Jorge D'Almeida comemora na próxima
temporada 25 anos de alternativa e vai regressar às arenas para conceder a
alternativa ao seu filho António e ao seu pupilo David Gomes. Antes disso, vai
arrancar com a primeira Academia de Toureio a Cavalo, sustentando que o ensino
das bases é importantíssimo para quem começa. Dos seus 25 anos nas arenas, faz
um balanço positivo, sobretudo das temporadas em que toureou em Espanha ao lado
das maiores figuras (na foto de cima, na tarde da sua estreia na mais importante praça do mundo, a de Las Ventas, em Madrid). E confessa que se não chegou mais longe e não atingiu o
estatuto de figura, foi porque o dinheiro o não permitiu: "Sempre que
tinha um cavalo bom, vendia-o para sustentar a família e os que me
rodeavam". Mesmo assim, valeu a pena, confessa. "Valeu a pena porque
amo este mundo fascinante dos toiros e dos cavalos". Vamos ouvir o
cavaleiro de Almeirim.
Entrevista de Miguel Alvarenga
- Qual é o balanço de 25 anos de
carreira profissional? O que alterava? O que ficou por fazer?...
- Em 25 anos de alternativa, houve
momentos da minha carreira que foram muito brilhantes, mas houve sempre um
senão... não nasci rico e, por isso, quando tive cavalos bons, tive que os
vender para sustentar a minha família e as pessoas que estavam à minha volta.
Era como começar tudo de novo outra vez, preparar cavalos, etc. e, como sabe,
isso demora os seus anos... Muitos dos principais cavalos de muitas das
primeiras figuras de Portugal e de Espanha foram postos por mim, passaram
primeiro por mim. E foi isso que me faltou, na verdade, para estar no estatuto
de figura.
- Mas valeu a pena, voltaria atrás e
começaria tudo de novo?
- Claro que sim. É uma vida com que me
identifico plenamente e se voltasse atrás faria tudo de novo, com algumas
emendas, digamos assim...
- No princípio, teve mestres? Como é que
tudo começou?
- Começou tudo pela grande amizade que
unia o meu pai ao Dr. Fernando Salgueiro e também ao Senhor David Ribeiro
Telles, que é de Almeirim. Outro grande amigo do meu pai foi sempre e é, graças
a Deus, o Senhor José Tinoca. E como eu queria ser toureiro, ele disse ao meu
pai que o melhor que havia a fazer era eu ir para a Torrinha (a herdade da
Família Ribeiro Telles) e eu fui para lá com apenas sete anos de idade. Fui
aprender as bases. Foi uma sorte. Além dessa aprendizagem, durante algum tempo
vi montar o Dr. Fernando Salgueiro e montei com ele, o que foi muito importante
para as minhas bases.
- Onde toureou pela primeira vez?
- Apresentei-me em 1978 com os Ribeiro
Telles numa corrida que se realizou em Santo Estevão. Com o João e o António.
Depois, de 1978 a 1984 toureei como amador e nesse último ano fiz a prova de
praticante na Moita. A seguir estudei, o meu pai achava que eu devia ter um
curso e então tirei o curso de engenheiro técnico agrícola. E em 10 de Setembro
de 1989 em Almeirim tomei a alternativa. Foi meu padrinho o Mestre David
Ribeiro Telles e o cartel era de sete cavaleiros, tourearam também o Manuel
Jorge de Oliveira, o João Ribeiro Telles, o Joaquim Bastinhas, o Paulo Caetano
e o António Ribeiro Telles.
- Toureou bastante em Espanha, também...
- Sim, toureei muito em Espanha. A minha
carreira foi praticamente baseada em Espanha, identificava-me lá e tive alguma
facilidade em colocar-me em boas corridas, tive bons apoderados, grandes
profissionais da tauromaquia. Toureei com as figuras todas do rejoneio
espanhol, desde o Vidrié aos Peralta, Buendia, os Domecq, tenho boas
recordações com o saudoso Ginés Cartagena, com o Andy toureei também muito, o
Diego Ventura toureou muito comigo nas suas primeiras corridas, o pai do Diego
despediu-se numa corrida comigo em Espanha, toureei também muito com os
Bohórquez pai e filho, enfim, foram muitos anos a tourear do lado de lá da
fronteira e com óptimas recordações.
