segunda-feira, 9 de maio de 2022

Apoteótica reaparição de Francisco Palha em Salvaterra!

Miguel Alvarenga - Desde 30 de Setembro, a noite em que Palhinha sofreu em Vila Franca uma violentíssima colhida infringida por um toiro de Palha e que lhe provocou uma complicada lesão num joelho, vão passados sete meses e uma semana, o tempo que o valente Francisco levou a recuperar e a pôr-se em forma para voltar a tourear - casando entretanto.

Ontem reapareceu e deu "estrondo" em Salvaterra de Magos na tradicional corrida dos Agricultores de Tomate do Ribatejo, com o também tradicional concurso de ganadarias que Rafael Vilhais ali criou e ali consolidou como uma das datas fortes e importantes da temporada. A praça registou três quartos fortes de entrada (sombra cheia) e teria enchido até às bandeiras se não estivesse a caloraça que esteve. O empresário atrasou meia-hora o início da corrida, mas não foi o suficiente para atrair mais gente aos sectores de sol.

Sete meses depois do acidente na "Palha Blanco", Francisco Palha entrou na arena de Salvaterra decidido a marcar a tarde. Seguro, tranquilo, maduro, cortando de uma vez por todas aquele fio de irregularidade que às vezes caracterizava as suas actuações. Ontem, tudo o que fez foi bem feito. Com arte, com sentimento, com entrega, com aquele arrojo e aquela ousadia com que entra pelos toiros dentro pisando a linha de fogo, causando sustos na bancada, arriscando até ao último milímetro, cravando ferros de parar corações, dos que levantam o público e trazem à Festa a emoção e o perigo que constituem a sua principal essência.

Esteve enorme no segundo toiro da corrida, o bem apresentado e cumpridor exemplar de Canas Vigouroux, com mobilidade e investidas francas, nobre. A bregar, a lidar, a colocar e a cravar, Palha deu lição de cátedra. Assim se toureia!

No quinto, o bom e bravo toiro da ganadaria Dr. António Silva, com 590 quilos, uma estampa (vencedor do prémio de bravura - que há vários anos tem o nome e homenageia o emblemático ganadeiro João Ramalho), Francisco Palha não triunfou. Fez mais que isso. Tudo aquilo foi um verdadeiro "estrondo", a praça por pouco não veio abaixo. Palhinha esteve enorme. Reafirmou o seu indiscutível estatuto de primeiríssima figura. Nem há palavras para comentar. Quem viu, delirou. Quem não esteve, perdeu uma das grandes actuações da temporada. Olé, Palhinha! Casar fez-lhe bem. Parece outro, está renovado, moralizado. Brindou esta lide apoteótica a Nico Palha, o Senhor seu Pai. Bonito gesto. Maior triunfo!

Mas a corrida de ontem teve muito mais que se lhe diga. Foi uma das corridas que vão marcar esta temporada, depois da que vi há duas semanas no Cartaxo. Uma daquelas corridas de que todos sairam satisfeitos da praça, uma das que fazem aficionados e não se esquecem tão cedo.

O Maestro Luis Rouxinol protagonizou também duas actuações enormes com os toiros de São Marcos (bravo, inteiramente merecedor, também, do prémio que estava ontem em disputa, um toiro de bandeira) e depois com o de Prudêncio, uma estampa com 610 quilos que teve mobilidade e transmitiu, sem excesso de bravura. 

Digo sempre o mesmo, mas a realidade é que Rouxinol não sabe estar mal. Já não digo mal, mas pelo menos menos bem nunca está. É sempre um triunfador nato. Celebra 35 anos de alternativa que são também 35 anos de muita glória, de uma tremenda e consolidada maestria, de uma regularidade que impressiona.

Não consigo eleger em que toiro esteve melhor, Rouxinol esteve grande nos dois com lides marcadas pela sua muita experiência, pelo seu saber, pela forma com que trata os toiros por tu e os mete no bolso com a maior das facilidades. Tudo parece fácil, de facto, quando Luis Rouxinol está em praça, tal a maestria com que lida os toiros. No segundo, recriou-se com o fantástico "Douro" em remates e ladeios a milímetros da cara do toiro. Público ao rubro, como sempre. Grande Luis!

