terça-feira, 2 de maio de 2017

Beja: um triunfo (Palha), um meio-desaire (Cartagena), uma estreia adiada (Mónica) e uma promessa que passou a certeza (B. Paes)

Bem no primeiro toiro, Andy Cartagena "perdeu-se" no
segundo. Quase não esteve em Beja, mas por morrer uma
andorinha, nunca acabou a Primavera...
Muito valor, muita arte, muita decisão e muita classe. O bom toureio de Francisco
Palha
, finalmente embalado e rumo aos mais altos patamres
Mónica Serrano confirmou o seu valor, estando, contudo, muito aquém do seu
melhor. Ficamos à espera do "regresso", depois de afinar as máquinas, que ontem
não estiveram a cem por cento
Momentos brilhantes do triunfo de Joaquim Brito Paes frente a um novilho-toiro
de Varela Crujo de nota altíssima


Miguel Alvarenga - O cartel internacional de ontem em Beja era arrojado e estava bem montado. Dizer o contrário é mentir. O empresário Rafael Vilhais apostou na diversificação, numa primeira figura de Espanha (Cartagena), num cavaleiro português que no ano passado deu um tiro forte em frente (Francisco Palha) e na novidade que, dez anos depois, poderia constituir a apresentação em Portugal da mexicana Mónica Serrano, completando ainda o elenco com a presença do promissor cavaleiro amador Joaquim Brito Paes e de três grupos de forcados locais, os Amadores de S. Manços, os de Cascais (na maioria, composto por elementos do distrito) e de Beja. Mesmo assim, o público não correspondeu, preenchendo apenas metade das bancadas. Porquê? Façam reflexões, análises, procurem encontrar as razões. Mas, repito, dizer que o cartel “não prestava”, não vale. Porque não é verdade.
Houve, isso sim, falhanços. A corrida não foi o que se esperava.

Cartagena: era mesmo ele?...

Andy Cartagena é uma primeira figura consagrada em vinte anos de carreira. E ontem quase não esteve em Beja. Deu um bonito ar da sua (imensa) graça no primeiro toiro, em que esteve variado e foi premiado com música e volta à arena. Esteve “de rastos” com o segundo, completamente perdido e sem argumentos para dar a volta a um toiro de Vinhas que, sendo complicado, poderia ter dado uma boa lide. Cartagena não o entendeu e no final andou vezes sem fim “à nora” para colocar um ferro em sorte de “violino”, que falhou por vezes em demasia.
Acontece. Os grandes toureiros também podem ter desaires assim, sem que isso lhes faça perder o prestígio que conquistaram e reafirmaram, como é o caso de Andy, em duas décadas.

Palha embalado foi o triunfador

Francisco Palha é um cavaleiro em ascendência. Um toureiro embalado por êxitos no ano anterior, em que por fim se afirmou e deixou vontade o revermos seguir em triunfo esta fase brilhante da sua carreira. Ou seja, explodiu de uma vez por todas - o que era esperado, dadas as suas excelentes qualidades. Sempre acreditei nele e nunca me enganei. Teve uma temporada de 2016 brilhante e ontem em Beja reafirmou que vai prosseguir este ano na senda do êxito que marcou a sua campanha anterior.
Esteve toureiro, esteve com atitude e com ganas de triunfar, alcançando nos dois toiros esse objectivo - inequivocamente. Diligente na brega, certeiro e emotivo na ferragem, brilhante a lidar os dois Vinhas, que sairam distintos. Mais colaborante o primeiro, complicado e reservado o segundo, no qual se viu a real dimensão do bom toureio de Palha, dando a volta por cima com muita entrega e um valor acima da média. Imensa arte também e bom gosto. Classe, numa só palavra. Muita, mesmo. Deixou ambiente enorme para domingo o voltarmos a ver em Vila Franca.

