terça-feira, 25 de maio de 2021

E pronto, já cá canta a Tia Zeca!

Miguel Alvarenga - Tenho pena, juro que tenho, mas às vezes sou mesmo estúpido. Tinha dito que não haveria de levar a vacina. Tinha garantido que se fosse a da Tia Zeca (era a Mulher do meu tio Luís, irmão da minha avó Luísa, uma pessoa adorável), eles que a levassem. E hoje às nove da manhã estava com a minha filha Maria Ana (veio-me buscar a casa às oito e meia, mal cantava o galo) na fila de espera no Pavilhão 3 do Estádio Universitário para levar a primeira dose.

Ainda pensei de manhã beber umas valentes cervejas e chegar lá já com uma valente "cadela", mas depois lembrei-me do que me dizia sempre o Emílio, "ó Miguel, tou tem tino, não bebas demais, olha que tens um nome a defender e parece mal as pessoas verem-te bêbedo nas touradas...". E eu queria que isso se lixasse. Mas hoje contive-me. Era melhor não fazer más figuras com a tropa...

Estúpido, para que te metes nesta merda?, pensei cá para mim. Mas fui. Às vezes armo-me em herói e não tenho medo de nada. Lembrei-me dos tempos do “Diabo”, quando estava ameaçado de morte pelas FP-25 e andava na rua à vontade, de noite e tudo, sem medo. Lembrei-me dos tempos conturbados do PREC, quando andava a “pôr bombas” e era do ELP e sofria constantes ameaças de morte dos comunistas e às vezes até estavam gajos à porta de minha casa de madrugada para me intimidar. E não tinha medo. Lembrei-me de quando tive a mania que era toureiro e que era forcado e andava aí pelas garraiadas e pelas novilhadas, só em 1976 toureei seis tardes no Campo Pequeno, há muitos toureiros famosos que numa temporada não tourearam seis vezes na Catedral e eu toureei. Lembrei-me disso tudo e avancei. Há-de ser o que Deus quiser.

Estava marcado para às 9h09 e uns minutos antes entrei. Disciplina e ordem, ou não tivesse este processo sido entregue aos militares. Estranhei não ver o Vice-Almirante Gouveia e Melo à porta à minha espera. Mas disseram-me que tinha tido outras coisas que fazer esta manhã…


Não estava muita gente, mas estavam algumas pessoas. Preenchiam o papel que lhes davam, assim como se fosse o boletim de voto, aguardavam uns minutos e eram vacinados. O povo gosta disto. É como se fosse votar. Pessoas contentes, com a felicidade estampada no rosto.


Preenchi o meu papelinho, pus “não” em todas as perguntas que lá eram feitas e depois entreguei-o a uma menina simpática. “Que idade tem, senhor Miguel?”. “Tenho 62, mas mentalidade de 13…”. Ela riu-se. “Pode sentar-se ali e aguardar". Sentei-me e aguardei. 


À entrada, a minha filha perguntou se podia entrar comigo. O senhor da Protecção Civil, simpático, perguntou se eu tinha dificuldades em me movimentar. “Graças a Deus, não. Tenho é pavor de agulhas e injecções”. E ele riu-se. “Tem mesmo aflição de ir sózinho? Eu vou ali perguntar ao meu colega”. “Deixe lá, não se incomode", disse eu, “não tem problema, eu vou sózinho”. E fui. Aí senti mesmo que era um herói.


Poucos minutos depois, uma menina enfermeira, novinha, simpática, bonitinha, de olhos azuis, mandou-me entrar e sentar-me. “Bom dia, sou a enfermeira Bruna”. “Olá, eu sou o Miguel e tenho pavor de injecções”. “Não se preocupe, não vai sentir nada”. E disse que me ia dar a da Astrazenaca. “Credo, aquela que se morre?”, exclamei. “Não se morre com nenhuma”, tranquilizou-me. De manhã eu tinha telefonado a meia dúzia de amigos a despedir-me, a dizer que gostava muito deles e que se lembrassem sempre de mim com um sorriso - caso eu fosse desta para melhor depois de levar a vacina…


Puxei a manga da camisa para cima, "quer que tire a camisa, como fez o Senhor Presidente da República?", perguntei, ela disse que não era preciso, olhei para o lado, “descontraia-se”, disse ela. “Se tiver dores no braço ponha gelo”. “Já levei a vacina?”, perguntei. “Já!”. Não senti nada.


Mandou-me ir até ao fundo do corredor, onde outra menina simpática me deu um saquinho, oferta do presidente da Câmara Medina, que agradeci, com uma garrafinha de água, uma maçã (da Bruxa da Branca de Neve, acho) e umas bolachas de água e sal. “Agora sente-se aqui durante meia-hora, como me parece uma pessoa simpática vou deixá-lo ir embora às 10”, disse ela. Era bem gira. “Se não cair para o lado nesta meia-hora já estou safo?”, perguntei. Ela riu-se. Foi tudo uma paródia pegada…


Antigamente, quando eu era pequeno e vinha cá em casa o senhor enfermeiro Barroso dar a vacina da gripe a toda a família, ainda me lembro da cara dela, de bigode, grandalhão, até chamava "cabrão" e outros nomes feios que aprendia no Colégio ao pobre do homem quando me enfiava a seringa e a minha Mãe e a minha Avó ficavam envergonhadíssimas e pediam imensa desculpa. Desta vez contive-me. Não chamei nomes a ninguém...


Sentei-me numa sala grande onde estava muita gente também sentada. Esperei meia-hora, fiz uns telefonemas. De repente pareceu-me ver sapos em vez de pessoas sentadas nas cadeiras. Podiam ser alucinações, sei lá, reacções à vacina. Telefonei à minha prima Joana, médica, a dar conta disso dos sapos e ela riu-se imenso. Mas foi só por uns momentos que essa coisa estranha me aconteceu. Depois voltei a ver pessoas e não vi mais sapos nenhuns. Como sempre fui meio aciganado, pode ter tido a ver com isso. Sapos... Fiquei mais tranquilo.


Às dez saí para a rua. A Maria Ana esperava-me. Fez-me uma entrevista, um pequeno video, à saída. Eu disse meia dúzia de parvoíces. Rimos muito.


Depois viemos embora, direitos à pastelaria “Arena” do Campo Pequeno. Emborcámos cada um uma imperial e um croquete. Chegado a casa tomei logo um ben-u-ron. Para já não me dói o braço, nem sinto nada, nem vejo a praça do Campo Pequeno a andar à roda, nem tenho febre, nem voltei a ver sapos à minha volta, sei lá se mais logo terei pesadelos ou coisa assim. Vamos ver...


Acredito tanto nisto da covid como acredito que os homens um dia pisaram a Lua, mas enfim. Napoleão disse um dia que “quando a China acordar, o mundo vai tremer”. E tremeu mesmo.


Enfim, mas como sou - infelizmente - português e o português é uma “Maria vai com as outras”, acabei por ir também levar a vacina. E a da Tia Zeca, ainda por cima. A próxima é a 17 de Agosto, não posso ir à tourada a Coruche, prontos, paciência. 


Agora já devo estar imune, ou impune, ou qualquer coisa dessas acabadas em une. Já estou à balda, já não apanho a praga chinesa, se calhar até vou deixar de ir de máscara às touradas e da próxima vez que o Sporting seja campeão, eu odeio futebol mas meto-me na confusão também.


Há-de ser o que Deus quiser! Sou um herói! Mai nada!


Fotos D.R.