segunda-feira, 7 de junho de 2021

Jaime Amante fala-nos da Tauromaquia Luso-Venezuelana (II): Pepe Câmara, o toureiro sofrido que nasceu na Ilha da Madeira

Jaime AmanteO jornalista venezuelano Victor José Lopez “El Vito”, considerado por muitos um Maestro entre os Maestros da escrita taurina, em Junho do ano passado (2020) numa tertúlia em videoconferência devido à quarentena, e reunindo vários tertulianos e membros da Peña Taurina “Los Amigos del Toro” de Caracas, colocou a questão de como caracterizar a longa lista de 133 matadores de toiros venezulanos, na eterna dualidade entre os toureiros artistas e os toureiros com ofício.

Nos toureiros artistas, “El Vito” classificou cinco matadores, Carlos Martinez, Héctor Alvarez, Celestino Correas, Carlos Osório “Rayito da Venezuela” e Pepe Luís Nuñez (os dois últimos diretamente ligados às corridas de toiros de morte realizadas em Portugal pós-25 de Abril).


Grande entre os Grandes: César GirónFiguras do toureio: “Morenito de Maracay”, Leonardo Benitez e Bernardo Valência, entre outros. Bons toureiros, muitos. Toureiros valentes, todos. Toureiros com ofício, poucos. E eu, qual espontâneo, acrescento: toureio bom, com ofício, valente e sofrido Pepe Câmara. 


Pepe Câmara, de seu nome José Manuel Sá da Câmara, nasceu na Freguesia de Canhas no Concelho de Ponta do Sol na Madeira, a 7 de Dezembro de 1949.


Iniciou a sua trajectória taurina pela mão do matador de toiros Pedro Pineda "El Torero de Aragua”, criador da Escola Taurina de Maracay que funcionou durante anos na Maestranza "César Giron". Muitos foram os toureiros que se iniciaram naquele ruedo, como Adolfo Rojas, “El Mito”, Rafael Ponzo, “Rayito da Venezuela”, Luís de Aragua, “Morenito de Maracay” e Pepe Câmara.


Actua pela primeira vez vestido de luces a 4 de Janeiro de 1971 em Maracay com Moisés Malagón “El Salinero” e Bernardo Valencia frente a novilhos criollos.


Nesse mesmo ano (1971) e após estabelecer-se em Sevilha visita Barrancos na qualidade de "maletilla", na esperança de poder participar em algum festejo. Finais do mês de Agosto e a “Fêra de Barrancos” vivia o seu esplendor máximo.


Pepe Câmara sofre a primeira gravíssima colhida da sua sofrida carreira. Transportado de urgência para o Hospital de Beja é operado com êxito. O povo barranquenho une-se e paga as despesas hospitalares do jovem toureiro. Nasce um respeito, uma admiração e uma amizade entre Pepe Câmara e Barrancos que perdura até hoje.


Voltou durante alguns anos à vila alentejana como cabeça de cartaz, às touradas desta terra e restituiu ao povo de Barrancos em 1993 o seu primeiro traje de luces (presenteado pela Comissão de Festas de 1975 e agora em exposição na sala de Turismo da vila alentejana). Naquele tempo não era permitida a lide com toureiros portugueses até à aprovação da lei que passou a permitir os toiros de morte. 


Regressa à Venezuela e no ano seguinte,1972, a 2 de Julho debuta com picadores em Caracas no Nuevo Circo. Tem como companheiros Gonzalo de Gregório, Rogelio Morales, Manuel Piña “El Fúnebre”, Paco Varela e Vicente BenítezDebuta com “Currichí”, novilho marcado com o número 3, com 430 quilos, da ganadaria Vistahermosa.

 

A 5 de Maio de 1974 apresenta-se com picadores em Espanha em Jerez de los Caballeros (Badajoz). Tem como alternantes Ramón Soto VargasGabriel Puerta. Lidam-se nessa tarde cinco novilhos de María Olea e um de Conde de la Corte


Termina a temporada com cinco novilhadas com picadores em EspanhaRegressa à Venezuela e apresenta-se com assinalável êxito em Caracas a 1 de Dezembro de 1974, frente a novilhos de Daminiciano Cameno com Pepin Peña e Alberto Mesa como companheiros de cartel.


Inicia a temporada de 1975 com assinaláveis êxitos em Maracay e San Cristobal no decorrer da sua Feira Internacional durante o mês de Janeiro. Regressa a Espanha e actua em Ejea de Los Caballeros, Saragoça, Zalamea La Real, Huelva e Sevilha - onde a 29 de Julho sofre de novo gravíssima cornada no músculo da coxa direita com destruição de elevada massa muscular. Lidam-se nessa tarde novilhos de Doblas Alcalá.


Nas temporadas de 1976 e 1977 actua com alguma assiduidade na Venezuela preparando-se para receber a sua alternativa em Espanha.

A 11 de Setembro de 1977 recebe por fim a alternativa na praça de toiros de Figueras (Gerona). Tem como padrinho o colombiano Jaime González “El Puno” e José Salazar como testemunha. Lidam-se nessa tarde toiros de Leopoldo Lamamié de Clairac . Triunfa com o corte de  três orelhas e saída em ombros.