Mónica Serrano: "cojones"! E o que falhou

Mónica Serrano é muito mais do que aquilo que ontem conseguiu demonstrar na centenária praça que tem o nome do saudoso cavaleiro José Varela Crujo. Debateu-se, sem que isso possa servir de desculpa (o público que paga o bilhete não tem nada a ver com esses contornos), com um sem número de confusões nos dias que antecederam esta estreia. Mudou de equitador e mudou os cavalos de lugar. Teve que os acoplar ao seu estilo, em quatro dias, de novo com a ajuda e o apoio de José Prates - que defendeu até ao fim que ela não estava preparada devia adiar um mês a sua apresentação entre nós. Mas Mónica teve um par “de cojones” e decidiu que não podia faltar a um compromisso assumido. Quer queiram, quer não queiram, teve valor. E coragem para ir em frente, quando quase todos a aconselhavam a voltar para trás...
Levava dois toiros escolhidos, valendo-se do facto de em Portugal ser equiparada a cavaleiro praticante, por ainda não ter alternativa. À hora do sorteio, os apoderados de Cartagena não concordaram e obrigaram a que os seis Vinhas (bem apresentados, de comportamento distinto, mas que na generalidade "se deixaram tourear") fossem devidamente sorteados pelos três cavaleiros. Mónica foi aconselhada a pôs os cavalos na camioneta e ir embora, não toureando. Telefonaram-lhe para o hotel e ela respondeu: “Vou na mesma. Não falho a um compromisso”. E foi.
O primeiro toiro so seu lote era o maior da corrida. E nem isso a atemorizou. Voltou a ir em frente, mesmo ciente de que os cavalos - e ela própria, que não toureava há mais de um ano - não estavam a cem por cento. Não é desculpa, não senhor, repito - o público pagante exige dos toureiros o máximo, tem direito a isso, não tem que saber, nem tem a ver com o que esteva por detrás e um toureiro tem que se apresentar sempre a cem por cento.
Recebeu o toiro com o “Dubai”. Esteve acertada, sem estar como muitos já a viram. Procurou as sortes frontais, que nem sempre resultaram em pleno. Mas não se pode dizer que tenha fracassado. Escutou música e deu aplaudida volta à arena.
No segundo, destacou-se apenas em dois emotivos “quiebros” com o fantástico cavalo “Medronho” e mais três em estilo de recorte, sem ferro, a terminar a lide. Esteve muito aquém do seu melhor. Mas deixou um cheiro do que é capaz.
“Todos sabemos que ela pode estar muito acima do que se viu. Eu sempre defendi que deveria preparar-se melhor e só aparecer em praça dentro de um mês. É o que agora se vai fazer”, disse José Prates no final.
Fica agora a espera. A espera de a podermos ver finalmente no plano em que sabe e pode andar. Sem ter sido propriamente um fracasso, foi um desaire a lide do segundo toiro. Que podia e devia ter sido evitado.

Brito Pais: de promessa a certeza!

Por fim, toureou um novilho de Varela Crujo - de excelente qualidade e que mereceu a chamada à arena do representante da ganadaria - o promissor cavaleiro amador Joaquim Brito Paes, toureiro de dinastia.
Foi um fecho de corrida com chave de ouro. Brito Paes fez tudo bem feito. Monta primorosamente, tem raça e intuição e os ferros resultaram emotivos, bem como a forma como mexeu com o oponente, lidando e bregando com um toureiro grande. Diria mesmo que o novo Brito Paes passou ontem de promessa a certeza, confirmando a arte e o valor que já tinha mostrado nas temporadas anteriores. A jogar em casa, teve o público consigo - mas pelo seu próprio mérito.

Forcados: S. Manços na dianteira

Dos três grupos de Forcados, como já aqui ficou mencionado, foi o de São Manços quem levou ontem a dianteira, com três brilhantes pegas, duas ao primeiro intento e uma à segunda, por intermédio de Manuel Vieira (primeira pega da tarde, à segunda), Rui Pelado (a melhor da tarde, à primeira, ao quarto toiro, com o forcado a recuar e a fechar-se com brilhantismo e o grupo a ajudar coeso) e João Rosmaninho, que pegou o sétimo e teve o bonito gesto de repartir a sorte com elementos dos outros dois grupos.
Pelos Amadores de Cascais foram caras Marco Baião, à terceira; e Ventura Doroteia, que esteve valente e se fechou à quarta, em sorte sesgada, aguentando derrotes sem nunca sair nesta última tentativa.
Pelos Amadores de Beja pegaram Miguel Sampaio, à terceira; e Ricardo Castilho, à primeira, também esta uma das mais emotivas e bem consumadas pegas da tarde.
Bem as quadrilhas dos quatro cavaleiros numa corrida bem dirigida por Agostinho Borges, com o rigor e a aficion que o caracterizam.
Ao início da corrida foi guardado um minuto de silêncio em memória do cavaleiro bejense Luis Cruz, recentemente falecido num acidente de campo.

Fotos Maria Mil-Homens e Manolo Briones