terça-feira, 14 de abril de 2020

Rui Bento - um homem no centro do mundo


Rui Bento, nesta foto com "El Juli", recolocou o Campo Pequeno na rota
das grandes figuras do toureio mundial


38 anos depois de se ter vestido de luces pela primeira vez no Campo Pequeno e 14 depois de ter assumido a gerência da primeira praça do país, Rui Bento anunciou hoje o fim de um ciclo - que marcou a tauromaquia a nível nacional e internacional. Tiro-lhe o meu chapéu, presto-lhe a minha homenagem

Miguel Alvarenga - O dia de hoje ficou marcado pela comunicação pública de Rui Bento a dar conta de que se fechara um ciclo e deixara de ser Director de Actividades Tauromáquicas do Campo Pequeno, cargo que desempenhou nos últimos catorze anos, desde a reinauguração da praça onde em 1982 se vestiu pela primeira vez de luces e deu início a uma muito digna trajectória de matador de toiros.
Acompanhei a sua história desde o princípio, desde que um dia, sendo eu jornalista de "O Diabo", a minha directora Vera Lagoa me destinou a missão de ir ao restaurante lisboeta "Porta Branca" almoçar com o Eduardo Fortunato de Almeida, director da revista "Homem Magazine", e com um jovem que queria ser toureiro e se chamava Rui Bento - fiz-lhe a primeira de muitas mais entrevistas, tinha ele acabado de vencer, juntamente com José Luis Gonçalves, o concurso promovido pela empresa do Campo Pequeno "À Procura de Novos Toureiros", iniciativa conjunta de Maurício do Vale e do então empresário da primeira praça do país, Manuel Jorge Díez dos Santos.
A 30 de Junho de 1982 apresentou-se pela primeira vez de luces em Lisboa - e eu estava lá. O cartel era formado pelos cavaleiros Gustavo Zenkl e Sommer D'Andrade, pelos novilheiros Parreirita Cigano e Paco Duarte e pelas duas jovens esperanças que eram Rui Bento e José Luis Gonçalves, com os Forcados da Azambuja e novilhos-toiros de Pontes Dias.
O êxito foi tal que o repetiram a 21 de Julho desse mesmo ano. "Repetição de Rui Bento", rezava o cartaz, que era composto pelos cavaleiros Afonso Lopes e Manuel Tareco e pelos espadas Pepe Valência e Rui Bento, com os Forcados das Caldas da Rainha e novilhos-toiros de Porto Alto.
A 25 de Junho de 1988 fui de moto de Lisboa a Badajoz para assistir à sua alternativa de matador de toiros, dada por José Maria Manzanares com o testemunho de Paco Ojeda. Cheguei ao Hotel Rio exactamente no momento em que o Rui descia as escadas e saía em direcção à Monumental, foi só mesmo o tempo de lhe tirar uma foto e o abraçar, desejando-lhe sorte. E teve-a.
O resto da carreira do Rui como matador de toiros, de uma dignidade e de um empenho tremendos, quase cortada por uma gravíssima cornada em Orthez, França, um mês depois da alternativa, a que sobreviveu, renasceu e continuou, todos conhecem.
Há catorze anos, chegou ao Campo Pequeno como gestor taurino da praça quando esta foi reinaugurada depois das obras. E ao longo dessas temporadas, trabalhando com duas administrações, foi sempre o homem certo no lugar certo - mais com virtudes do que com defeitos. Não agradou a gregos e a troianos, nem era previsível que um milagre desses pudesse ter acontecido. Foi um homem discutido, aclamado, atacado, rasteirado  - mas, acima de tudo, respeitado. E, no fim, reconhecido e aplaudido pelo trabalho brilhante que desempenhou, elevando ao mais alto nível o carisma e o prestígio do Campo Pequeno, colocando-o de novo, como Manuel dos Santos o fizera uns anos antes, na rota das maiores figuras do mundo.
Tivemos as nossas "guerras", tivemos, como um dia eu disse num discurso em sua homenagem, as nossas "merdas", mas mesmo nesses tempos conturbados jamais deixei sempre de dizer que o Rui era o homem certo no lugar certo.
Outros ventos vieram e outros valores se levantaram entretanto. Rui Bento fechou hoje um ciclo e anunciou que estava desligado do Campo Pequeno. Fê-lo com a sinceridade, a humildade e a grandeza com que sempre andou na vida e no mundo do toureio, através de um sucinto e muito lúcido comunicado onde não deixou de agradecer a todos os que estiveram a seu lado e a todos os que o apoiaram - e de desejar sorte aos que vierem.
Rui Bento foi à frente do Campo Pequeno, como o fora Manuel dos Santos, o comandante de um navio que rumou mar fora à descoberta de uma Festa nova. Foi um homem no centro do mundo.
O seu futuro está já ali ao virar da esquina. Os apoderamentos, a gestão de outras praças, mais alguns projectos a que certamente vai deitar a mão. O Campo Pequeno foi uma etapa que passou - mas que marcou. Que marcou a tauromaquia a nível nacional e internacional.

Fotos D.R. e Emílio de Jesus/Arquivo