Repete a 18 de Setembro de 1977 na mesma praça, frente a toiros de Francisco Galache. Corta nessa tarde orelha no primeiro toiro e duas orelhas e rabo ao segundo. Teve como companheiros Enrique Paton e José Salazar.


Apresenta-se como matador de toiros na Venezuela a 10 de Dezembro de 1977 na praça de toiros de Cagua no estado de Aragua. Lidam-se toiros de La Serna e reparte cartel com Curro Girón e Efraín Girón.

 

A 3 de Setembro de 1978, confirma a sua alternativa em Madrid (Las Ventas). Confirma com o toiro “Jazminero”, número 9, com 525 quilos, de Javier Moreno de la Cova. O acto é apadrinhado por Gregório Tebar “El Inclusero” e Raúl Sánchez é a testemunha. É gravemente colhido no tórax e na perna direita pelo seu segundo toiro de nome “Tiburoucillo” com o nº 26 e com o peso de 586 quilos. O prognóstico é gravíssimo e teme-se pela sua vida.


Recordamos o relatório clínico assinado pelo Dr. García de la Torre: “Pepe Câmara sufre cornada en hemitórax izquierdo de quince centímetros, penetrante en cavidad torácica, con fractura de costilla, contusión pulmonar y gran hematoma; y otra de diez centímetros en el muslo derecho que destroza el cuádriceps y contusiona el fémur. Shock traumático que precisa transfusión de novecientos centímetros cúbicos. La operación duró dos horas. Pronóstico muy grave”.


Recuperado, regressa à Venezuela e apresenta-se na sua capital a 15 de Outubro de 1978. É a sua primeira corrida como matador de toiros na Plaza Nuevo Circo de Caracas. Cartel de luxo com dois figurões: António Chenel “Antoñete” e José Mari Manzanares. Apresenta-se com “Fogonero”, número 24, 427 quilos, da ganadaria De Haro, assim como os restantes.


A 14 de Janeiro de 1979, em Valência, actua na mais prestigiosa corrida da temporada venezuelana - La Corrida de la Prensa organizada pelo Circulo de Jornalistas de Caracas. Em disputa o troféu "Pluma de Oro”. Lidam-se seis toiros de Los Martinez pelos matadores Manolo Martínez (México), Francisco Rivera "Paquirri" e Pepe Câmara. O diestro mexicano ganha o troféu em disputa.


Em Caracas - Plaza de Toiros Nuevo Circo -, a 28 de Março de 1982, acompanha o seu conterrâneo Carlos Pita (de que aqui falámos no primeiro artigo sobre Tauromaquia Luso-Venezuelana), quando este se apresenta como matador de toiros na capital venezuelana.


Entre os anos de 1980 e 1995 actua com muita frequência em Portugal principalmente com o Maestro Mário Coelho, ambos apoderados pelo saudoso taurino Mário FreirePercorre o país de Norte a Sul actuando com assinalável êxito em praças como Campo Pequeno, Cascais, Setúbal, Moura, Moita do Ribatejo e Ilha Terceira, entre outras.


Na noite de 11 de Agosto de 1983, participa na trágica corrida de toiros no Campo Pequeno que mais tarde vitimou o cavaleiro José Francisco Varela Crujo. José Maldonado Cortes e Mário Coelho eram seus companheiros de cartaz. Lidaram-se toiros de Pontes Dias.


A 24 de Agosto de 1985 apresenta-se finalmente na sua terra natal - Ilha da Madeira - em praça de toiros instalada na Praia Formosa, de que aqui recordamos (em baixo) o cartaz. Compõem o cartel os cavaleiros José Zuquete e Jorge D’Almeida, mais os forcados Amadores de Alcochete frente a toiros de Sommer de Andrade.


Nos anos 90 toureia pela última vez em Portugal, na praça de Vila Viçosa, na corrida de despedida do matador local José Trincheira.


A 1 de Setembro de 1996 volta a tourear em Barrancos na lide e morte de um toiro no decorrer da apresentação da Comissão de Festas para o ano de 1997.


A 9 de Janeiro de 2000 actua em Cagua (Aragua). Tem como alternantes Bernardo Valencia, Manuel Medina “El Rubi”, Erick Cortez, Dionner José Mendoza e Salvador Camero. Toiros de Marquês de la Real Defensa e um novilho de Rancho Alegre. Existem referências de que esta foi a sua última corrida. 


Veste-se de luces pela última vez na primeira corrida de toiros do novo século na Venezuela, a 7 de Janeiro de 2001 na praça de toiros de Cagua (Aragua). No seu último festejo tem como companheiros Manuel Medina “El Rubi”, Erick Cortez e Leonardo Coronado. Lidam-se quatro toiros da ganadaria de Juan Campolargo.

Na História do Toureio Venezuelano, houve (há) um toureio bom, com ofício, valente e sofrido - Pepe Câmara, nascido em Portugal, na Ilha da Madeira. 

Fotos D.R.