Com a irreverência e a pertinência que o
caracterizam - de que uns gostam, outros nem tanto, mas paciência, é a vida...
- Miguel Alvarenga analisa hoje aqui alguns dos casos que mais marcaram este
fim de temporada.
1 - A morte dos cavalos de Joana
Andrade - Um a um, morreram cinco dos melhores cavalos que asseguravam a
carreira da jovem cavaleira, estabelecida há uns anos no Redondo, em casa do
criador João Anão. Na mesma semana e, ao que se disse, depois de ingerirem a
mesmíssima ração ministrada aos cavalos de Joana, morreram, em Almeirim, um
cavalo de Jorge D'Almeida e, na Golegã, uma égua de um praticante da modalidade
de Dressage e Equitação do Trabalho. Televisões e jornais estiveram em cima do
acontecimento - invulgar e, por isso, notícia. Passou uma semana e continua
tudo na mesma. Não se conhece o resultado das análises mandadas fazer pela ASAE
e pela fábrica produtora da suspeita ração, ninguém disse (quem tinha que
dizer) o nome da ração e da fábrica que a produz - e isso deveria ter sido a
primeira coisa a saber-se, para eventualmente evitar outras mortes de cavalos,
uma vez que a razão mais plausível para a mortandade dos equinos tenha sido, na
verdade, a ração que ingeriram. O mistério permanece e a falta de vontade em
aclarar o que na realidade aconteceu, também parece que permanecerá. Afinal,
estamos em Portugal... não é? Onde tudo se passa e nunca ninguém percebe muito
bem por que se passa, quanto mais imaginar algum dia culpar os responsáveis...
2 - O caso vergonhoso do Grupo de
Forcados de Évora - O afastamento do cabo Bernardo Patinhas, por via de um
processo pouco vulgar entre a forcadagem, dificilmente passaria despercebido ou
se cingiria exclusivamente ao foro interno do agrupamento. Como era de esperar
e por se tratar de um processo invulgar, rapidamente saltou para a praça
pública, com todas as consequências negativas que daí advém para o historial do
grupo e para a boa imagem dos forcados em geral. Estranhou-se o silêncio da
Associação de Forcados - ou talvez não. Só fala quando não é preciso e quando
não vem a propósito. E num momento em que se pretende a união (fingida, bem
sei, mas...), a estória deu uma imagem de bandalheira e desunião - desatentos,
os anti-taurinos não se aproveitarem desta confusão. Mas se se tivessem
aproveitado, ficávamos todos com um "melão" do tamanho do mundo!
Feitas as contas, Patinhas foi despedido, assim como se despede uma criada. O
seu extenso depoimento é bem elucidativo, se dúvidas ainda subsistissem, de que
houve, na verdade, uma conspiração e um "golpe de estado" para o
destituir - não lhe dando possibilidade de defesa, nem sequer depois de ter
demonstrado que estava, como era de esperar, disposto a emendar alguns erros
que eventualmente tivesse cometido. O seu depoimento, muito bem escrito e
sobretudo escrito pela pena de um advogado, não deixa a menor dúvida a ninguém
sobre o processo conspirativo que levou ao seu afastamento. É um longo texto
recheado de provas factuais, ao melhor estilo de uma contestação jurídica na
barra do tribunal, mas continuamos todos sem perceber as razões que estiveram
na origem da decisão dos forcados em afastar o seu cabo. Razões, ao que parece,
do foro pessoal e da vida privada que, a meu ver, sejam quais forem, não
implicam a destituição de um cabo de forcados. O depoimento de Patinhas não
teve, até ao momento, contestação de nenhuma das outras partes, nem de nenhum
dos elementos, antigos e actuais, ali referidos. Como quem cala, consente, tudo
leva a crer que a verdade é mesmo aquela e que ninguém a pretendeu contestar.
Foi um triste episódio que em nada contribuiu para a boa imagem dos forcados em
geral - e do Grupo de Évora em particular. Onde, a partir de agora, nada será
como dantes. Os futuros cabos e os elementos do grupo vão viver sob o espectro
da conspiração - o que não é minimamente saudável. Se aconteceu uma vez,
ninguém pode garantir que não possa acontecer segunda vez... Uma última palavra
para lembrar que o novo cabo, António Alfacinha, não iniciou funções da melhor
maneira. Ao declarar ao site "touro e ouro", no dia em que assumiu a
chefia, que ninguém correra com Patinhas, que ele saíu por que quis e que
aquela não foi a forma desejada pelo grupo, Alfacinha mentiu - a atestar pelo
depoimento de Bernardo, dado à estampa no dia seguinte. E mentir é muito feio.
3 - Ventura acusa "jornalistas
corruptos" - Há um ano, Diego Ventura deu uma entrevista à revista "6
Toros 6", onde acusava as famílias de muitos cavaleiros tauromáquicos
portugueses de irem para as praças com a missão definida de apenas o assobiar.
Nunca mencionou que famílias e que toureiros. O caso passou e nunca mais
ninguém o referiu. Ontem, numa entrevista a Solange Pinto dada à estampa no
site "touro e ouro", Ventura denunciou a existência de
"jornalistas corruptos" em Portugal, que "só lhe pedem
dinheiro" - e voltou a deixar a incógnita no ar, não chamando os bois
pelos nomes, como se costuma dizer e como é normal, em bom português, fazer.
