sábado, 28 de dezembro de 2024

2024: Caetano na frente!

Moura Caetano liderou o escalafón e teve uma temporada
marcada pelo binómio quantidade/qualidade

Miguel Alvarenga - Mais um ano que chega ao fim sem que, em termos de tauromaquia, nos tenha aberto uma porta de esperança para o futuro. Ficou tudo mais ou menos como estava, aconteceu tudo mais ou menos igual ao que acontecera nas temporadas anteriores. Ou seja, não há ídolos, e os bons toureiros que existem, salvo raras excepções, toureiam todos da mesma maneira - cansam-nos. É sempre tudo igual, sempre mais do mesmo. E as pessoas fartam-se.

Há bons toureiros, há excelentes grupos de forcados, há empresários esforçados e há público para encher as praças. Mas falta-nos um ídolo que arraste multidões e leve o esplendor da tauromaquia a outras paragens, como o fizeram João Moura e Pedrito de Portugal nos seus tempos de ouro. Falta-nos um abanão qualquer para que as coisas não continuem a ser sempre iguais.

Houve esplendor e glamour em algumas praças, nomeadamente nas de Lisboa, da Moita, de Vila Franca, de Santarém, Almeirim e Nazaré, Montemor e Sobral de Monte Agraço - com grandes e recordadas corridas de praça cheia, esgotadas em algumas ocasiões. Mas fica sempre a questão: o que este ano nos trouxe de novo em termos de tauromaquia? O que mudou? É o que vamos tentar descobrir a seguir e nos próximos dias, até o ano chegar ao fim. 

Não se trata de um balanço da temporada, não se trata de aqui eleger e enaltecer aqueles que tourearam melhor ou pior. É, apenas e só, uma rápida passagem em revista de um ano que dentro de dias acaba. Começo pelos cavaleiros, nos próximos dias falarei dos matadores, dos empresários e de alguns casos que marcaram a temporada.

Realizaram-se 143 espectáculos taurinos, segundo os dados estatísticos divulgados recentemente pela Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC), o que referencia, nos últimos anos, 2024 como a temporada em que se efectuaram menos festejos - mas isso não significa que a tauromaquia esteja em baixo ou que se tenha verificado um maior desinteresse popular pelo espectáculo de toiros. 

Significa, antes, um primeiro sinal daquilo que vai passar a ser a tauromaquia num futuro muito próximo - e que eu vaticino e aconselho há muitos anos. Menos espectáculos. Melhores espectáculos.

Os tempos mudaram. Antigamente havia muito menos opções de entretenimento. Era quase só o futebol e as touradas. E os toureiros eram ídolos como os futebolistas, paravam o trânsito em Lisboa. Hoje há centenas de outras atracções. E a tourada não tem sido cuidada e tratada como devia e merecia ser pelos seus próprios intérpretes e pelos seus empresários.

Quatro corridas em Lisboa, por exemplo, são suficientes. Deviam era ser mais cuidadas, melhor preparadas, como já o foram na temporada passada e como tudo indica que o vão ser na próxima. Se cada corrida no Campo Pequeno for um acontecimento único como o são os grandes concertos, com casa cheia, ninguém se incomodará por serem só quatro. Têm é que ser quatro corridas fantásticas.

Ter havido este ano apenas 143 festejos taurinos não significa, repito, que a tauromaquia esteja em baixo. Traduz, isso sim, cada vez mais, uma defesa dos empresários face a um cansaço mais acentuado do público e do aficionado em relação à constante repetição de cartéis, à assustadora falta de imaginação da maior parte dos montadores de touradas e à ausência de grandes figuras que motivem uma mexida igual à que ocorreu nos anos 70 com João Moura e depois dos 90 com Pedrito. Por outras palavras: o espectáculo continua, mas sem aquela motivação que outrora entusiasmava as pessoas a irem à bilheteira e a esgotar as praças com uma semana de antecedência.

Esta temporada, houve lotações esgotadas em Almeirim (com Pablo Hermoso), em Santarém (com Roca Rey), em Lisboa (com uma semana de antecedência, outra vez com Pablo Hermoso), em Sobral de Monte Agraço e noutras praças, havendo a destacar enchentes nas corridas da Nazaré, em algumas da Moita e Vila Franca, em Portalegre, em Montemor e Alcochete, entre outras.

João Moura Caetano liderou o escalafón nacional pelo segundo ano consecutivo. Toureou em 31 corridas em Portugal e mais 9 em Espanha, totalizando 40. Uma proeza em que a quantidade também quis dizer qualidade, evidenciando o momento altíssimo em que se encontra. 

Seu pai, o Maestro Paulo Caetano - que em 2025 celebra 45 anos de alternativa - chegou também, no seu tempo, a liderar por duas vezes o escalafón, somando num ano 50 corridas - num tempo em que se realizavam mais de 200 espectáculos. Mais difícil - e, por isso, mais extraordinário - é tourear 31 corridas num ano em que houve 143, o que se traduz no interesse que o toureiro teve para os empresários e, obviamente, para o público.

2024 ficou também marcado pela despedida do veterano Rui Salvador, que comemorou 40 anos de alternativa e triunfou em todas as praças por onde passou, deixando a saudade de quem se foi embora num momento fantástico e ainda por cá podia continuar por muitos e bons anos. Rui Salvador é, pela temporada que fez, muito justamente, para mim, o grande triunfador de 2024. E até um dia!

