
Reconhecido aficionado, antigo forcado, brilhante conferencista e cronista na revista "Novo Burladero", o Coronel José Henriques (foto ao lado) manifestou a sua solidariedade a Bernardo Patinhas, o cabo destituído do Grupo de Forcados de Évora, através desta carta que lhe enviou e que ontem foi dada à estampa no blog "sortes de gaiola" - que aqui reproduzimos na íntegra:
Meu caro Bernardo Patinhas,
É profundamente triste e preocupado que
te escrevo esta carta, fruto das notícias que me chegaram aos ouvidos nestes
últimos dias. E escrevo-te triste e preocupado, muito mais na condição de
antigo forcado amador do nosso querido Grupo de Évora, do que na condição de
teu amigo e, sobretudo, na condição de amigo do teu Pai, o meu Cabo que nunca
esqueço e que tanto admiro, o grande João Nunes Patinhas.
Aos ouvidos chegaram-me notícias de uma
rara situação de revolta interna, de um orquestrado "golpe de estado"
como lhe chamou um forcado fundador do nosso Grupo, "golpe" esse que
tem como objectivo imediato a tua saída de Cabo do Grupo e a tua substituição
por um dos rapazes que, valha a verdade, mais nome nos tem dado nos tempos
actuais da nossa gloriosa instituição.
Porém, é precisamente por isso, pelo
nome que ele nos tem dado e pela obrigação que sobre ele pesa por ser um dos
forcados chave do Grupo actual, que a minha tristeza e o meu espanto me levaram
a escrever-te esta carta.
Melhor do que ninguém, tu e ele sabem
que um forcado, seja ele de que grupo for, pega os toiros que o seu cabo lhe
destina, independentemente da praça, da ganadaria, ou do cartel, e tem o dever
moral de o fazer dando o "corpo ao manifesto", em nome da honra do
seu grupo e do prestígio da sua jaqueta. E melhor do que ninguém ele sabe que
tu, Cabo eleito do Grupo de Forcados Amadores de Évora, lhe tens dado a
oportunidade extraordinária de se salientar de entre a forcadagem actual,
ganhando um nome, uma fama e um prestigio que, de outra forma, provavelmente
nunca chegaria a ter.
Assim, e porque lhe conheço as origens,
que são as mesmas dos meus filhos e netos, e porque sei da profunda nobreza e
verticalidade dessas mesmas origens, é que pasmo por o ver metido nesta
aventura, e cabeça visível de tão absurda revolta.
E digo cabeça visível porque, segundo
toda a informação que de várias fontes me tem chegado, existe alguém que maneja
(de facto) os cordéis deste movimento de revolta, e um alguém que, por respeito
a todo um passado de entrega e responsabilidade de chefia do nosso Grupo, tem o
dever moral e a divida de gratidão, de ser o primeiro entre todos nós a opor a
sua figura e o seu prestígio a toda e qualquer tentativa de absurdo
divisionismo que possa sequer beliscar o nome, a história e o passado da
instituição a que, voluntariamente, tanto nos orgulhamos de pertencer.
Dói-me pois tudo aquilo que tem chegado
ao meu conhecimento, e dói-me tanto mais quanto sei, todos nós sabemos, que ao
contrário da frontalidade, do "cara a cara", e até da corajosa
arrogância que caracterizou a tristemente célebre "dissidência" dos
finais dos anos setenta do passado século, esta revolta actual, este
"golpe de estado" de consequências imprevisíveis para o nosso Grupo,
tem como estigma o secretismo do conciliábulo, como base a exploração da
ignorância, e como motor o desastre de uma ambição escondida, pecado capaz de
destruir toda a obra, todo o nome e todo o passado de quem (e desejo
ardentemente que assim não seja) se tem nele envolvido.
Meu Caro Cabo Bernardo,
Circunstâncias da minha vida
profissional levaram-me a um afastamento físico da vivência íntima do nosso
glorioso Grupo de Évora, mas nunca, no meu coração de homem e de aficionado,
ele deixou de ocupar um lugar privilegiado, feito de carinho, saudade e
devoção. E só Deus e eu sabemos o que ainda hoje sofro quando o vejo em Praça,
garrido, valente, coeso, animado sempre daquela galhardia e daquela
fraternidade que, ao longo de quase cinquenta anos, têm sido o seu brasão de
armas e a sua mensagem na Tauromaquia Nacional.
Grupo de Forcados Amadores no mais puro
sentido do termo, o nosso Grupo não é, verdadeiramente, nem melhor nem pior do
que os outros....
.....Mas é, sem dúvida alguma, um Grupo
diferente!
Espero sinceramente que os actuais
forcados do Grupo, sejam eles quem forem e estejam eles de que lado estiverem,
saibam ler esta carta que te deixo, a ti que és o Cabo eleito por vontade do
próprio Grupo, e que sigam com toda a força da sua "aficion" e do seu
amor à nossa gloriosa instituição, o caminho do brio e da dignidade, do
respeito e da fraternidade, que são a primeira e a última razão de quem, pelo
simples prazer de o fazer, desce às arenas para pegar os toiros.
Com um abraço do teu amigo, sempre ao
teu dispor e ao dispor do nosso Grupo... e com um sonoro "Venha
vinho!!!"
Zé Henriques
Fotos D.R.