sábado, 25 de abril de 2020

Viagem aos palcos (vazios) do 25 de Abril

Soldados, povo e cravos há 46 anos
Ontem à tarde, o grande palco do 25 de Abril tinha uma rapariga num cenário
triste e vazio...
Quartel do Carmo ao fundo
Calçada do Sacramento
Teatro da Trindade
Quartel do Carmo, onde a 25 de Abril de 1974 o Prof. Marcelo Caetano se
rendeu ao General Spínola e ao MFA
Há 46 não cabia aqui um alfinete...
Convento do Carmo e o Castelo lá ao fundo
O Elevador de Santa Justa já não anda para baixo e para cima
O Convento do Carmo e as suas ruínas foram, há 46 anos, testemunhas de
uma revolução. Já tinham sobrevivido a um terramoto
Largo do Carmo, ontem à tarde
Rua Garrett: há 46 anos, aqui, havia tanques, soldados e cravos. E povo, muito povo
O antigo Ministério da Marinha (Terreiro do Paço)
Foi aqui, neste Terreiro do Paço agora vazio, o centro de operações das tropas
de Salgueiro Maia. Nos postes do Rossio (foto de baixo), o PCP colocou ontem
à tarde uns cravos de papelão...


O Terreiro do Paço e o Largo do Carmo foram há 46 anos os dois principais palcos da revolução de 25 de Abril. A reportagem que aqui fica retrata, ontem, a meio da tarde, os "locais sagrados", agora vazios, numa Lisboa deserta, confinada e mais triste ainda

Miguel Alvarenga - Sentada junto ao fontanário que há 46 anos foi pequeno para todos os que nele se empoleiraram a aplaudir a Chaimite onde Salgueiro Maia foi buscar ao Quartel do Carmo o presidente do Conselho de Ministros deposto nessa manhã, Prof. Marcelo Caetano, depois de momentos antes ali se ter rendido e ter entregue o poder ao General António de Spínola, está agora uma rapariga loira, que olha atentamente o telemóvel, aparelho que nesse dia não existia, nem sequer se imaginava que viesse a existir, como jamais se imaginaria que quase meio século depois estivessemos agora a viver uma situação tão dramática como a desta guerra de que se não vêem as balas, nem os inimigos e onde também não há cravos.
O Largo do Carmo, há 46 anos inundado de uma multidão eufórica que festejava, dizia, a liberdade, é agora um palco deserto onde não brilham heróis. Pelo menos eram assim ontem à tarde, pode ser que no dia de hoje alguém se lembre de lá ir comemorar alguma coisa esquecida.
O país está confinado, metido em casa. Mas a isso junta-se também o tempo a mais que já passou e ainda o desinteresse e a insignificância com que muitos, mais do que eles pensam, recordam hoje esse dia. "Foi bonita a festa, pá", mas depois desvirtuaram-na, quiseram dar-lhe um novo rumo ditatorial de sentito contrário, não entenderam as diferenças que separam a liberdade da libertinagem.
E chegou-se aos dias de hoje com os portugueses indiferentes ao 25 de Abril. Contornei o Convento do Carmo, vislumbrei lá em baixo o Rossio, a Rua Nova do Almada sem pessoas, sem azáfama, sem vida, espreitei cá de cima, do Elevador de Santa Justa, agora de portas trancadas, sem andar para baixo e para a cima. Em frente, na outra colina, o Castelo de São Jorge, também sem movimento algum.
Do Largo do Carmo desci à Rua Garrett, a dos velhos Armazéns do Chiado lá em baixo. Desci a Calçada do Sacramento, onde havia tanques e soldados com metralhadoras enfeitadas com cravos vermelhos e hoje não se vê ninguém, nem os turistas que até há bem poucos meses enchiam a Baixa lisboeta como há 46 anos a revolução a encheu.
Largo de Camões, Rua do Alecrim, Cais do Sodré (outras fotos que vos mostrarei amanhã), um ou outro transeunte, um ou outro carro, mas tudo em silêncio - e sem vida.
Junto ao rio, uma ou outra pessoa e olhá-lo. E o Terreiro do Paço, nesse dia o grande teatro de operações dos tanques de Salgueiro Maia, não tinha ninguém, apenas e só os edifícios, as esplanadas todas fechadas.
Há 46 anos, o futuro deste país decidiu-se nestes cenários, nestes palcos agora esvaziados de gente e que são ainda e sempre os pontos principais do roteiro de uma revolução esquecida. Numa cidade triste.

Fotos M. Alvarenga