A marcar sempre a diferença, num momento em que (quase) todos toureiam da mesma maneira, andou um ano mais Marcos Bastinhas - por isso, também não tenho a menor dúvida em o eleger como um dos cavaleiros que mais marcas deixou nesta temporada de 2024.

João Moura Júnior continuou a sua caminhada de glória, mantendo o selo de primeira figura do toureio actual, à frente de um pelotão de triunfadores em que figuram João Ribeiro Telles, Francisco Palha, Manuel Telles Bastos, Filipe GonçalvesDuarte Pinto, João Salgueiro da Costa, Miguel Moura e Luis Rouxinol Júnior, entre outros.

Todos os que referi - e os que não referi - tiveram tardes e noites marcantes, mas faltou uma regularidade triunfal para que pudéssemos eleger qualquer um deles como triunfador-maior da temporada. 

São todos muito bons, toureiam todos muito bem e ficam todos óptimamente em qualquer cartel, sem destoar, mas não há hoje um como houve João Moura no seu tempo que nos entusiasme e atraia tanto como o "Niño Prodígio" o fazia. Essa é que é essa.

No plano dos veteranos, o mesmo João Moura de que acabei de falar continuou a dar lições. Mas continuou também a afligir-nos sempre que o vemos, angustiados, lidar um toiro em praça - e a queda em Setembro em Sobral de Monte Agraço foi um aviso a que ele não pode fechar os olhos. 

Uma dieta urgente - e necessária - devolver-nos-ia o grande João Moura por mais bons uns anos. Se não tiver essa força de vontade, melhor será fechar a porta e não arrastar mais uma imagem que não tem absolutamente nada a ver com a do João Moura que nos deu tantas alegrias no passado. Força de vontade, João! Basta isso.

António Ribeiro Telles, Luis Rouxinol e Ana Batista continuaram a deitar cartas e a manter acesa a chama de outros tempos. São figuras que dá sempre gosto ver. Assim como Gilberto Filipe, que celebrou com toda a dignidade e valor os seus 20 anos de alternativa.

E dos antigos falta abordar Rui Fernandes, cavaleiro-figura que voltou a tourear muito pouco entre nós, baseando a sua actividade em Espanha, com presença nas principais feiras, uma estratégia que, a meu ver, deverá modificar, porque é um cavaleiro que faz falta às grandes competições nas nossas praças.

A nova geração tem promessas de sobra para assegurar o futuro: também a tourear muito pouco em Portugal (estratégia de deverá ser alterada no próximo ano, com a alternativa marcada para uma das grandes noites do Campo Pequeno), Duarte Fernandes marca a diferença entre os novos e é, sem dúvida, a grande figura do futuro.

Futuro esse garantido também pelo valor e pela essência de bons cavaleiros como Paco Velásquez, António Prates, David GomesGonçalo Fernandes (um toureiro que merecia estar em cartéis mais importantes), António Ribeiro Telles filho (em ano importante de consolidação e afirmação), Tristão Telles Queiroz, Joaquim Brito Pais, Diogo Oliveira, Manuel de Oliveira e Francisco Maldonado Cortes, havendo este ano a destacar um jovem cavaleiro amador que começa a dar nas vistas, Vasco Veiga. E ainda Tomás, o novo Moura. E não podemos esquecer Mariana Avó, jovem cavaleira que fez a prova de praticante e já começa a dar nas vistas.

De Espanha veio pela última vez Pablo Hermoso de Mendoza e continuou a animar os nossos cartéis, ainda que em menos corridas, Andrés Romero, havendo também a referenciar as triunfais presenças em algumas praças nacionais do mexicano Emiliano Gamero.

Resumindo e concluindo, no que aos cavaleiros diz respeito: continuam todos a tourear muito bem, mas toureiam todos igual e o público já anda cansado de ver sempre mais do mesmo

A confirmar o que escrevo, recordarei apenas a corrida de quinta-feira da Feira da Moita em Setembro, que por tradição era a que enchia sempre. Este ano, o empresário Ricardo Levesinho montou um cartel-estrela com os dois primeiros do toureio equestre, Moura Jr. e João Telles, e ainda a novidade Duarte Fernandes - e o resultado foi dramático e bem revelador do que se passa hoje na tauromaquia lusa. Meia casa, a entrada mais fraca de todas as da Moita. Mais palavras para quê?...

O público está farto de ver sempre a mesma coisa, de ver sempre os mesmos cavaleiros a tourearem sempre da mesma maneira. Antes de ir, posso deixar a crónica feita, porque já sei tudo o que vai acontecer e nem sequer tenho dons de adivinho... 

A excepção continua a ser Bastinhas e este ano não se pode falar do toureio equestre sem falar de Rui Salvador, que saíu em glória e num momento de forma altíssimo. Não tenho a menor dúvida, repito, em proclamá-lo como grande triunfador desta temporada.

Amanhã, domingo, farei uma breve análise (não é um balanço, repito) do que aconteceu em termos de toureio a pé - e do que fizeram e não fizeram os nossos empresários... para depois, no início da semana, aqui recordar a temporada dos nossos forcados (cada vez mais estranha e com alguns grupos consagrados a pegarem pouquíssimo... sem que. ninguém mexa um pêlo para alterar a situação...).

Fotos M. Alvarenga

Rui Salvador - o grande e verdadeiro triunfador da temporada

Toureiam todos igual - Bastinhas faz a diferença!
Rui Fernandes - precisamos dele mais vezes a tourear cá
E contem as histórias que contarem, o futuro chama-se Duarte
Fernandes!