- E cá em Portugal, o que falhou, Jorge?
- Para além da história de que ia
vendendo sempre os bons cavalos que tinha, os tempos também eram outros. Hoje
em dia, todos sabemos que não é fácil para um cavaleiro novo entrar no
circuito, mas no meu tempo o circuito era ainda mais fechado. Não vale a pena
agora falar em nomes, mas a verdade é que havia uns quantos toureiros com algum
controlo sobre a situação das praças, fazia-se umas trocas entre eles e não
davam espaço de manobra a quem podia, na verdade, funcionar. É uma realidade
que as coisas continuam hoje mais ou menos idênticas, mas no meu tempo já não
eram fáceis...
- E o que se vai passar na próxima
temporada, onde anuncia o seu regresso às arenas para assinalar precisamente os
25 anos da sua alternativa?
- Embora esteja há uns anos afastado,
sempre pensei tourear uma ou duas corridas no ano em que comemorasse os 25 anos
de alternativa, que é o próximo. E vou fazê-lo, estou a preparar-me todos os
dias para isso. Tenho cavalos para o fazer e vou perder uns quilitos...
Obviamente que, como já disse, nunca atingi o estatuto de figura, mas gosto
tanto disto que acho que tem cabimento comemorar esta data. Além disso e dada a
evolução do David Gomes, que aqui se iniciou em minha casa e que está comigo há
três anos, vai para quatro, penso que as coisas se proporcionam para que tome a
alternativa e então vou dar-lha e comemorar ao mesmo tempo o 25º aniversário da
minha alternativa. Como já se sabe, a testemunha será Diego Ventura, em breve
se decidirá em que praça e em que data isso acontecerá. Já houve contactos com
empresas, estamos a estudar todas as possibilidades. Além disso, numa primeira
corrida é provável que dê também a alternativa ao meu filho António, que
regressa a arenas portuguesas depois de ter estado cinco anos radicado em
Espanha.
- Entretanto, há o projecto da Academia
de Toureio a Cavalo, fale-me dele.
- É um sonho antigo. Acho que faz falta
um pouco de escola aos toureiros, não só na parte de saber montar a cavalo,
como escola da vida de toureiro a cavalo. Eu tive a sorte de "mamar"
isso com o Dr. Fernando Salgueiro e com o Mestre David Ribeiro Telles, e depois
com outros em Espanha também e acho que é importantíssimo que os jovens saibam
a história, conheçam as vivências dos antigos. São muito importantes as bases
no toureio. Temos que defender as tradições, se não isto um dia acaba. A
Academia, além de ter por objectivo formar cavaleiros e prepará-los para o
futuro, poder levá-los a tirar a alternativa, acompanhá-los em praça, pretende
ainda formar pessoas, dar a conhecer um pouco o que é o mundo do toureio,
explicar porque é que isto ou aquilo aconteceu, integrá-los, no fundo, num meio
onde muitos deles não conhecem ninguém. Muitos dos jovens que hoje começam não
são sabem quem foi o Batista, o Veiga, o Zoio, não sabem nada dos tempos de
Núncio e Simão, de Manuel Conde, Ribeiro Telles, Lupi, e de tantos mais. Acho
que a cultura tauromáquica é importantíssima e precisa de ser ensinada. É
também um pouco isso que a Academia pretender fazer. Além, obviamente, de toda
a parte prática, do ensino de montar, tourear. E transmitir as bases do toureio
a cavalo, que não podem de modo algum esquecer-se.
- E quando é que a Academia abre, onde
podem ser feitas as inscrições?
- A Academia vai arrancar oficialmente
dentro de muito pouco. Dentro de dias teremos a funcionar o site, onde os
interessados encontrarão toda a informação necessária, a forma de se inscrever,
os objectivos que nos norteiam, tudo isso. Se bem que ao longo dos anos sempre
houve toureiros dispostos a ensinar miúdos, a verdade é que nunca houve no
mundo uma escola oficial de toureio a cavalo, ao contrário do que acontece no
toureio a pé. Esta será a primeira.
Fotos D.R.