terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Margarida e António Cardoso (Toiros & Tauromaquia) em entrevista ao "Farpas": "Há duas classes de empresários. Os que se esforçam para não colidir com os outros e os que nem olham para o calendário..."

Filhos do saudoso António Manuel Cardoso "Nené", um dos mais importantes e mais emblemáticos empresários tauromáquicos do último século, Margarida e António José Cardoso (também destacado forcado dos Amadores de Alcochete) herdaram em 2018, depois da trágica morte de seu Pai num acidente de automóvel, a pesada herança de levar por diante a empresa Toiros & Tauromaquia, a mais antiga do país, fundada no início dos anos 80 por "Nené" e Rogério Amaro. Nos últimos cinco anos, souberam honrar e dignificar da melhor forma o legado de valores e princípios que o Pai lhes deixou, gerindo praças como as de Alcochete, Évora, Reguengos de Monsaraz, Estremoz e outras. Nesta primeira grande entrevista do ano ao "Farpas", Margarida (M) e António José (A) fazem o balanço da última temporada, a primeira depois dos dois anos da pandemia, tocam em temas polémicos, recordam a corrida que promoveram no ano passado em Alcochete com "El Juli", que foi "o melhor cartel da temporada" mas não teve a esperada adesão do público e revelam os projectos para 2023. São dois empresários de sucesso, dois "miúdos" empenhados e dinâmicos - de que gosto muito.

Entrevista de Miguel Alvarenga

- 2022 foi o ano de todas as corridas, depois de duas temporadas de pandemia com grande redução de espectáculos. Houve corridas a mais, a meu ver. Concordam?

Margarida (M) - Depois de dois anos em que algumas praças não conseguiram dinamizar espetáculos taurinos, devido a todas as exigências e restrições que a Covid-19 obrigava, é normal que existisse neste último ano um crescimento significativo do número de espectáculos realizados. Muitas praças de toiros de 3ª categoria e mesmo espectáculos em praças desmontáveis voltaram a abrir as suas portas em 2022. 

António José (A) - Achamos que essas corridas fazem falta, é importante continuar a fomentar a afición nas terras mais pequenas e que tanta tradição taurina têm. Não são espectáculos a mais, desde que, sejam respeitadas as datas tradicionais de cada terra. Há espaço para todos desde que haja respeito pelo trabalho de cada um. 


- Comecemos pela célebre corrida de Alcochete, fora de data, com “El Juli” e dois dos cavaleiros-top, Palha e Telles, mais o grupo de forcados da terra. Era um grande cartel e foi uma aposta ousada. Contudo, o público não correspondeu minimamente. O que falhou nessa noite?

A - Foi, sem dúvida, o melhor cartel da temporada! E que mais gosto nos deu anunciar. 

M - O público não sentiu a corrida e a moldura humana foi muito escassa para o que a corrida obrigava. Mas o feedback que tivemos do público foi que saiu da praça de toiros de Alcochete bastante satisfeito.


- Deram as vossas corridas tradicionais em Alcochete, promoveram corridas em Reguengos de Monsaraz, em Amieira, em Sousel, em São João da Pesqueira e em Estremoz. Que balanço fazem da temporada da Toiros & Tauromaquia?

A - No ano de 2022 organizámos 15 espectáculos, entre: Estremoz, onde o público acreditou no nosso trabalho e compareceu nas corridas; Reguengos de Monsaraz, onde organizámos uma alternativa bonita (de António Núncio) e que o público saiu bastante agradado; Amieira, que foi das poucas praças de 3ª categoria que realizou espectáculos em altura de pandemia e na qual, conseguimos criar uma data em Julho; Sousel, que após estar dois anos fechada, a Junta de Freguesia confiou no nosso trabalho para voltarmos a dar corridas de toiros; São João da Pesqueira, que foi a nossa estreia em desmontáveis; por fim, Alcochete, onde realizámos quatro corridas de toiros com cartéis rematados e duas novilhadas fomentando a tauromaquia nos mais jovens. Houve vários momentos de altos e baixos, várias pessoas que se cruzaram no nosso percurso, mas o balanço da temporada 2022 é positivo: Há dias em que consideramos de sucesso e outros de aprendizagem. 


- Em 2023 vão continuar nessas praças ou haverá alterações? 

M - No ano de 2023 não existirão alterações significativas no tema das praças de toiros.


- Quanto aos apoderamentos de toureiros, separaram-se de António Prates a meio da temporada e agora voltaram a dar as mãos. E com Ana Batista e o Tristão Telles de Queiroz, continuam? Mais algum apoderamento em perspectiva?

A - Tanto a Ana, o António e o Tristão são apoderados pela Toiros e Tauromaquia. Poderão surgir novidades em breve, mas ainda não existe nada em concreto, portanto não vale a pena adiantar o tema.


