Diogo Peseiro toureou apenas duas corridas de toiros em Portugal (Azambuja e Almeirim), mas em Espanha deu este ano passos importantes e já por lá falam do seu nome. Tomar a alternativa e tornar-se o novo matador de toiros nacional é agora o grande objectivo, a grande meta de todas as maratonas (e tem corrido algumas!). Fazer o balanço da sua temporada e saber dos projectos para o futuro foi o objectivo desta entrevista. O jovem toureiro, radicado em Salamanca, confessou ao “Farpas” que “já pensou mil vezes em desistir”, mas encontrou sempre “mil e uma razões para continuar”. “Não é fácil e é duro” ser toureiro a pé num país onde as oportunidades escasseiam. Mas Peseiro é um lutador, um corredor de maratonas. E acredita que a sua hora há-de chegar. Vamos ouvi-lo - Diogo Peseiro por ele próprio!
Entrevista de Miguel Alvarenga
- Já aqui falámos, numa entrevista anterior, do que significou para si esta temporada de 2021, os triunfos em Espanha, o começar a dar nas vistas entre “nuestros hermanos”, a importância que teve a corrida de Almeirim onde repartiu cartel com António Ferrera. Pergunto-lhe agora: sente-se realizado ou, mesmo assim, “soube a pouco”, queria mais?
- Sendo ambicioso e exigente como sou, obviamente que soube a pouco. Mas tenho bastante orgulho no que consegui esta temporada. Não é fácil ter as oportunidades, mas pouco a pouco vão surgindo e todo o esforço está a ter a sua recompensa.
- Toureou duas corridas em Portugal, uma na Azambuja e outra em Almeirim. E nenhuma novilhada. Pode um toureiro ficar satisfeito com apenas duas presenças na temporada do seu país?
- Para amadurecer é necessário tourear, não haja dúvidas! É uma pena o número tão reduzido de corridas mistas em Portugal e o praticamente inexistente número de novilhadas (utreros), o que é lamentável. Porque as figuras do toureio foram novilheiros um dia... Dada a situação global estou bastante agradecido, continuo a lutar pelo meu sonho e a crescer dentro do meu conceito. Foram apenas duas corridas em Portugal mas ajudaram-me bastante a encontrar-me emocionalmente, porque o toureio é isso mesmo. Sentimentos...
- Apesar de todas as condicionantes em Portugal, da falta de corridas mistas, o Diogo continua a lutar. Este ano, retiraram-se o matador Nuno Casquinha e o novilheiro praticante Duarte Silva, presumo que desanimados com toda esta situação. O que o anima para prosseguir?
- Não lhe vou mentir, Miguel, desistir já me passou mil vezes pela cabeça, mas felizmente encontrei mil e um motivos para continuar. É duro e difícil. Exige uma entrega total à profissão, abdicar de muitas coisas. Quando se toureia tão pouco custa muito vencer o nosso instinto de conservação e entregar-nos à possibilidade de perder a vida nesse momento. Falando há dias com o Maestro Ruiz Miguel, perguntei-lhe de que mais saudades sentia, e respondeu, com o rosto visivelmente triste, que era de tourear. Essa sensação de liberdade, de verdade, de pureza, não se encontra em nenhum outro lugar nesta vida.
- Além de tourear, tem mais alguma actividade profissional?
- Sou Licenciado em Gestão, o próximo passo seria o Mestrado, mas o sonho de tomar a alternativa está em primeiro lugar.
- Tomar a alternativa e tornar-se matador de toiros é certamente agora o seu grande objectivo. Projectos já existem? Será em 2022?
- Já existiram, mas resolvemos esperar e penso que 2022 será o ano. Este ano ganhámos visibilidade. E para tomar a alternativa não há que ter pressa, tem que ser no momento exacto para evitar o “banquillo".
- Temos actualmente um bom, ainda que reduzido, naipe de matadores de toiros portugueses. À excepção de “Juanito”, que está a começar a afirmar-se em Espanha, os restantes toureiam só em Portugal - e pouco. O país do toureio a pé continua a ser Espanha, onde, aliás, o Diogo vive. Acredita que um dia se afirmará de vez em Espanha e aí fará carreira, como aconteceu com Vitor Mendes, a última grande figura de Portugal que singrou no país vizinho?
- Esse é o meu objectivo. Relativamente ainda à pergunta anterior, já poderia ser matador de toiros neste momento, mas ... estaria "condenado" a tourear apenas em Portugal. A pátria do toureio a pé é aqui (Espanha) e aqui continuo a minha luta. Como nunca pertenci a nenhuma escola espanhola e decidi seguir os meus estudos, é muito mais difícil... mas não desisto!
- O facto de dominar tão bem o tércio de bandarilhas pode ajudar, como ajudou o Maestro Mendes, a triunfar em arenas espanholas?
