Forcados de Alenquer, a quem a ANGF continua a não abrir as portas, deram ontem na sua terra uma lição de que sabe estar e de quem anda na Festa por bem e para engrandecer a imagem do Forcado Amador |
Bem no seu primeiro toiro, foi no segundo, manso e encrençado em tábuas, que se viu o saber e o valor de Paulo Jorge Santos, que resolveu as dificuldades com ousados ferros a sesgo |
Alegre, exuberante (quem sai aos seus...) e praticando um toureio de verdade e de emoção, Marco Bastinhas galvanizou o público em Alenquer |
Verdade, serieade, rigor artístico e muita arte nas duas brilhantes actuações de Duarte Pinto ontem em Alenquer |
A primeira pega da tarde esteve a cargo de André Martins e foi brindada ao Maestro Joaquim Bastinhas |
João Rocha bem fechado na cara do segundo toiro, com oportuna intervenção do primeiro ajuda |
Fábio Lucas, novo cabo do Grupo de Forcados de Alenquer, concretizou à quarta a pega ao terceiro toiro da tarde |
André Laranjinha na cara do quarto toiro |
A quinta pega, por Jaime Mendes e, em baixo, a última, que esteve a cargo de Joaquim Brás |
Miguel Alvarenga - Primeiro, obriga-me a justiça e a moral, mas sobretudo a verdade, que aqui aplauda o Grupo de Forcados Amadores de Alenquer. Não pertencente à Associação de Forcados (ainda ninguém conseguiu entender essa “embirração” de quem manda nos forcados e os continua a deixar de lado), deu ontem em Alenquer mais um exemplo de aficion e de quem quer andar na Festa por bem, organizando a corrida que quase encheu a praça portátil, não partilhando cartel com mais nenhum grupo, antes dando a cara em mais uma “encerrona”, que tem sido o seu modo de estar e de manifestar o seu valor. Não há forcados de primeira e forcados de segunda - é preciso que isso fique registado e fique bem claro de uma vez por todas.
E posto isto, vamos à corrida.
Lidaram-se três primeiros toiros - todos da ganadaria de João Ramalho - de presença e trapio aceitáveis para uma praça portátil. E lidaram-se na segunda parte outro três escorridos de carnes, pequenotes demais, sem presença para o que se anunciava como uma corrida de toiros. Teria sido mais correcto que tivessem chamado festival ao festejo, como fizeram em Bencatel na véspera pelas mesmíssimas razões. Os bilhetes custavam 20 euros. E o público merece respeito. Mais respeito. Gato por lebre, não.
Não quero com isto dizer que os toiritos não tivessem prestado. Antes pelo contrário. Sairam bem, exceptuando o quarto, manso e que cedo se encostou às tábuas sem querer mais “colaborar”, tiveram raça, gatos na barriga e proporcionaram excelentes lides aos cavaleiros, não dificultando a vida aos forcados. E de tal forma serviram e tiveram óptimo comportamento, que ninguém protestou a pequenez deles e no final até deu volta à arena o representante da ganadaria.
Mudam-se os tempos…
Os tempos mudaram e, como dizia Camões, as vontades também. Por isso, entendo perfeitamente quem tenha, em escritos que já li nas redes sociais, protestado pela falta de presença e a inexistência de trapio, demasiado evidentes, nos três últimos exemplares de João Ramalho.
Mas lembro (sou desse tempo…) que os grandes êxitos que vi de Mestre Núncio, de Mestre Batista, de Luis Miguel da Veiga, de José João Zoio, do próprio Moura e dos que lhe seguiram, dos matadores Ruiz Miguel e “Niño de la Capea”, para já nem falar de Ordoñez, de Camino, de Romero e de tantos mais, no Campo Pequeno, naqueles anos de ouro de 60 e 70, foram precisamente com toiros deste tamanho, com pesos que não ultrapassavam os 400, 420 quilos. E serviam. E eram toiros com raça. E tinham os tais gatos na barriga. E andavam e não facilitavam. Hoje, pela mudança das vontades, acredito que isso seria impensável. E que praças como a de Lisboa, não se podiam dar “ao luxo” de lidar toiros com 420 quilitos. Mas ontem estávamos em Alenquer e numa portátil.
Só na década de 80 é que se começaram a ver nas praças toiros com 500 quilos. E de tal modo aquilo era “estranho”, tipo um bicho de sete cabeças, que as empresas que os lidavam anunciavam em grande destaque nos cartazes “toiros com 500 quilos”. Começou-se então a criar a moda dos “toirões” e hoje em dia, como sabemos, até se vêem toiros com mais de 600 quilos e alguns a rondar ou a ultrapassar mesmo os 700, o que não tem nada a ver com a morfologia do toiro e chega, por vezes, a não fazer sentido nenhum. Mas é a moda... e contra modas, chega a não haver argumentos...
Mas criou-se esse hábito, hoje institucionalizado, e já não há nada a fazer, o público quer “bisontes”, quer toiros maiores que os cavalos e já não aceita toiros (não eram novilhos, atenção) como os de ontem em Alenquer. Lá está, mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades. O velho Camões é que tinha razão.
Adiante. Face às modas, a única coisa com que não concordo foi que se tivesse anunciado o festejo como corrida de toiros. Como festival, ainda passava. Assim, há que aceitar as críticas que lhe forem feitas no que à ausência de trapio e de presença dos toiros diz respeito. Sigamos para bingo…
Artisticamente e pese embora a falta de emoção e a escassa transmissão que os toiros tiveram, a verdade é que foi um espectáculo agradável, entretido, bem dirigido por Lourenço Luzio, com ritmo, um curto intervalo para arranjar o piso da arena, sem demoras e sem espaços mortos. E houve momentos de muito bom toureiro.
