quarta-feira, 1 de julho de 2015

Grande entrevista: Paulo Caetano por si próprio (2ª parte)

A verdade, a classe, a arte e a imponência do toureio
de Paulo Caetano aqui bem expressa num grande ferro
na sua última actuação no Campo Pequeno em Agosto de 2012
Nos primeiros tempos, com dois dos grandes pilares da sua carreira: o Maestro
António Badajoz e o apoderado espanhol Jacinto Alcón, que ainda hoje dirige a
carreira de seu filho João Moura Caetano em Espanha



Segunda parte da grande entrevista ao Maestro Paulo Caetano, nas vésperas do seu regresso às arenas, ainda que por um só dia (próximo sábado em Portalegre) para comemorar 35 anos de alternativa - uma trajectória marcante de um Toureiro que fez história e entrou, por seus próprios méritos, para a História. Competiu com os maiores, pisou os principais palcos do toureio mundial, deixou escola e destacou-se pelo aprumo, pela classe, pela arte e o temple, pela verdade com que esteve ao longo de vinte anos no topo da escadaria das Figuras. Sobre a corrida de sábado em Portalegre, onde lidará um toiro da ganadaria de sua sogra, Maria Guiomar Moura, diz-nos: "Estou consciente de que já não tenho 20 anos e que a falta de rodagem é, evidentemente, uma limitação. Mas também sei do respeito e do carinho que este público me merece e conto com a minha experiência e com a minha vontade para poder dar o melhor de mim".

