Miguel Alvarenga - Se as praças de toiros nacionais, salvo as que foram remodeladas e têm cadeiras, são, já de si, as salas de espectáculos mais incómodas que podem existir, com o pessoal sentado na pedra dura como nos tempos dos Flinstones, das praças portáteis, a que também chamam desmontáveis, porque se montem e desmontam como os móveis do Ikea, já nem sei o que dizer...
Há muitos anos que eu não ia a uma praça portátil. Não gosto. O espectáculo tauromáquico perde muito da sua grandeza e da sua dignidade nestes cenários. É o mesmo que deixar de ir à Ópera no São Carlos para ir ouvi-la num barracão de madeira. Não tem o mesmo sabor. E é chato como o caraças. Não há cabrestos nem campinos, os toiros são laçados como nos filmes de cowboys, levam uma eternidade a recolher. Enfim...
Respeito as praças portáteis e a importância que elas representam levando a Festa a terras onde não existem praças fixas. Respeito, mas não gosto. Não contem comigo tão cedo numa coisa dessas...
Fui ontem a Samora Correia. Entre pega e não pega, recolhe e não recolhe, mais o atraso inicial porque só à hora de começar a corrida é que se lembraram que o piso tinha que ser regado (à portuguesa, concretiza...), o espectáculo demorou, apenas e só, quatro horas. Irra!
Lidaram-se toiros da ganadaria Alves Inácio com cinco anos e perto de 600 quilos. É normal e é próprio isso acontecer numa praça portátil? Bem sei que o Regulamento não diz nada sobre isso, mas... por pouco a praça não veio abaixo.
Houve dois toiros bons, o terceiro e o sexto, respectivamente lidados por Gilberto Filipe e Tristão Ribeiro Telles Queiroz, que foram ontem os mais destacados triunfadores da tarde. E houve toiros complicados, reservados, a dificultar. Mas todos a meter respeito, todos com apresentação e trapio dignos de qualquer grande praça do mundo... mas não de uma desmontável...
Gilberto Filipe é um grande cavaleiro, não me canso de o dizer. Exímio equitador, excelente lidador. Aproveitou todo o sumo do seu bom toiro e desenvolveu uma lide que ontem marcou a diferença, triunfando. E com isto fica tudo dito.
No último, o jovem Tristão Ribeiro Telles Queiroz foi a habitual lufada de ar puro e de alegria, com uma actuação desenvolta e brilhante, a demonstrar muitos progressos, chegando com facilidade ao público, executando um toureio bom e uma brega apertadíssima. Sempre acreditei neste jovem toureiro. E continuo a dizer que vai longe.
Com um toiro complicado, o mais reservado dos seis, Sónia Matias esteve igual a si própria, sempre alegre e sempre valentona. Lide aplaudida, mesmo sem oponente à altura.
Ana Batista teve ontem mais sorte do que em Vila Franca com os Castros. O seu toiro também não era fácil, mas a sua classe e o seu elevado profissionalismo valeram e sobraram para lhe dar a volta e conseguir uma actuação agradável e emotiva.
Marcelo Mendes começou muito bem e com atitude a lide do quarto toiro, esperando-o à porta dos curros e levando-o embebido na garupa do cavalo para depois cravar um bom ferro comprido. Bem na brega e nos recortes, teve uma lide de mais a menos. Quis cravar no fim um par de bandarilhas e deixou meio, pôs outro e a cena repetiu-se. Não terminou em beleza, mas o público reconheceu e aplaudiu o que ficara para trás.
David Gomes respondeu a Marcelo indo também esperar o seu toiro, o quinto, à porta dos sustos. Toiro mais parado e mais complicado, a que o cavaleiro deu lide valorosa e diversificada, cravando ferros de frente com muita emoção. Faltou toiro, sobrou toureiro.
Uma nota de destaque a todos os bandarilheiros que ontem actuaram e não tiveram tarefa fácil com aqueles toiros, sobretudo na colocação dos mesmos para os forcados.
As pegas, de que a seguir mostraremos todas as sequências, demoraram e não foram fáceis. Tarefa dura e complicada para os valentes forcados dos grupos de Amadores da Moita, da Tertúlia Tauromáquica do Montijo e Amadores de Azambuja, tendo estes efectuado no último toiro a única pega concretizada ao primeiro intento.
Para toiros deste calibre, exigem-se grupos de forcados mais rodados e mais experientes. Os de ontem passaram as passas do Algarve, um foi para o hospital. Foram verdadeiros gladiadores a pegar montanhas de carne cheias de sentido. Só por isso, tiro o meu chapéu aos três grupos!
Ricardo Dias dirigiu bem a corrida e, na segunda parte, com alguma pressa, não fosse a coisa demorar e a praça não tinha iluminação, abreviando e não permitindo voltas à arena nos últimos três toiros, assim como nos tempos da pandemia. Esteve assessorado pelo reputado médico veterinário Jorge Moreira da Silva e o cornetim foi o número um de todos eles, o grande José Henriques.
A praça registou meia entrada. Muito bom, mesmo assim, com uma largada de toiros e um jogo de futebol decisivo à mesma hora.
Ponto final, parágrafo. Foi engraçado por ser diferente - sem sombra, que as portáteis não têm disso... -, mas tão cedo não me apanham numa coisa destas...
Fotos M. Alvarenga
À hora de começar a corrida é que se lembraram que era preciso regar a arena... |
Seis cavaleiros de estilos distintos em "tourada portátil" |
Público encheu metade das bancadas |
Toiros de meter respeito, com perto de 600 quilos e 5 anos, toiros "demais" para uma praça portátil... |