Público entusiasta, apesar de tudo, no sábado em Elvas. Na foto, aplaudindo Rui Fernandes, autor de destacada faena. Em baixo, o Maestro Moura, cabeça de cartaz |
Miguel Alvarenga - Com um excelente e
atractivo cartel de Figuras, a corrida de sábado em Elvas (louvável iniciativa anual a favor da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental) reunia todos os
ingredientes para ser mais uma jornada de promoção e engrandecimento da arte
tauromáquica, depois da nossa brilhante vitória no debate da RTP e da lotação
esgotada do Campo Pequeno na noite da abertura da Temporada. O Coliseu
"Rondão de Almeida" registava uma enchente de mais de meia casa, o cartel
reunia nomes de gabarito e o ambiente era grande, o público esperava mais um
acontecimento de eleição.
Mas depois tudo ficou comprometido pelo
lamentável estado do piso da arena, um autêntico e perigoso areal,
completamente impróprio para a prática de uma arte de risco como é a do toureio. Isso condicionou o
comportamento dos toiros da ganadaria Passanha, bem apresentados, com
mobilidade e alguma raça, uns pontos acima dos usuais "nhoc-nhoc" do
encaste Murube; e condicionou também o próprio desempenho dos cavalos e dos
toureiros, bem como dos bandarilheiros e dos forcados. O estranho é terem
permitido que o espectáculo fosse por diante sem primeiro cuidarem, como se
exigia, do piso. Ninguém deu por isso antes da corrida? Nem o director, nem os
artistas, ninguém?...
O espectáculo acabou por resultar sonso,
sem emoção, sem transmissão, com os toiros parados e enterrados no areal, com
os toureiros a dar o litro e a esforçar-se para vencer na praia - que não era minimamente a deles... -, enfim, sem as
condições que se exigem para que, no mínimo, as coisas resultem.
Dadas as condições em que actuaram, há
que enaltecer os seis cavaleiros pela entrega, pelo esforço, pelo risco e pelo
empenho que puseram nas suas lides, toureando num piso altamente condicionante
e deveras comprometedor. Para já não dizer perigoso e de alto risco.
Foi João Moura quem abriu a função,
arriscando tudo num areal impróprio para a prática do toureio. Valeu a sua
experiência, a sua garra, o seu saber, a sua arte sem fim. Fez das tripas
coração e sacou faena a conta-gotas, frente a um toiro que também se viu e
desejou para se mexer naquela praia.
Joaquim Bastinhas, desta vez, esteve lá.
Em Estremoz não o tínhamos visto. Agora, diante do seu público, que tanto o
acarinha, Bastinhas lutou também contra as péssimas condições do piso da arena,
mas deixou ferros da sua marca e terminou com um par aplaudido. Houve empenho,
entrega e houve sobretudo a costumeira alegria. Outra vez.
Tito Semedo é um toureiro que vale.
Conta já duas décadas de alternativa, continua a lutar com imensa dignidade
pela desejada afirmação, está muito bem montado e rubricou em Elvas uma faena
plena de detalhes que o revelam com um cavaleiro que não desilude e fica bem em
qualquer cartel. Esteve enorme a tourear, bem a cravar, excelente nos remates e
nos recortes, com um cavalo excepcional que lida num palmo de terreno e se
recria na cara do toiro.
A viver um tempo de consagração
absoluta, Rui Fernandes veio a Elvas decidido a confirmar o estatuto de
verdadeira estrela. Esperou o toiro no centro da arena, à porta da gaiola,
aguentou barbaridades e depois não parou mais. Foi uma lide fantástica, em
crescendo, com argumentos de sobra para chegar em apoteose ao triunfo.
João Moura Caetano fazia aqui a sua
estreia na temporada nacional, depois de dois triunfos em Espanha. Vinha também
decidido a não perder. Teve o azar de enfrentar o mais manso dos Passanhas,
utilizou o "Aramis" e o "Xispa" e pôs tudo numa lide que
parecia impossível. Piso mau, toiro manso e mesmo assim, um triunfo importante
de um toureiro que nunca desarma.
Fechou a corrida o empolgante Marcos
Tenório Bastinhas. E fechou-a com chave de ouro. Protagonizou uma lide
brilhante, sempre a subir de tom, ladeou com emoção, cravou com verdade e
recriou-se em artísticos remates, terminando com um par que levantou o
conclave.
Com um piso tão impróprio, quase parece
impossível que os toureiros tenham triunfado com a força com que, na verdade,
triunfaram. Era um cartel de Figuras e as Figuras impuseram a sua força e a sua
raça, mesmo perante uma adversidade daquelas. Tão difícil de entender. Tão
inacreditável de ocorrer. Como é possível que coisas destas aconteçam e ninguém
as saiba evitar?...
No que aos valentes forcados diz
respeito, o destaque maior vai para a quinta pega da noite, executada com
braços de ferro pelo heróico Joaquim Guerra dos Académicos de Elvas, à primeira
e grande tentativa. O toiro investiu com alegria e desviou depois a rota,
fugindo ao grupo com o forcado na cara. Guerra aguentou os derrotes e
manteve-se que nem uma lapa na cara do toiro, levantando o público das
bancadas.
O primeiro toiro pegado pelos elvenses,
o segundo da noite, teve na cara António Machado, que também se fechou ao
primeiro intento.
Na generalidade, os toiros não fizeram
mal aos forcados. Houve, também aqui e face às condições fatais do piso, um
esforço redobrado por parte dos elementos dos três grupos - e, por isso,
também, um sucesso que é preciso aplaudir, pela entrega e pela heróica
prestação de todos naquela praia que não era a deles.
Pelos Amadores de Alter do Chão pegaram
Jorge Naggy (à primeira) e Diogo Bilé (à segunda).
Os Amadores do Redondo, que voltavam a
um cartel de eleição depois do triunfo na Corrida RTP de Estremoz, pegaram os
seus dois toiros à segunda. Na primeira pega, Sérgio Passos fechou-se à segunda
depois de o toiro lhe ter passado ao largo da primeira vez e no último toiro
Carlos Polme concretizou também ao segundo intento, bem ajudado por todos os companheiros.
Irrepreensível direcção de corrida de
Agostinho Borges, lamentando-se apenas que tanto ele, como os intervenientes na
corrida (e seus apoderados) não tenham feito nada, como se impunha, para evitar
que o espectáculo tivesse decorrido em tão lamentáveis condições. É pena que em
Portugal seja sempre assim: vencemos o debate na RTP, esgotámos o Campo Pequeno
na quinta-feira e pronto, temos a "guerra" ganha, não precisamos de
nos maçar mais com nada. E a realidade é que todos os dias são novos dias e
todos os dias surgem adversidades como a deste piso, que é preciso resolver e é
preciso, sobretudo, saber ultrapassar. Olhos abertos, meus senhores! É preciso
não esquecer: com touradas sonsas e sem emoção, como esta de sábado em Elvas, o
pessoal começa a deixar de ir aos toiros. E depois não há Hélder Milheiro que
nos safe!
Não perca, já a seguir: as fotos de todas as pegas, os Momentos de Glória e o registo da presença dos Famosos.
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com