segunda-feira, 29 de abril de 2019

Matadores sairam em ombros: apoteose do toureio a pé ontem em Sobral de Monte Agraço

Foto Sofia Almeida/tauronews.com
António João Ferreira, Nuno Casquinha e Manuel Dias Gomes protagonizaram
ontem na praça de Sobral de Monte Agraço uma tarde de história imensa para
o toureio a pé e sairam os três em ombros
Suavidade, classe e bom gosto. António João Ferreira toureia como os eleitos
Pundonor, ofício e valor. Nuno Casquinha em grande
A arte e o temple do "sevilhano" Manuel Dias Gomes


António João Ferreira, Nuno Casquinha e Manuel Dias Gomes sairam ontem em ombros da praça de toiros de Sobral de Monte Agraço. Numa tarde em que se rendeu emotiva homenagem a várias glórias de três décadas da tauromaquia nacional, viveu-se um momento de apoteose do toureio a pé

Miguel Alvarenga - Os antigos matadores de toiros António dos Santos, José Trincheira, José Júlio, José Simões, Mário Coelho e Júlio Gomes reviveram ontem os seus anos de (muita) glória na praça de toiros de Sobral de Monte Agraço, onde foram alvo de uma grande e emotiva homenagem por parte do empresário José Luis Gomes e da Tertúlia Tauromáquica Sobralense.
Ricardo Chibanga foi homenageado a título póstumo e na presença de sua filha Anete e seu neto.
Outros dos toureiros que seriam também homenageados, casos de Francisco MendesArmando Soares, Fernando dos Santos, Óscar Rosmano e José Manuel Pinto, não puderam estar presentes por motivos vários, mas os seus nomes perpectuam a partir de ontem as suas carreiras na placa que foi descerrada, antes da corrida, junto à porta dos artistas. Foi o veterano António dos Santos quem a descerrou acompanhado por José Alberto Quintino, presidente da Câmara de Sobral, que uma vez mais honrou a tauromaquia e estas lendárias figuras com a sua presença.
Os antigos matadores, bem como a filha e o neto de Chibanga tomaram parte nas cortesias e foram calorosamente ovacionados pelos aficionados que ontem enchiam cerca de metade das bancadas da praça. A memória de Ricardo Chibanga foi recordada não com um minuto de silêncio, mas antes com uma estrondosa ovação. Foram momentos de muita emoção.
Os três matadores que ontem actuaram em Sobral de Monte Agraço no tradicional festival que se deveria ter realizado no dia 25 e foi adiado para ontem devido ao meu tempo - António João Ferreira, Nuno Casquinha e Manuel Dias Gomes - honraram a história que os homenageados escreveram nas arenas durante três décadas de glória (1950 a 1980), brindaram-lhes as suas lides e protagonizaram uma tarde de verdadeira apoteose para o toureio a pé, saindo os três em ombros.
Este festival, como o que abre a temporada em Mourão, têm por tradição, há muitos anos, incluir toureio a pé, que é coisa que vai rareando cada vez mais nos cartéis da nossa temporada. Ontem provou-se uma vez mais que têm razão os seus respectivos organizadores (Joaquim Grave em Mourão, José Luis Gomes em Sobral): o público aficionado português (ainda) gosta de toureio a pé. E as corridas mistas deveriam repetir-se mais vezes. Mais: temos hoje um naipe de belíssimos matadores de toiros, de que estes três são os expoentes máximos, capazes, não tenho dúvidas, de recolocar o toureio a pé no mapa. E no auge. Nisso, justiça seja feita, também o Campo Pequeno tem tido um papel importantíssimo.
Cada qual no seu estilo e frente a três novilhos de Manuel Calejo Pires de excelente nota - sobretudo o lidado por António João Ferreira - os três matadores empolgaram pela sua arte, pela sua plástica, pelo seu pundonor, pelo seu ofício. O público vibrou, aplaudiu, viveu uma tarde de grande entusiasmo. O jovem ganadero Francisco Calejo Pires deu merecida volta à arena com Ferreira, autorizada pela directora de corrida Sandra Alves e mais uma (não autorizada, mas inteiramente merecida) no último com Dias Gomes.
António João Ferreira toureia pouquíssimo (vá lá alguém entender porquê...) e é como se toureasse todos os dias. Toureio requintado, de uma plástica enorme, de uma arte marcante. Quer com o capote, em que se destacou com cingidas "verónicas" e bonitas "chicuelinas", quer com as bandarilhas, tércio que repartiu com seu irmão João, um dos melhores bandarilheiros dos últimos anos, quer com a muleta, numa faena variada e de bom gosto, ele reafirmou a grande dimensão da sua tauromaquia.
