sábado, 8 de maio de 2021

Vila Franca: com os Silvas, a música é outra...

Deus põe, o toureiro quer e o toiro, muitas vezes, descompõe. Podia, e se calhar até devia, ser este o título deste breve crónica, que para contar houve muito pouco, da corrida que ontem à tarde inaugurou a temporada em Vila Franca

Miguel Alvarenga - Gosto de ver corridas de toiros na "Palha Blanco". Dizem que o público é sui-generis, às vezes estranho, mas eu acho é que é um público bem entendido, por isso exigente, que não permite martingalas e sempre exigiu o toiro de verdade. É um público que nunca foi em cantigas. Respeito-o muito. 

Ricardo Levesinho é um empresário sério. O homem certo na praça certa. Primeiro que tudo, o toiro. O toiro sério e de verdade que o conclave de Vila Franca exige. Foi assim ontem. Vai ser assim hoje outra vez.

Com os Silvas não se brinca - e a música é sempre outra. Com os Silvas há emoção, há respeito, há suspiros de medo, corações que batem mais forte. E cá está o que eu dizia: os toiros da ganadaria Dr. António Silva descompõem. E de que maneira.

De apresentação irrepreensível (verdadeiras estampas), tiveram comportamentos desiguais. Uns melhores, outros mais complicados. Mas impuseram seriedade. Pediram contas. Dificultaram. E os toureiros triunfam quando superam e vencem as dificuldades. O toureio não faz sentido com toiros fáceis. O público quer emoção. E o público é quem mais ordena.

Houve um toiro bravo, o quarto, superiormente lidado pelo Maestro António Telles e que teve honras de chamada à arena da jovem ganadeira Sofia Silva Lapa. Todos a aplaudiram. E houve um toiro que impôs as dificuldades dos verdadeiros Silvas da linha Coimbra, à antiga, o terceiro, que foi premiado, por exigência do público, com aplausos e volta à arena no final. Não sei bem se mereceu essa honraria, mas teve-a.

António Ribeiro Telles andou bem, mas discreto, sem grandes alardes, no primeiro toiro da tarde. Que substituiu o que seria o primeiro do seu lote e que entrou na arena meio "aparvalhado" e algo descomposto, recolhendo aos currais. António encasta-se com os toiros bravos. E foi o que aconteceu no quarto da ordem. Lide de bom gosto e de plena maestria. Como só ele sabe. E o resto são cantigas. Grande António!

Luis Rouxinol não foi ontem o triunfador de sempre. Destacou-se no seu primeiro toiro sobretudo na brega e nos bonitos "ladeios" com o fantástico cavalo "Douro". No quinto da ordem, que desta vez não fez jus ao velho ditado "não há quinto mau", andou Rouxinol muitos furos abaixo do seu melhor. Não se impôs, foi o toiro quem mandou. Ficou apenas a casta e as boas intenções com que o recebeu numa valente sorte de gaiola.

Duarte Pinto teve o pior lote, mas também não o vi motivado como é sempre seu timbre. O terceiro toiro da tarde adiantava-se, não se fixava e ficou a raça do Duarte, que foi o que marcou nessa lide, destacando-se dois curtos de excelente nota. O último era também um toiro complicado e o cavaleiro fez-lhe frente cheio de boa vontade. Cravou dois belíssimos curtos, mas não chegou ao triunfo desejado. No primeiro toiro ainda se pode entender, no segundo não entendi as razões porque não teve direito a música.

A lide de António Telles ao quarto Silva da corrida foi ontem o que ficou para recordar. Bem os bandarilheiros, na generalidade.

Para toiros sérios, estavam em praça forcados sérios. Dois grandes grupos, os Amadores de Vila Franca e os Amadores de Alcochete. Seis pegas super rijas a fazer valer a honra de quem sabe o que faz - e o faz bem.

Por Vila Franca foram caras Luis Valença (à segunda), David Moreira (à terceira) e Guilherme Dotti (à segunda), na grande e poderosa pega deste grupo de valentes. Muito bem Carlos Silva a rabejar, como sempre.

Por Alcochete, pegaram Vitor Marques (à segunda), João Belmonte (grande pega, a única da tarde consumada à primeira) e Manuel Pinto (à terceira). 

Tiago Tavares foi o director de corrida, competente e exigente. Ao início da corrida homenageou-se a memória do Maestro José Júlio e também a de todos os que perderam a vida infectados com este maldito vírus que mudou as nossas vidas.

E termino repetindo o que me fartei de dizer no ano passado: há males que vêm por bem. As curtas cortesias, os agradecimentos sem voltas à arena e a escassez de curiosos na trincheira foram bens que nos trouxe a pandemia. 

Já a história dos forcados não poderem permanecer na trincheira nos toiros em que não vão intervir, mais a mais sendo eles os únicos obrigados a fazer testes antes das corridas, é uma coisa estúpida, que não faz sentido e, acima de tudo, que continua a desrespeitar aqueles que são e serão sempre o grande cartaz da corrida à portuguesa.

Tenho dito. E hoje lá estarei de novo em Vila Franca. Se Deus quiser!

Fotos M. Alvarenga

António Telles: maestria na lide do bravo quarto toiro
Luis Rouxinol com o "Douro" conseguiu os melhores momentos
da sua actuação
Raça e casta de Duarte Pinto com o pior lote da corrida