Foram estas (não resisto a transcrever) as suas palavras textuais: "Ajudei
muitos toureiros portugueses, não só a tourear em Portugal, como também em
Espanha e o que recebi em troca foram críticas de jornalistas corruptos, que só
fazem é pedir dinheiro aos toureiros, ou críticas de outros que apenas 'são de
um toureiro' até ao ponto de dizerem que os outros toureiros para nada
servem". Não se deve - nem se pode - fazer acusações dessas sem as fundamentar.
Ou se diz tudo, ou mais vale ficar calado. Atirar "barro à parede" e
enxovalhar toda a classe jornalística no mesmo saco - é muito feio e em nada
dignifica um toureiro da craveira de Ventura. Não quero armar-me em advogado de
defesa dos jornalistas e em particular dos críticos taurinos portugueses, mas
considero que, ao não referenciar nomes, Ventura está a atingir todos. Ou diz
ou não diz. Meias tintas nunca ficaram bem a ninguém. Que o diga rapidamente. É
o mínimo que lhe podemos exigir.
4 - Os triunfadores do Campo Pequeno - A
empresa do Campo Pequeno anunciou ontem os três nomeados em cada actividade,
lista da responsabilidade dos abonados, de que sairão depois, por decisão do
Real Clube Tauromáquico, os vencedores dos habituais Galardões. Tema altamente
subjectivo, como sempre. Há quem concorde e quem não concorde, mas isso é mesmo
assim, foi sempre. Rouxinol, Pablo Hermoso e Rui Fernandes são os cavaleiros
nomeados. Estranha-se que o não tenham sido tambémVentura e Moura Jr. - que
sairam em ombros em 2011. Dos três, escolho Fernandes. No que aos matadores se
refere, estão nomeados Vitor Mendes, Ferrera e "Procuna" - escolho o
Maestro Mendes. Três novilheiros nomeados, se bem que um seja praticante: o
mexicano Silveti, Dias Gomes e Tiago Santos - escolho o Tiago, sem a mínima das
dúvidas. Há forcados, grupos de forcados, peões de brega, bandarilheiros e
ganadarias nomeadas - para já, não me manifesto. Concordo com essas nomeações -
só não entendo uma delas. Cláudio Miguel está nomeado como bandarilheiro (e não
como peão de brega) quando, na temporada de 2011, não cravou um único par de
bandarilhas na arena do Campo Pequeno. Actuou ali uma única vez, como
subalterno do cavaleiro João Cerejo, portanto, sem bandarilhar. Alguém explica
a desatenta nomeação?...
5 - A trapalhada do Cartaxo - A Câmara
Municipal do Cartaxo, proprietária da praça de toiros local, tirou o tapete ao
empresário Paulo Pessoa de Carvalho e acabou por entregar o tauródromo, após um
processo (discutível) de sondagem a vários empresários, à "Aplaudir"
de Bolota. Não explicou nunca as razões porque não quis mais Paulo Pessoa à
frente dos destinos da sua praça. E demorou a decidir-se, entregando a praça
onze dias antes da data da realização da última corrida, tempo demasiado
insuficiente para que a "Aplaudir" pudesse desenvolver todo um
processo de promoção da corrida nos moldes em que o costuma efectuar. A
destituição de Pessoa equipara-se, no método, à de Patinhas no Grupo de Évora.
As coisas, no mundo das touradas, são cada vez menos claras e mais trapalhonas.
É pena que assim seja. E é pena, sobretudo, que ninguém faça nada para que
assim não seja. A tão pouco eficiente Federação "PróToiro", que não
se deveria limitar à actividade feirante de vender t-shirt's à porta do Campo
Pequeno, ficou calada quando deveria ter falado. Não pode fingir que existe só
para ir quinze minutos à televisão...
6 - A desistência de Sérgio Santos
"Parrita" - É normal e não espantou ninguém que o diestro moitense
deixasse ir embora o sonho de um dia ser figura do toureio... como matador. O
mesmo aconteceu este ano com Nuno "Velásquez" e certamente acontecerá
com muitos mais. Trinta anos depois, doa a quem doer, o nosso toureio a pé
continua a chamar-se Vitor Mendes. E o resto são cantigas. Nenhum outro teve a coragem
e a determinação que teve Mendes de abdicar de tudo e ir para Espanha, fazer-se
à vida, fazer-se ao sacrifício, lutar com valor por um lugar ao sol e chegar
onde chegou. Os jovens diestros portugueses ficam-se por cá, à sombra da
bananeira, à espera que lhes caia um contrato do céu para uma touradita aqui ou
acolá. Sem fazerem história, sem escrevem história nos ruedos da verdade, do
outro lado da fronteira. Vitor Mendes foi um. Os outros são todos apenas
"mais um". É natural que "Parrita" tenha tomado a decisão
mais difícil da sua vida - mas não tinha outra decisão a tomar. Ou arrastava,
ilusionado, uma ilusionada carreira de matador "de fingir" - ou
optava por ser bandarilheiro e continuar na Festa com a dignidade e a postura
com que sempre andou, mesmo sem ter atingido os patamares a que se propunha.
Parar é morrer - e "Parrita" não parou. Como Nuno
"Velasquez", apenas mudou de sentido na estrada que se propunha
percorrer.
Foto D.R.