Margarida e António José na recente Gala da Tauromaquia,
onde a empresa Toiros & Tauromaquia foi uma das nomeadas

- Porque sairam de Évora?  
M - Estivemos em Évora como Toiros e Tauromaquia até ao final da temporada 2018, nos anos 2019 e 2020 integrámos a empresa NEPE e, juntamente com o António Alfacinha, o Carlos Ferreira e o Francisco Mira, organizámos os eventos taurinos na Arena D'Évora. Contudo, nem sempre partilhávamos das mesmas ideias, o que é normal quando somos muitos e, cada um, acaba por defender o que é melhor para a empresa, na sua perspectiva. Assim, decidimos sair da NEPE e manter uma boa relação com os colegas.

- Há união entre a classe de empresários tauromáquicos ou “cada qual vai à sua” sem respeito uns pelos outros?

M - Acho que há duas classes de empresários. Os que se esforçam para não colidir com os outros e os que nem olham para o calendário... Sei que é difícil ser uma classe unida porque isto é uma actividade profissional e consequentemente um negócio, mas acho que é importante respeitarmos o espaço de cada um. E, cada vez mais, é importante tentar não organizar corridas não tradicionais a coincidir com feiras ou datas tradicionais do nosso calendário taurino. Permitindo assim que cada um tenha o seu espaço para a organização de eventos, mas sem nos atropelarmos uns aos outros. Acho que essa era a melhor união que poderíamos e deveríamos ter neste momento.


- Que razões terão motivado as dúvidas sobre a vossa vitória no concurso para adjudicação da praça de Alcochete? Segundo membros da sociedade proprietária da praça, ela está adjudicada, sem quaisquer dúvidas, à Toiros & Tauromaquia, mas ainda há quem diga o contrário… Passa-se o quê?

A - No dia 15 de Julho fomos informados da decisão relativamente ao concurso de Alcochete. Posteriormente, até o Miguel confirmou isso junto de membros da Sociedade detentora da praça de toiros de Alcochete. Só podemos acreditar que quem diga o contrário seja apenas com o intuito de ferir e destabilizar. 


- Que projectos podem já adiantar para as vossas organizações em 2023? Alguma data, algum cartel já definido?

A - Já estamos a trabalhar afincadamente na temporada 2023. Há que começar já a ver toiros e começar a definir os cartéis para que tudo corra da forma esperada. A Toiros e Tauromaquia primou por apresentar o Toiro-Toiro, com trapio e apresentação adequada à essência de cada corrida e é isso em que se baseia uma vez mais para arrancar para a temporada 2023.


- Para já, embora ainda o não tenham anunciado oficialmente, Pablo Hermoso é um nome certo em Alcochete na noite de 11 de Agosto?

M - Sim, o "Farpas" antecipou-se, como sempre (risos)... e já deu essa notícia. Confirmo, mas o cartel não está ainda rematado, a seu tempo anunciaremos tudo.


- 2023 não vai ser um ano fácil, com a inflação a subir, o povo sem dinheiro, o preço dos toiros mais elevado, etc. Como enfrentam a situação?

M - Enfrentamos a situação com algum receio do ano que aí vem. Todas as decisões têm que ser analisadas meticulosamente para que não existam surpresas desagradáveis. Consideramos que todos os intervenientes do sector devem estar atentos à situação económica do país e devem trabalhar de forma unida, para que sejam evitados danos económicos no sector taurino.


- Como está a tauromaquia em Portugal? A chegar ao fim ou com fôlego para ir em frente?…

A - Queremos pensar de forma positiva, que o facto de existirem várias gerações presentes na tauromaquia faz com que tenhamos fôlego para continuar por mais uns bons anos.


António José com seu Pai, o saudoso "Nené" e, em baixo,
Margarida e seus Pais


- Para terminar, tem sido fácil ou difícil manter o legado que vos deixou o vosso Pai? Quais as lições principais que ele vos deixou?

A - Tem sido um desafio em que estamos em constante aprendizagem. Ensinou-nos duas lições muito válidas: a valorizar a equipa de trabalhadores que está connosco corrida após corrida; e, que nem todas as pessoas que estão próximas de nós são de confiança...


- Àparte esta actividade empresarial, o que faz cada um de vocês?

A - Eu dedico-me a 100% à Toiros e Tauromaquia, a Margarida tem  formação na Área da Educação e exerce a profissão aqui em Alcochete.


- Toiros & Tauromaquia, uma empresa com imensa História, “escrita” por Rogério Amaro e por vosso Pai. É um peso, uma responsabilidade acrescida, serem os seguidores de duas tão importantes figuras?

A - Os dois fundadores da Toiros e Tauromaquia foram e sempre serão dois ícones da tauromaquia e isso, sem dúvida, torna-se uma grande responsabilidade para quem os sucede. O que nós tentamos todos os dias fazer é seguir o trabalho por eles começado, com os mesmo valores, a mesma ética e os mesmos pilares que sempre fizeram com que a Toiros e Tauromaquia fosse uma empresa bastante respeitada e conceituada no panorama taurino.


Fotos M. Alvarenga e Emílio de Jesus/Arquivo