Miguel Alvarenga - Quando amanhã se iluminar esse palco sagrado da tauromaquia mundial que é a lindíssima praça de toiros do Campo Pequeno, vocês os dois vão ser os grandes ausentes de uma noite que vai ser de mil emoções e também de muitas lágrimas.
Vou olhar os céus e lembrar todas aquelas noites de euforia, de triunfo, de alegria, de verdade toureira e as outras, de loucura e de copos que vivemos juntos e vou lembrar esse teu sorriso, essas tuas brincadeiras, essa seriedade tão profunda com que eras amigo de verdade, meu querido Joaquim Bastinhas, e estavas em todos os momentos, nos bons e nos maus, num simples telefonema que fosse.
Marcaste o mundo da tauromaquia, por todas as praças de todos os países por onde passaste, com a diferença da tua maneira de ser e de tourear. Contagiavas, cativavas e empolgavas. Eras único.
E depois do acidente que quase te roubava a vida e te fez estar parado duas temporadas, voltaste no ano passado, era Julho e a praça da Figueira da Foz estava cheia para te ver de novo. E foi tudo igual, como se nada te tivesse passado. E foste grande outra vez. E no dia seguinte tocou o telefone e eras tu: "Gostaste? Ainda cá estou para mais umas curvas!". E estavas. Não fosse a merda da doença que uns meses depois te haveria de levar de ao pé de todos nós.
Mas, como disse o João Moura Jr. no curtíssimo e tão bonito depoimento sobre ti hoje no "Correio da Manhã", os maestros como tu "não morrem, apenas ficam invisíveis". E amanhã acredito que vais lá estar e vais vibrar e vais gritar e vais aplaudir o teu querido Marcos e viver connosco essa noite de emoções. E de mil recordações.
E tu, meu querido, meu irmão, meu velho Emílio? Por onde andas? Por que te foste embora? Cinco meses é tanto tempo e é tanta saudade. E eu lembro-me de ti todos os dias e às vezes dou por mim cheio de lágrimas nos olhos a lembrar tantos anos que vivemos juntos, tantos segredos que partilhámos, tanta vida que era de nós dois, tanta brincadeira, tanta gargalhada e tanta merda séria também.
Ontem custou-me. Muito. Acredita. Ter estado na inauguração da exposição do nosso Bastinhas no Campo Pequeno com a Fernanda, com o Hugo e com a Tânia - e sem ti. Também não morreste, havias lá tu de morrer, só ficaste invisível, mas eu preferia ver-te e falar-te e rir contigo e ir para as corridas a teu lado. E continuarmos em equipa, um dizia mata e o outro dizia esfola e as pessoas ficavam boqueabertas e incrédulas, "estes gajos são dois malucos" e tu rias, "eles não estão formatados para as nossas doidices, coitados".
Nada voltou a ser igual e eu até pensei mesmo em desistir, deixar de escrever, ir embora disto, estou a confessar-te isso hoje pela primeira vez, mas depois pensei na tua alegria, na tua amizade, nessa força tão grande com que lutaste seis anos contra a merda da doença e achei que não ias gostar, que tinha de continuar, que pelo menos tinha que te homenagear e seguir em frente como se aqui estivesses e cá estou, sabe-se lá às vezes com que falta de vontade, com que saudade, com que desgosto na alma, com que desejo de gritar por ti.
Amanhã vou estar no Campo Pequeno. Pelo Joaquim Bastinhas. E por ti, Emílio.
Fotos D.R.