- Em algo ajuda, sim, apesar de o importante ser sem dúvida a muleta e a espada. Que este ano me levou alguns triunfos mas já estamos a trabalhar arduamente para que não se volte a repetir.
- Quem são os seus ídolos no toureio a pé?
- Taurinamente a todos respeito e de cada matador há algo que idolatro. Mas àparte do taurino, passando à parte do ser humano, admiro José Tomás. Pela verdade com que anda e se expressa. Por isso toureia pouco. Porque é muito difícil aceitar a tua morte anualmente mais que um par de vezes.
- O seu irmão quis ser cavaleiro tauromáquico, ainda toureia ou já desistiu? Quem na vossa família os levou aos dois a quererem ser toureiros? Havia antecedentes, algum familiar que tivesse toureado?
- Antecedentes não, o meu irmão tem a paixão pelos cavalos, quis ser e diverte-se quando quer. A vida, lá está, nem sempre vem a favor dos nossos sonhos e partiu um pouco dele a minha afición.
- Pensa na morte quando se veste de toureiro?
- Penso todos os dias, menos quando toureio. Aceitar a nossa morte, fará com que aproveitemos cada dia como se fosse o último, e isso torna-nos muito mais felizes e a valorizar realmente o que importa. Quando toureio é um alívio, é poder expressar tudo o que sinto, se morrer morro feliz, esse dia vai chegar, ninguém é imortal, e se puder escolher, que seja a fazer o que realmente amo.
- Não é fácil deixar a família, os amigos e o país e ir viver para Espanha. Quem o tem ajudado?
- Na altura da Academia do Campo Pequeno, o Maestro Rui Bento foi a "ponte" que me ligou a Espanha e especialmente a Salamanca, a partir daí foi caminhar sózinho, criar amizades e, graças a Deus, hoje tenho pessoas de bem a meu lado.
- Tem namorada?
- Neste momento não. É difícil, Miguel, que uma pessoa aguente a distância ou mesmo a vida que levo de viver para o toureio. Quando gosto de alguém, eu mesmo me afasto porque é algo a que não quero sujeitar ninguém. A vida é curta e temos que ser felizes.
- Os empresários taurinos portugueses têm apoiado o toureio a pé? E a crítica?
- Penso que estamos a ter um "giro" na tauromaquia e eu sou da opinião que quanto mais variado possa ser um espectáculo mais atractivo e menos cansativo se pode tornar. É pena que às vezes apoiemos mais quem vem de fora do que os nossos valores, que são bastantes. Porque aqui em Espanha é tudo ao contrário, apoiam os valores nacionais e penso que por aí possa estar a solução.
- Lembra-se do dia em que decidiu que queria ser toureiro e o disse a seus pais? O que disseram eles?
- Não me lembro, as minhas primeiras recordações são a colocar pares de bandarilhas nos sofás ou em montinhos de areia na praia. Felizmente os meus pais sempre me deixaram ser o dono do meu destino e graças a eles tive livre arbítrio, o que me permitiu enganar-me, aprender, crescer e tornar-me na pessoa que sou hoje.
- Esteve primeiro na Escola de Toureio da Azambuja e depois na Academia de Toureio do Campo Pequeno. Foi positiva essa aprendizagem?
- Claro que sim, foi onde aprendi as minhas bases e há muitos concelhos, sobretudo do Maestro José Luis Gonçalves, que ainda hoje tenho presentes.
- É supersticioso?
- Alguns detalhes, mas nada de muito excessivo. Quando algo corre bem, o nosso cérebro tende a querer repetir tudo da mesma forma para conseguir o mesmo desfecho, mas nem sempre é assim.
- No ano passado teve uma experiência importante no ciclo de novilhadas que se realizou no México. Fale-me um pouco dessa vivência.
- Foi uma experiência diferente. Pude conviver com figuras do toureio, companheiros e aprender a tauromaquia mexicana, que me motivava bastante curiosidade.
- Qual o seu maior sonho neste momento?
- Que o covid nos dê uma trégua! Dia a dia, é ser feliz. Profissionalmente, a alternativa sem dúvida.
- E enquanto estamos no defeso, vai-se preparando e correndo maratonas. Desafios que o incentivam para também no mundo do toureio um dia cortar a meta em primeiro lugar?…
- Sou adicto a desafios e à actividade física. As maratonas, àparte do grande esforço e sacrifício que exigem (que eu nunca me preparo), também me trazem grande satisfação e alegria, servem como treino, mas sem a monotonia que por vezes se torna.
- O que podem os aficionados esperar de Diogo Peseiro na temporada de 2022?
- O mesmo que vem caracterizando todo o meu trabalho de sempre. Uma entrega máxima e com a verdade por diante!
Fotos D.R. e A. Lara/@Diogo Peseiro