sexta-feira, 8 de junho de 2018

Lisboa pôs-se de pé rendida à maestria do (outra vez) "Niño Moura"!

Epopeia que não tem fim: público de pé rendido
à maestria de João Moura!
Tomás Moura participou nas cortesias. Cara de menino,
seriedade e aprumo de toureiro grande!
O primeiro toiro, de Manuel Coimbra, reservado, não permitiu a João Moura
luzir-se como desejava. Brindou a faena aos céus, certamente lembrando seu
pai, seu irmão e seu tio. No fim, recusou a volta à arena, apesar de autorizada
pelo director de corrida
No quarto toiro, de Romão Tenório, João Moura recordou o passado e deu
uma lição memorável, à antiga. Lisboa caíu-lhe aos pés!
João Moura Júnior não teve ontem matéria prima, com os toiros de Manuel
Coimbra e de Romão Tenório, para repetir o êxito na corrida de abertura da
temporada. Mesmo assim, empenhou-se e reafirmou o grande momento que
está a viver e as duas lides resultaram emotivas 
Momentos da lide magistral de Miguel Moura, em noite de absoluta e defintiva
consagração, ao terceiro toiro da noite, com um belíssimo toiro de Francisco
Romão Tenório
A empolgante sorte de gaiola com que Miguel Moura recebeu o seu segundo toiro,
de Manuel Assunção Coimbra
Vontade e atitude: João Augusto Moura vinha também para triunfar
O poderio e o valor de Pedro Gonçalves no último par de bandarilhas que cravou
no Campo Pequeno, no ano da sua despedida
Grande par de bandarilhas de Cláudio Miguel, que foi aluno de Pedro Gonçalves
e é parte do legado que ele deixa nas arenas
A arte e o temple de João Augusto Moura continuam intocáveis. O novilho da
sua ganadaria foi fantástico, mas demasiado pequenote e sem forças, o que
retirou brilho à sua faena


Noite única e história. Marcante. Noite de emoções, de sentimentos e de tantas memórias. João Moura para sempre. E, por fim, a glória e a consagração do Miguel. Campo Pequeno cheio e ao rubro a render tributo a uma Família de Toureiros que continuam a ser únicos e a marcar a diferença.

Miguel Alvarenga - A noite de ontem no Campo Pequeno podia ter sido tudo. Podiam até os toureiros não ter estado brilhantes, mas estiveram (e de que maneira!), podiam os toiros não ter servido, não ter colaborado (e isso, em parte, aconteceu), podiam os forcados não ter estado bem (mas estiveram) - mas haveria de ser sempre, e foi, uma noite especial, diferente das outras. Uma noite de emoções, de sentimentos, de memórias e de glórias lembradas, uma noite, como de facto aconteceu, de reconhecimento, de homenagem e de tributo a um Toureiro que, como Amália e como Eusébio, como Núncio também, há-de ser sempre um ídolo e um símbolo inigualável da História deste Portugal de tantos Heróis.
Jogava Ronaldo e a Selecção (a esta hora, imaginem, nem sei se ganhou, se perdeu…), chovia intensamente durante o dia todo e mesmo assim o Campo Pequeno encheu. Sem esgotar, como devia, bem sei, mas encheu. Houve ambiente e calor humano em torno do Maestro dos Maestros. E ele, mesmo tendo mandado a prometida dieta às malvas (não devia, mas…), montou-se na maestria com que fez glória e deu uma magistral lição no quarto toiro da noite, um exemplar de Romão Tenório meio reservado, mas que serviu às mil maravilhas para o seu toureio de temple, de arte e, como sempre, de ensinar a todos como se toureia a cavalo.

Meu Deus, que lição!

