O mexicano Gregório García foi nos anos 40 o grande protagonista da glória do toureio a pé em Portugal. Parava o trânsito em Lisboa... |
Miguel Alvarenga - O ano que hoje chega ao fim deixa, em termos tauromáquicos, alguns significativos indicadores de que se vive uma hora de mudança - que também quer dizer esperança - na Festa de Toiros nacional.
O Campo Pequeno comemora os 125 anos da sua inauguração - a 18 de Agosto de 1832 - e a empresa liderada pela Drª Paula Mattamouros Resende e Rui Bento promete uma Temporada em cheio, com acontecimentos que vão ser dignos de lotações esgotadas. O primeiro indício é precisamente a modificação do formato do cartel de abertura, a 6 de Abril, desta vez com toureio a pé e com a especial presença de Juan José Padilla, que se consagrou em 2016 como o novo grande ídolo do público lisboeta e até mesmo nacional, à semelhança do que aconteceu - e tardava em voltar a acontecer - com nomes tão importantes como “Paquirri”, Paco Camino, Dámaso González, “Niño de la Capea” e Ruiz Miguel.
Também e à semelhança do que na década ida de 40 foi protagonizado pelo matador mexicano Gregório García - que por cá triunfou, por cá viveu e por aqui parava o trânsito quando o avistavam na rua, homem alto, esguio e elegante -, Padilla promete ser agora o grande responsável e o esperado obreiro, estilo D. Sebastião que não havia meio de chegar, do renascimento do toureio a pé entre nós - e disso é prova a corrida que se tem registado às bilheteiras do Campo Pequeno para comprar entradas para a corrida de abertura da época. Que é uma corrida à presença de Padilla - já que foi a primeira vez que a empresa pôs bilhetes à venda antes do Natal e a restante composição do cartel é ainda desconhecida.
Um processo para que contribuiram decisivamente os espanhóis “El Juli”, Morante de la Puebla, Juan del Álamo, Roca Rey e “Finito de Córdoba”, mas que não será exclusivo dos toureiros estrangeiros que aqui deram brado, podendo e devendo ser também aproveitado e engrandecido pelas jovens figuras nacionais, como Manuel Dias Gomes, António João Ferreira, Nuno Casquinha ou os jovens “Juanito” e Diogo Peseiro, entre outros. O motor de arranque chamou-se Padilla, os lusitanos terão agora uma palavra importante a dizer.
O Campo Pequeno foi e vai continuar a ser a grande nau que “abriu novos mundos ao mundo”, sobretudo no que ao toureio a pé diz respeito e mercê da aficion, da ilusão e do rigoroso desempenho de Rui Bento - que dez anos depois, continua a ser o homem certo no lugar certo e tudo o mais são cantigas -, apoiado e incentivado pelo olhar sempre atento e verdadeiramente dinamizador de uma Grande Mulher que aos toiros chegou com a desagradável e inicialmente renitente posição de administradora de insolvência e que rapidamente se demonstrou uma Mulher apaixonada - e empreendedora - pelos mais altos valores da nossa Cultura e da nossa Tradição, não sendo um exagero dizer que Paula Mattamouros Resende é hoje a grande timoneira do virar de página na Tauromaquia Nacional.
Mas seria injusto não valorizar também outros empresários e outras praças que este ano deram um decisivo contributo para a mudança, depois de épocas de alguma indecisão e de um quase perder de identidade e dos valores fundamentais da Tauromaquia - a emoção e o risco correram sérios perigos quando se apostou nos “toiros da corda” e quase se deitou por terra a essência da Festa Brava, mas felizmente tudo começa de novo a estar no seu lugar.