Entrevista de Miguel Alvarenga

- Para além da corrida do próximo sábado em Portalegre, que outro tipo de comemorações vão assinalar o 35º aniversário da tua alternativa?
- Quem me conhece sabe que não sou muito dado a excesso de homenagens.
Estou muito grato por tanta gente se lembrar de mim. Tenho recebido inúmeros convites de Tertúlias, organizações tauromáquicas, web sites e também de iniciativas de carácter pessoal, para celebrações respeitantes a esta efeméride. Todas estas iniciativas são prova de uma grande amizade e de uma enorme generosidade que muito prezo e agradeço. Infelizmente, a minha vida profissional obriga-me a viajar muito para fora do país e não poderei estar presente em todos os acontecimentos. O Município de Monforte vai promover alguns actos oficiais, que por se tratar da terra onde vivo têm um significado muito especial para mim e para a minha família.
- Recorda-me o melhor e o pior momento de 35 anos de carreira...
- De entre tantos bons e maus momentos não posso afirmar qual foi exactamente o melhor ou o pior. No que diz respeito a realização profissional, e curiosamente de entre muitas corridas que me correram bem, por esse mundo taurino fora, lembro- me de uma faena em Lisboa a um toiro do José Infante da Câmara montando o "Vila Franca". Havia algumas temporadas que eu vinha toureando toiros deste ganadeiro, de quem sou amigo e muito prezo e admiro, sem conseguir triunfar. Era uma "pedra que tinha no sapato" desde que um bravíssimo touro deste ferro, me fez dar duas voltaretas de "campana" em Santarém, colhendo-me violentamente num ferro comprido. De cada vez que toureava este encaste , falava com os meus botões: quando tiver de novo uma "máquina" a sério debaixo das pernas hei-de pedir um toiro Infante e triunfar com ele. Aconteceu quando, depois de estrear o "Vila Franca" (de ferro Torres Vaz Freire), surgiu um contrato no Campo Pequeno para uma corrida muito importante. Levei a melhor, o "Vila Franca" esteve enorme perante um toiro encastado e a pedir contas, e ganhei o prémio para a melhor lide em Lisboa nessa temporada. Teve um sabor muito especial.
Os momentos mais amargos foram os que se relacionaram com o desaparecimento de pessoas que me acompanharam e às quais devo a minha carreira, e que eram amigos verdadeiros, insubstituíveis, e de quem tenho uma imensa saudade. Àparte dessas tão tristes perdas, incomparavelmente dolorosas, os acontecimentos que mais me custaram foram os relacionados com lesões e afastamento de cavalos chave da quadra. Recordo a lesão do "Tupi Lupi" em Reguengos depois de um enorme êxito, a fractura do "Altivo" em Vila Franca, da "Condessa" em Almeirim, do "Sol" em Alcácer. Enfim, são generosos companheiros que nos dão tudo, com quem vivemos dia após dia, que sentem e conhecem as nossas reacções, os nossos receios e alegrias. Os cavalos são a mola que impulsiona os nossos sonhos de faenas perfeitas, que nos motivam no nosso trabalho, que fazem nascer novas expectativas. Sinto paixão e um imenso respeito por eles.
- O que podem os aficionados esperar de Paulo Caetano na noite do próximo sábado, 4 de Julho, em Portalegre?
- A minha relação com a praça de Portalegre e o público desta terra é muito afectuosa e especial. Vivi ali grandes tardes. Estava a tourear na Feira das Cebolas nesta praça quando nasceu o meu filho João, foi uma festa. Gostaria que o público estivesse caloroso e se vivesse um ambiente alegre e taurino, que ajudasse todos os toureiros e forcados a triunfar nesta corrida. Espero também que os toiros ajudem os toureiros e que Deus reparta sorte e nos proteja. Quanto a mim, estou consciente de que já não tenho 20 anos e que a falta de rodagem é, evidentemente, uma limitação. Mas também sei do respeito e do carinho que este público me merece e conto com a minha experiência e com a minha vontade para poder dar o melhor de mim.
- Ser toureiro é...
- Na minha opinião o toureio assenta em três pilares fundamentais:
O primeiro, a sua estrutura ancestral: uma luta entre um homem e um toiro. Os "ancestros do toureio" transportam-nos para um jogo onde o perigo nos encara de olhos nos olhos e onde existe mais do que uma vontade de levar a melhor, existe a necessidade de vencer sob pena de perecer.  É um combate vital onde o homem só poderá levar a melhor se superar, pela sua inteligência e vontade, a sua inerente desvantagem fisica. Este pilar, que nunca poderá ser desvalorizado, é onde tudo começa e também onde tudo acaba quando se cumpre o ciclo completo dos três pilares.
O segundo pilar é o da técnica. É na cabeça que se constrói o toureio. É a inteligência a base da conjugação de meios que permite comandar a investida brava do toiro. É a inteligência que permite, perante a permanência do perigo, tomar decisões em milésimos de segundo e no mesmo curto espaço de tempo, aplicar os recursos técnicos acertados. É a cabeça que permite ler a velocidade e a impetuosidade da investida do toiro e manter a serenidade para controlar as suas trajectórias. É a inteligência que estabelece os objectivos e a respectiva motivação, determinação e espírito de sacrifício para os alcançar. É ainda a cabeça que programa a preparação necessária e faz cumprir a programação de treino. Sem cabeça não há toureio.
O terceiro pilar é o da arte. Para o artista a arte não conta. Sai-lhe pelas pontas dos dedos. Faz parte de si, é genuína. Este é o pilar do sentimento, que quando é alcançado, transfere o toureio da cabeça para o coração e esvazia o resto do corpo. Uma vez assumidos os dois primeiros pilares, é este que permite que a luta ancestral se transforme num "pas de deux", num ballet de plasticidade e harmonia únicas. É a arte que faz com que a técnica que controla a investida, consiga fazê-lo de forma cadenciada, ritmada, ligada, emotiva. Este é o domínio do iemple e da profundidade. Nas raras ocasiões em que o ciclo se cumpre, há como que um regresso ao valor ancestral do primeiro pilar e este aparece na sua forma mais nítida. O toureiro, como que abandonado, expõe a sua fragilidade sem reticências, o tempo fica mais lento e tudo parece fácil e intenso, apesar do risco ser mais elevado.
Não há dúvida que estamos perante uma arte sublime e que quem a escolhe terá de assumir uma enorme humildade, um forte espírito de sacrifício e uma determinação inabalável. É muito bonito ser toureiro, mas é muito difícil. Quando se diz que os toureiros são feitos de uma massa especial, está-se a referir o estofo e a entrega que são necessários para seguir esta profissão.
- Voltarias atrás, se fosse possível e farias tudo igual na tua carreira?
- Se pudesse voltar atrás, com o conhecimento e a experiência que tenho hoje, seguramente, mudaria muita coisa e procuraria fazer mais e melhor. Mas isso é impossível. A vida vai-se apresentando e a "escada" vai sendo subida degrau a degrau, por vezes com um tropeção ou outro, mas sempre olhando em frente e fazendo o esforço necessário para progredir. A fé, a vontade e a garra sempre me ajudaram a encarar os problemas e a ultrapassá-los. Espero que Deus me continue a dar essa capacidade, que aceite a minha gratidão por tudo o que me tem concedido e me conserve a força e o entusiasmo para encarar o futuro.

Fotos Emílio de Jesus e D.R.