Três estilos, três bons cavaleiros
Acusando, o que é natural, a falta do seu fantástico cavalo dos “quiebros”, o “Arlequim”, que morreu subitamente na última semana, Paulo Jorge Santos praticou um toureio correcto e de valor, mas sem o brilho que lhe dava sempre esse craque.
Bregou bem e teve ferros emotivos, rematados com arte e sentimento, escutando música nos dois toiros. A segunda lide, ao único manso da tarde que se fechou em tábuas, foi mais valorosa porque lhe exigiu um esforço redobrado. E como com os toiros maus se vêem os bons toureiros, Paulo Jorge esteve em grande, resolvendo as dificuldades com arrojadas sortes a sesgo e deixando os ferros da ordem como tudo tivesse sido fácil - quando o não foi.
É um cavaleiro com valor, bom equitador, sempre muitíssimo bem montado e cuja trajectória, normalmente mais baseada em arenas espanholas, não teve ainda (terá um dia?) o reconhecimento das grandes empresas nacionais - que o continuam a esquecer. Inexplicavelmente.
Marcos Bastinhas é uma alegria em praça. Mas é também muita verdade. Protagonizou uma excelente actuação no seu primeiro toiro, mas foi no segundo que levou o público ao rubro, primeiro com os compridos, a dar toda a vantagem ao oponente e a aguentar mesmo até ao fim, depois nos curtos a pisar terrenos de compromisso com um toiro bravo e que, apesar de pequenote, apertava e dava luta, depois com um ferro de palmo que resultou em cheio e um par de bandarilhas “à Bastinhas”. Apeou-se do cavalo - tal pai, tal filho - agradeceu no centro da arena e o público levantou-se das bancadas em clima de euforia. São toureiros como o Marcos que nos dão a certeza de que a Festa nunca vai acabar. Contagiam e dão seguimento a sentimentos e a emoções que foram sempre, e desde sempre, a alma e a razão de ser deste espectáculo de massas - e de povo. Muito bem, Marcos Bastinhas!
No conjunto das duas lides e apesar de ter falhado dois ferros no último toiro (tão curtinho de carnes que não era fácil acertar-lhe…), pode dizer-se que o triunfo mais rematado, ontem em Alenquer, foi de Duarte Pinto. É um toureiro clássico e é um toureiro de criar emoções e que as transmite pela verdade do seu toureio, à antiga, de frente, a cruzar o píton esquerdo, entrando recto e decidido pelos toiros dentro.
O público não lhe regateou aplausos (de pé), reconhecendo o valor, a verdade e a arte das lides de Duarte Pinto. Esteve enorme nos ferros compridos, a citar de praça a praça, a aguentar dando prioridade aos toiros. E fez o mesmo com os curtos, procurando colocar no seu labor toda a emoção que os toiros não davam. De tal forma esteve bem que ninguém deu pelos dois ferros que falhou, tão bons foram os seguintes.
Ontem em Alenquer, Duarte Pinto deu mais um importante grito de afirmação. E temos que o aplaudir. Porque sabemos que o que fez com toirinhos daqueles, faz igual com “toirões” dos que metem respeito.
Um grupo de bons forcados
Não aceites no seio da Associação de Forcados (volto a questionar porquê…), apesar de inúmeras tentativas feitas no sentido de modificar esta situação (um dia, acredito que haverá bom senso por parte da ANGF), os Forcados Amadores de Alenquer são, viu-se ontem, um grupo de bons forcados.
Bem fardados, respeitadores, dignificando a imagem do Forcado.
Nas seis pegas, que nem tiveram dificuldades de maior porque os toiros em nada dificultaram, cinco à primeira e só uma à quarta, o grupo demonstrou coesão e prontidão nas ajudas e os forcados de cara estiveram correctos nos cites, a recuar, nas reuniões. Nada a apontar.
O público da terra - e os que vieram de fora - esteve com eles e no final todo o grupo veio à arena receber a consagração por uma tarde de triunfo. E de (re)afirmação.
Foram forcados de cara André Martins, João Rocha, André Laranjinha, Jaime Mendes e Joaquim Brás, todos ao primeiro intento e com denotada galhardia.
Só o novo cabo Fábio Lucas, no terceiro toiro da tarde, concretizou à quarta tentativa, depois de nas três anteriores ter sempre adiantado os braços e sofrendo, por isso mesmo, violentos derrotes. Destacado primeiro ajuda do grupo, quis iniciar este novo ciclo como cabo pegando de caras, acabando por concretizar uma pega rija e em que sózinho aguentou fortíssimos derrotes depois de o toiro fugir ao grupo.
Houve brindes dos forcados a Joaquim Bastinhas, a Luis Miguel Pombeiro (director do jornal “Olé!”), ao bandarilheiro Ernesto Manuel e aos vereadores presentes das Câmaras de Alenquer e da Azambuja. Houve ainda a destacar um significativo brinde de Marcos Bastinhas aos Forcados de Alenquer e o primeiro, de Paulo Jorge Santos, a Joaquim Bastinhas.
Em suma, uma tarde entretida, com alguns pingos de chuva pelo meio, com praça cheia, momentos de bom toureio, rijas pegas, a consagração de um grupo que não é de segunda, antes pelo contrário, e… toiritos que serviram e até tiveram bravura, mas a que faltou presença, trapio e, sobretudo, aquela emoção que assusta e que faz deste espectáculo um verdadeiro palco de risco que provoca sentimentos e enaltece valores-outros de uma gente rara, a gente da Festa.
Fotos Emílio de Jesus