Nuno Casquinha é um matador mais placeado, mercê da sua intensa actividade em arenas do Peru - e é um toureiro de um tremendo valor e também de muito bom e apurado gosto. Bonito com o capote, poderoso com as bandarilhas e cheio de ofício com a muleta, deliciou os aficionados com uma faena variada e portentosa pelos dois lados - que encheu as medidas e reafirmou como está vivo e bem vivo o toureio a pé em Portugal.
Manuel Dias Gomes tem, teve sempre, o corte artístico dos toureiros sevilhanos. Vagarosas "verónicas" com o capote, uma faena de muleta profunda e templada com salpicos de uma arte que até arrepia, com sentimento, com a técnica dos eleitos e com o poderio dos toureiros diferentes.
O novilho não teve a classe dos dois anteriores, mas classe teve-a o Manuel. De sobra.
Com matadores deste calibre e com um público que gosta de toureio a pé quando o toureio a pé é bem feito e superiormente interpretado, Ferreira, Casquinha e Dias Gomes deixaram ontem às empresas (e estavam lá algumas) o recado. E a mensagem. Há espaço - e que espaço - para o toureio a pé. Foi importante e significativo que isto tivesse acontecido numa tarde em que, em boa hora, se rendeu emotiva homenagem a algumas das glórias que foram os seus maiores intérpretes neste país.
A outra parte do festival, a primeira, teve menos história. David Gomes, que vinha de um importante triunfo na véspera em Santo António das Areias, não teve ontem oponente para voltar a brilhar. O novilho de Calejo Pires que lidou em primeiro lugar, por manifesta deficiência física do que tocou a Rui Salvador e que foi recolhido, foi o de pior apresentação e teve pouca qualidade. David fez o que podia e a mais não era obrigado.
Rui Salvador esteve igual a si próprio, ou seja, muito bem, diante de um novilho que também transmitia pouco. Esteve digno e mesmo brilhante numa tarde em que todos o aplaudiram pelos seus 35 anos de alternativa.
O jovem praticante Joaquim Brito Paes tem casta, tem raça e toureia bem. Cravou dois grandes ferros curtos e deixou bem claro que vai chegar longe. Depois o novilho veio a menos (cá para mim, levou capotazos a mais...) e a lide também. Não queria dar a volta à arena, mas o público exigiu que o fizesse - o que prova que agradou. Os Brito Paes honram a dinastia e vão sendo melhores de geração em geração. Este Joaquim, não me engano, tem futuro. E futuro bom.
Melhores para a lide a pé, os novilhos de Manuel Calejo Pires deixaram algo a desejar no que ao toureio a cavalo disse respeito. Até nos capotes dos bandarilheiro investiram melhor que aos cavalos.
Os Forcados Amadores de Santarém estrearam ontem novas estrelas. António Queiroz e Melo pegou à primeira - e bem - o primeiro novilho da tarde. Francisco Cabaço pegou à quarta o segundo novilho, demonstrando sempre raça e valor, mas faltando-lhe sempre ajudas. Joaquim Grave, filho do antigo cabo Carlos Grave, sobrinho dos grandes forcados Joaquim Grave e João (Jana) Grave, primo do actual cabo João Grave e do também já retirado e valoroso António Grave de Jesus, tem a postura e a classe de todos os Graves que honraram a jaqueta deste grupo centenário. Estreia auspiciosa. E parabéns aos três jovens forcados, futuras estrelas, que ontem asseguraram a continuidade deste grande e histórico grupo.
Sandra Alves estreou-se como directora de corrida (de festival, neste caso) e esteve à altura, diligente, rigorosa, eficiente. Não gostou - e até barafustou - que o ganadero tivesse dado volta à arena no último novilho, sem sua autorização. Entende-se o seu rigor. Mas mesmo não autorizada, a volta de Francisco Calejo Pires com Manuel Dias Gomes foi merecida pela qualidade dos novilhos lidados a pé e o público aplaudiu-a. O povo é quem mais ordena, já diziam os outros, mas também é preciso não esquecer - e não faltar ao respeito - que nisso das voltas à arena (e em tudo o mais) quem manda ali é o director de corrida. Que não pode ser apenas um verbo de encher. Para bom entendedor...

Não perca, ao longo desta segunda-feira, todas as reportagens de Maria João Mil-Homens com os melhores momentos do festival de ontem.

Fotos M. Alvarenga