Que bem esteve João Moura, Deus meu! Que bem parou o toiro, como se nada se passasse, como se os anos não tivessem corrido, como se estivéssemos outra vez em Las Ventas na tarde mágica do “Ferrolho”, no dia histórico em que conquistou o mundo e “niño prodígio” lhe chamaram e lhe cantaram sem mais fim a glória que daí em diante haveria de marcar para todo o sempre o antes e o depois de João Moura nas arenas do mundo inteiro.
Parecia ele ontem que tinha de novo 16 anos e ali estava à conquista do mundo e de todos, a dar os primeiros passos, como seu filho Tomás ontem os deu, com apenas 9 anos e já uma raça tremenda de toureiro figura, o aprumo e a arte com que fez, cara de menino, coração de homem grande, as cortesias ao lado do pai e dos irmãos, a raça com que no final deu a volta à arena com o Miguel, passos curtos, andar de toureiro, sentimento que emociona e deixa antever um futuro que o João, se Deus quiser, e há-de querer, cá estará para testemunhar dentro de poucos anos e para apadrinhar, como o fez com os dois toureiros que lhe seguiram as pisadas e ontem triunfaram a seu lado naquela Campo Pequeno inundado de emoções.
O primeiro toiro da noite era de Manuel Coimbra e não correspondeu às expectativas que evidenciava pelo seu trapio e pela sua presença. Transmitiu pouco e João Moura procurou dar-lhe alegria, mas a lide não atingiu as raias do triunfo sonhado. Vergonha toureira, profissionalismo e a frustração de não ter feito o que queria e entre tábuas se ficou, semblante desiludido e triste, recusando a volta que com todo o bom senso deste mundo o director Pedro Reinhardt lhe autorizara. Depois, no quarto toiro, veio então a lição, veio a arte, veio a raça, veio a força e veio aquela raça que os anos não conseguiram nunca quebrar, veio o “niño” e fez-se luz, fez-se alegria, fez-se passado e tudo foi como dantes. João Moura há só um e o resto continuam a ser cantigas. Toureiro de alma. E de todo o sempre.

João Júnior: ser Moura faz a diferença

Os toiros de Manuel Coimbra e Romão Tenório não deram ontem a João Moura Júnior a possibilidade de triunfar como triunfara na corrida de abertura da temporada nesta mesma praça. Nem lhe permitiram brindar a seu pai as lides que certamente gostava de ter feito.
Mas João Moura Júnior vive um momento de confiança, de tranquilidade e de maturidade que ele próprio nos transmite em cada lance, em cada ferro, em cada remate. E apesar de não ter tido ontem matéria prima para o êxito rotundo, mostrou o que vale e reafirmou o momento altíssimo que atravessa. Pôs emoção nas sortes, risco nos terrenos que pisou, brio nos ferros que cravou. É um grande toureiro e a verdade é que ser Moura marca toda a diferença. E ele marcou-a.

A noite de ouro do Miguel

Menos visto, menos projectado, até aqui mais visto como o segundo dos Mouras, o Miguel deu ontem o grande e decisivo salto de afirmação e que foi também de absoluta consagração. Corre-lhe nas veias o sangue de uma arte rara e que ontem mesmo se celebrava por quarenta anos de glória sempre activa - e sempre gloriosa. E tem na alma a força de nem a feijões querer perder.
No terceiro toiro da corrida, o melhor da noite, um toiro imponente e bravo de Romão Tenório, Miguel Moura não se fez rogado e atirou-se para a frente que nem um herói, assim como quem diz ao pai e ao irmão “vocês são mesmo bons, mas hoje têm que levar comigo!”. E levaram.
Soube inteligentemente aproveitar todo o fulgor e toda a raça do toiro que tinha pela frente e fez-se gigante, enorme, foi com o coração e com a alma que o toureou e lhe deu magnífica lide que levantou todo o público das bancadas, ferros de parar corações, a entrar pelo toiro dentro em terrenos de onde só se sai, é assim mesmo, todo partido ou na euforia com que ele saíu, rematando com classe e com a arte dos Moura aqueles ferros impróprios para cardíacos.
Que grande esteve ontem o Miguel e que importante foi ter estado como esteve. Foi, todos viram, ninguém duvida, o grande e decisivo grito de afirmação - de que ele precisava, apesar das firmes e sólidas certezas, de há muito, de que este era, também, um grande Moura e chegara aqui para fazer História de igual para igual com seu irmão João.
O último toiro, de Coimbra, não tinha as qualidade do de Romão Tenório. Mesmo assim, Miguel arrimou-se e triunfou de novo, desde que, decidido e com atitude de quem está ali para se consagrar, o esperou a meio da arena e entrou por ele dentro para lhe deixar um ferro imponente, magistral, à porta da gaiola, onde se destacam os eleitos e se revelam os toureiros de coração grande.
A lide foi de emoção e de valor, sem a qualidade da primeira, não por falta de querer e de empenho do Miguel, apenas porque o toiro lhe não proporcionou o mesmo tom para um triunfo igual. Mas esteve grande o toureiro, outra vez. E na memória de todos vai ficar a sua noite de consagração plena na festa em que todos rendemos homenagem à epopeia sem fim de seu pai.