Rafael Vilhais é um empresário com visão, empreendedor, sério, dos que apostam no futuro. Como Rui Bento já o fizera em Almeirim, também ele arejou ontem o cartel de Salvaterra trazendo como terceiro cavaleiro o jovem António Ribeiro Telles, filho do Maestro, como faziam os empresários antigos, dando oportunidade a um dos maiores valores da nova geração ao lado de dois consagrados.

E o António aproveitou outra vez com unhas e dentes esta segunda grande oportunidade, este novo e decisivo desafio. Já deixou de ser "uma gracinha" para se tornar um toureiro sério, cara de menino, coração de gigante, arte dos predestinados, valor dos eleitos.

Está um grande toureiro, em permanente e risonha evolução, consolidando de corrida em corrida uma posição que o vai levar, ninguém já tem dúvidas, ao patamar dos primeiros desta arte tão nobre e que ele interpreta tão bem - num misto de classicismo e de moderna ousadia.

Lide primorosa frente ao terceiro toiro da tarde, o exemplar de Veiga Teixeira, toiro sério, emotivo, com presença e transmissão. Brega rigorosa, entradas temerárias a vencer o piton contrário, ferros de grande emoção com remates de arte e poderio. A revelar e a confirmar um toureiro seguro e bom.

No último, um grande e bonito toiro de Passanha com 620 quilos vencedor do prémio de apresentação (que tem o nome do agricultor José da Costa, em homenagem a um dos maiores produtores de tomate), toiro de investidas claras, a ir com nobreza pelo seu caminho sem arreliar quase nada, António voltou a estar muito bem, mas achou que não tão bem como no toiro anterior e não queria dar a volta à arena, permitida com todo o merecimento pelo director de corrida e exigida pelo público, acabando por dá-la, porque lhe era devida tal honraria. A humildade também faz os grandes toureiros. Em suma, mais um grande passo em frente do valoroso António Telles.

Muito bem os bandarilheiros das três quadrilhas - a que ainda hoje aqui vou fazer merecida referência com algumas fotos das suas intervenções -, sempre atentos e eficientes, sem capotazos a mais durante as lides, com valor a colocar os toiros para as pegas.

Dos forcados já falei esta noite em pormenor. Seis grandes pegas à primeira. Dois grandes grupos em praça, Santarém e Coruche. Quando se anunciam toiros como estes, é preciso trazer grupos consolidados, rodados, dos bons. Rafael Vilhais fê-lo, uma vez mais, em nome da sua experiência empresarial, do seu conhecimento da Festa, da sua preocupação permanente de oferecer ao público um bom espectáculo. É assim que as coisas devem ser feitas. E por isso, sem as enfadonhas tentativas e mais tentativas para pegar os toiros, como acontece quando se contratam grupos menos rodados - e temos visto isso em corridas recentes... - que complicam ainda mais a complicação que os toiros põem, a corrida de ontem teve ritmo, teve emoção e não demorou uma eternidade. Parabéns, Rafael! Parabéns, grupos de Santarém e Coruche!

Marco Cardoso dirigiu muito bem a corrida, com competência e rigor, tendo estado assessorado pelo reputado médico veterinário José Luis da Cruz. E o cornetim José Henriques, como sempre, brindou os toureiros e o público com a arte e o sentimento dos seus toques. Foi, em resumo, uma corrida das que não se esquecem tão cedo, cheia de ambiente, com muitas caras conhecidas nas bancadas.

Ao início (foto de cima), guardou-se um respeitoso minuto de silêncio em homenagem à memória dos cavaleiros José Samuel Lupi e Vasco Taborda (Francisco Palha brindou a sua primeira actuação a seu filho Salvador Taborda) e também do fadista e grande aficionado vilafranquense Francisco Martins, falecido no sábado.

A tarde de toiros em Salvaterra, que não foi a última, como rezava o fado, fica nas nossas memórias como uma das mais marcantes desta temporada. Grande corrida de toiros, sim senhor!

Foto M. Alvarenga