Referencio em primeiro lugar a chegada de Rafael Vilhais - que alguns acusam de estar a formar uma frente anti-Campo Pequeno, sem que se entenda bem porquê com que objectivos, se for real...- que este ano demonstrou arrogância (no sentido positivo, que também existe) e irreverência ao trazer Roca Rey a Salvaterra, dando sinal de que também pretende contribuir para que algo de novo aconteça. Tem novas praças, ficou com as rédeas da Moita e promete também marcar esta nova era, assim a sorte e a ousadia continuem a bafejá-lo e a guiá-lo.
Há empresários tradicionais e com provas dadas, casos do veterano António Manuel Cardoso “Nené”, de João Pedro Bolota (que ao perder a Moita pode, finalmente, dar ao Montijo e a Santarém a importância que quase esqueceu em 2016), de Paulo Pessoa de Carvalho, da dupla montemorense Simão Comenda/Paulo Vacas de Carvalho, do dinâmico Jorge de Carvalho (Alter) e de outros mais.
Parece finalmente “fora de prazo” a época dos pára-quedistas que por aí surgiam de vez em quando. As praças estão, na generalidade e finalmente, em boas mãos. O que também é um sinal positivo para que tenhamos uma grande Temporada de 2017 - de onde devem ser definitivamente “riscadas” as corridas que estão a mais. Uma redução do número de espectáculos e uma maior e mais cuidada valorização dos cartéis e das datas tradicionais vai acabar por fazer de cada corrida um acontecimento, o que só será benéfico para a Tauromaquia.
Por fim e no que ao toureio equestre diz respeito - outrora a grande Jóia da nossa Coroa -, mudaram-se os tempos e mudaram-se, na realidade, as vontades. O toureio a pé regressa à tona e a lusa cavalaria que se cuide…
Quase sem darmos por isso - ou talvez tenhamos dado já tarde demais - os espanhóis passaram-nos à frente e a prova disso, não é preciso dizer mais nada, está na força de bilheteira de Pablo Hermoso de Mendoza e de Diego Ventura (cujo regresso a Lisboa se impõe, a bem ou a mal!), os dois únicos cavaleiros que ainda enchem as nossas praças quando por cá se anunciam.
Não preciso de referir nomes nem de lembrar - ou avivar as memórias - que temos grandes e bons valores na chamada nova vaga dos nossos cavaleiros. Mas também é bom alertar para o facto de, por muito bons que sejam, ainda nenhum ter o carisma e a força suficientes para serem o que foram, no seu tempo, figuras como João Moura, João Telles, Manuel Jorge de Oliveira, Paulo Caetano, Joaquim Bastinhas, Rui Salvador, António Telles e João Salgueiro. Precisam de “dar corda aos sapatos” e chegar-se à frente. E mais não preciso de dizer. No plano equestre, com mais de trinta anos de glória às costas, o número-um continua a ser o Maestro João Moura - bom para ele, mas uma verdade que em nada abona e, prol do valor dos novos, dos semi-novos e dos antigos que ainda por cá andam.
Vamos, ao que tudo indica, viver um ano em grande no que ao toureio a pé diz respeito - e é preciso que os cavaleiros se afirmem e se cheguem em definitivo à frente, deixem de andar em águas mornas, sob pena de um dia ficarmos “orgulhosamente sós” e reduzidos às praças cheias com sabor a espanhol…
De ganadarias e forcados não preciso falar. São ambos peças fundamentais e fulcrais da arte tauromáquica. As empresas voltaram a apostar no toiro sério e de verdade. E na arte das pegas, continuamos a ser pioneiros - e únicos no mundo!
Passada a enfadonha quadra natalícia, durante a qual gosto pouco ou nada de me expressar, aqui vos deixo hoje, nas horas finais de 2016, os desejos de que tenham e vivam um Ano Novo cheio de êxitos, de triunfos e de grandes e bons momentos.
2017 reserva-nos um importante e decisivo virar de página. Que estejamos todos preparados - e unidos, sem as guerras parvas costumeiras - para que o saibamos e consigamos protagonizar. E honrar.
Fotos Emílio de Jesus e D.R.