João Augusto: muita arte e pouco novilho

Depois das lides dos três Moura, entrou em praça o quarto toureiro da dinastia, João Augusto, o único que optou pelo toureio a pé e foi promissor novilheiro há uns anos atrás. Retirado das lides há uns tempos, quis João Augusto Moura marcar presença nesta noite de homenagem a seu tio, enfrentando um novilho da sua própria ganadaria - Torre D’Onofre - de excelente qualidade, mas demasiado pequeno e sem forças, que por diversas vezes caíu e se deitou, acabando por retirar brilho e mérito às artísticas maneiras do toureiro. Foi pena, porque a noite podia ter terminado em beleza. E assim, ficaram apenas e só pinceladas de arte e de sentimento de João Augusto numa faena sem o brilho que se queria. Cláudio Miguel cravou um grande par de bandarilhas e Pedro Gonçalves, que actuava pela última vez em Lisboa, antes da despedida das arenas em Outubro em Santarém, deixou apenas meio par, apesar do poderio e do valor que mantém na arte em que foi dos primeiros.

Forcados de raça em noite rija

Noite grande também para os forcados, três grupos de valor que não estão na primeira linha e se vêem menos vezes, mas que nem por isso deixam de exaltar e de enaltecer a nobre e tão lusitana arte de bater as palmas a um toiro e o pegar com a galhardia e a valentia que é só nossa.
Pelos Amadores de Portalegre foram caras João Fragoso (à segunda) e Ricardo Almeida (à primeira); pelos de Arronches pegaram o cabo Manuel Cardoso (numa grande pega ao primeiro intento) e Fábio Mileu (enorme, à segunda tentativa); e pelos de Monforte foram à cara Nuno Toureiro (à primeira, muito bem) e Pedro Peixoto (também ao primeiro intento, mas fechado apenas de braços, numa pega que, a meu ver, ficou concretizada assim-assim e em moldes pouco tradicionais…).
Com grandes nomes do toureio mundial a marcar honrosa presença nesta homenagem a Moura, como “El Juli” e Diego Ventura, a corrida de ontem foi dirigida por Pedro Reinhardt com a exigência e o rigor que o caracterizam, bem sabemos que Lisboa é a Catedral e não se pode dar música por dá cá aquela palha, mas a verdade é que a única falha do competente “inteligente”, ontem, terá sido a falta de bom senso em só conceder música a Moura Júnior no último ferro, na sua segunda actuação, quando a mesma, o público bem a exigiu e o toureiro bem a merecia, deveria ter soado uns dois ou três ferros antes. De resto, Reinhardt esteve bem, como sempre está.
A festa continuou pela noite (madrugada) dentro na discoteca “Mome”, uma excelente organização de Pedro Coelho dos Reis (Pipas) e António Melara, onde os Moura tiveram a seu lado um número restrito, mas importante, de amigos de sempre, seus convidados especiais.
Assim se fechou uma noite histórica, onde quase tudo correu como se desejava e onde, acima de tudo, mandou a emoção e mandou o sentimento, as memórias sobretudo, numa jornada de homenagem a um Toureiro como não houve outro.
Orgulho-me e seria parvo se não me orgulhasse, de ter dado um pequeno, mas sentido, contributo, quando uma semana antes levei por diante o bonito jantar de homenagem a João Moura.
Não precisava, isso nunca foi conversa para nós, daquele “obrigado por tudo” com que ontem me abraçaste e nos despedimos na discoteca, e ali disseste tudo o que te ia na alma e eu também.
Trilhámos juntos quarenta anos de História, eu no jornalismo e tu no toureio. E reviver tudo isso na noite de ontem fez-me aparecer meia dúzia de lágrimas ao canto do olho, quando te vi, como vimos, tourear de novo com a raça e o fulgor daqueles 16 anos em que também assisti, emocionado, à tua afirmação em Madrid.
És único, João. E isso ontem ficou mais uma vez provado. Até domingo, em Reguengos!

Fotos Emílio de Jesus