistou o conclave e o consagrou, sem margem para dúvidas, como o grande triunfador da tarde.
Rui Fernandes abriu praça frente a um novilho inicialmente reservado e pouco claro de investidas mas que cresceu ao longo da lide e com o qual o cavaleiro pôde dar largas à sua maturidade e ao seu estilo espectacular, terminando em beleza e muito aplaudido pelo público.
A Filipe Gonçalves, que ontem estreou um novo cavalo irmão do célebre "Ícaro" de Pablo Hermoso, da coudelaria José Henriques da Silva Herdeiros, coube em azar o mais complicado dos novilhos do festival, que se adiantava de início barbaridades e chegou mesmo a causar algumas situações menos confortáveis ao cavaleiro. Filipe andou menos regular, mas deu a volta ao assunto e acabou por conquistar as ovações dos aficionados e por ter direito à música concedida pelo director.
Duarte Fernandes abriu a segunda parte para fazer a sua prova para cavaleiro praticante e como já tive oportunidade de aqui referir, ficou aprovado com distinção por obra e graça da sua rara intuição, prenúncio de que temos uma novíssima estrela no firmamento taurino nacional e Rui Fernandes um sucessor de dinastia que o faz lembrar nos seus começos.
A Paco Velásquez, toureiro da aficionada vila de Riachos, todos conhecíamos o percurso, curto mas digno, como matador de toiros, mas nunca o víramos actuar nesta sua nova faceta como cavaleiro, com actividade desde há dois anos baseada em arenas espanholas e mexicanas. Foi ontem a primeira vez que como tal este toureiro multifacetado se apresentou no seu país e a verdade é que constituiu uma surpresa deveras positiva.
Bem montado, com extraordinária noção de lide e de terrenos, o que é naturalíssimo para quem vem de uma primeira experiência como matador, Paco Velásquez deixou constância do seu também valoroso e apurado papel como cavaleiro. É ousado, monta bem, arrisca e não vem disposto a ser só mais um. Promete dar que falar. E é importante que surjam novidades. Aqui está uma, senhores empresários.
Pena que as novas leis o obriguem a andar dez vezes como amador a tourear novilhos de 350 quilos até que lhe permitam fazer a prova de praticante, vestir casaca e iniciar mais altos vôos. Antigamente contavam as actuações no estrangeiro para somar as dez que são preciso fazer na qualidade de amador. Hoje isso já não acontece. Mais uma parvoíce do novo Regulamento... Enfim.
Fechou praça, já debaixo de chuva e com justificada inquietação nas bancadas - o que teria sido evitado, repito, se não se tem feito aquele desnecessário intervalo - o também promissor Tristão Ribeiro Telles Guedes de Queiroz, jovem pupilo de seu primo João R. Telles e que ontem reafirmou e deixou ver outra vez todas as muitas qualidades que hão-de fazer dele também uma nova vedeta do toureio a cavalo e que no ano passado já deixara bem claras nas três vezes em que se apresentou em público - em São Cristóvão, na Figueira da Foz e em Coruche.
Monta bem como todos os Telles, tem postura e elegância, sabe estar em praça e toureia como os melhores. Apontou excelentes pormenores de brega e de lide e entrou sempre recto e directo à cara do toiro, sem martingalas, com verdade e com coração.
No que às pegas diz respeito, os louros maiores couberam ontem aos Amadores de Safara com duas pegas à primeira executadas por André Tareco e Nelson Ramos.
A grande e rija pega da tarde foi, contudo, a que João Fortunato, cabo do grupo de São Manços, forcado de alma e imenso poderio, concretizou ao primeiro novilho da tarde, logo na sua primeira intervenção, que foi a sexta depois das executadas por Sérgio Paços e Pedro Galhardo, que entretanto já iam a caminho do hospital. A segunda pega dos forcados de S. Manços foi executada sem dificuldade por Manuel Trindade ao primeiro intento.
Também o Real Grupo de Moura sentiu ontem alguma dificuldade na sua primeira pega, que foi consumada por João Pereira após dias tentativas de Luis Bate, que também se lesionou e foi assistido no Hospital de Évora. A segunda pega dos reais forcados de Moura esteve a cargo de Luis Branquinho e, como as restantes aos novilhos da segunda parte, foi feita à primeira.
Foi acertada e rigorosa a direcção de Domingos Jeremias, havendo apenas a penalizar o facto de ter permitido um intervalo que se não tem sido feito teria evitado a lide molhada do último novilho.
Em suma, uma tarde agradável e que decorreu com ritmo e triunfos, a marcar esta minha primeira ida à praça da Granja. Onde, se Deus quiser, voltarei ainda este ano.

Fotos M. Alvarenga e Florindo Piteira/naturales.com