sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Lisboa consagrou o ídolo: tão cedo não vai haver um Toureiro como Padilla

Juan José Padilla sacou aos dois mansos de Varela Crujo os passes e as faenas
que todos pensavam impossíveis. Saíu em ombros e em glória, mais pelo que
foi e pelo que fez em 25 anos de matador do que propriamente pelo que fez
ontem - mas foi muito. O Campo Pequeno registou a maior enchente deste ano
para o ver e o público rendeu-lhe a mais emotiva das homenagens com que nos
últimos anos consagrou um toureiro na praça da capital
Moura Caetano toureou ontem como as fotos de Emílio
documentam - mas o seu maior triunfo foi o gesto de
grande profissionalismo e pundonor de ter ido a este
compromisso a Lisboa um mês depois de ter perdido
os dois cavalos craques da sua quadra. E ter triunfado
na mesma!
Pinto voltou a cantar de Galo e provou ontem, se alguém ainda tivesse dúvidas,
que o memorável triunfo de Agosto não foi obra do acaso. Duarte vive o seu
momento, ontem triunfou de novo e em força - e 2019 avizinha-se como a
temporada da sua plena e grande consagração


O Campo Pequeno registou ontem a maior enchente da temporada por obra e graça de Padilla, a quem o público homenageou de forma emotiva e em nome de uma história, de uma trajectória e de um valor sem fim. Duarte Pinto voltou a cantar de galo e Moura Caetano teve o grande gesto de vir lutar a Lisboa pela sua cimeira posição mesmo depois de ter sofrido o duro golpe de perder as duas estrelas da sua quadra. Os toiros de Vinhas e Varela Crujo pouco ajudaram ontem à festa. Mas os toureiros estiveram por cima e viveu-se a noite de todas as emoções

Miguel Alvarenga - Ontem o ambiente de casa cheia era enorme no Campo Pequeno. E o público, entendido e rigoroso, estava ali predisposto a reconhecer e homenagear o seu último ídolo, Juan José Padilla. Já ninguém se lembrou mais da noite menos feliz que ali viveu há um ano, depois das três saídas em ombros e depois de ter mexido com a nossa gente como nenhum outro mexera nos últimos anos. A praça registou, com ele, a maior enchente deste ano. Quase esgotada.
Padilla saíu outra vez em delírio e apoteose em ombros pela porta grande. Não propriamente e apenas pelo que fez ontem - que foi muito. Mas sobretudo por tudo o que fez em 25 anos de matador e principalmente pelo que aqui significou nas duas últimas temporadas. Toureiro de alma e toureiro de paixão, Padilla é muito mais que isso, é um Herói de carne e osso.
Tudo aquilo que ele passou, tudo aquilo que ele sofreu e a maneira com que reagiu, com que fez frente a todas as adversidades e com que seguiu em frente com o mesmo ânimo e a mesma paixão, fizeram dele um caso sem paralelo. E foi precisamente tudo isso que o público português lhe quis ontem dizer, transmitir, homenagear. Rendeu-se tributo, numa praça cheia e emocionalmente entregue a Padilla, a um toureiro que fica na História. E que muito certamente não se fica por aqui. Vai despedir-se das arenas em Zaragoza, despediu-se ontem de Portugal, mas ninguém imagina um homem destes fechado em casa e sem toiros para enfrentar. Acredito que, como muitos que foram e voltaram, Padilla não estará muitos anos afastado das arenas...
Não houve ontem grandes recortes de arte nas suas duas faenas de muleta. Padilla enfrentou dois mansos de Varela Crujo que deram poucas opções para brilhar. No primeiro chegou mesmo a sofrer uma assustadora colhida, a que respondeu com a casta e o valor de sempre. E de ferro. Com o capote, destacou-se apenas no primeiro, que recebeu de joelhos e a que tentou depois desenhar cingidas "verónicas". Não bandarilhou nenhum dos toiros, entregando esse tércio à sua quadrilha e deixando brilhar, sobretudo, o grande João Ferreira. Que esteve simplesmente enorme!
O labor, o profissionalismo, a honestidade e a desmedida entrega de Padilla marcaram ontem os inícios das duas faenas de muleta, em que lutou e porfiou até conseguir depois ligar algumas séries de expressivos muletazos, mandando com poder e sobriedade. Sacou as faenas que todos julgavam impossíveis a dois toiros que as não tinham. Brilhou sobretudo em adornos de profundo domínio e com a sua entrega e o seu querer levou Lisboa ao delírio.
Para trás ficou a história de um toureiro marcado pela tragédia e que jamais virou a cara. Ficou a luta de um valente, a coragem de sobreviver e de sorrir como se tudo tivessem sido rosas e sem espinhos. O público que ontem encheu o Campo Pequeno para o homenagear rendeu-lhe o mais emotivo dos tributos que nos últimos anos consagraram qualquer figura nesta praça. Juan José Padilla beijou a arena, emocionou-se, deu duas voltas em cada toiro e saíu em ombros e em glória, como só podia ter saído. Foi a noite de todas as emoções - e mais algumas.

O gesto de Moura Caetano

Muitos outros teriam provavelmente colocado um ponto final na sua temporada se lhes tivesse acontecido o que há menos de um mês aconteceu a João Moura Caetano: perder o seu cavalo craque "Temperamento" e perder também aquele que muitos já referenciavam como seu sucessor, o "Hip-Hop". Não é todos os dias que se sofre um golpe tão duro como este.
Mesmo assim, desprovido das suas duas melhores "máquinas", o toureiro não quis deixar de assumir e de honrar este importante compromisso com o público da capital, que premiava precisamente o seu memorável triunfo na corrida de Maio. E veio a Lisboa disposto a triunfar.
É um toureiro de raça, é um dos triunfadores da temporada e é sobretudo um artista de antes quebrar que torcer. Não foi favorecido pelo lote que lhe tocou, enfrentou primeiro um toiro manso, mas nobre, de investidas mais claras que o segundo, este mais complicado. Atingiu os melhores momentos com o cavalo "Xispa", pisou terrenos de risco e cravou com batida ao piton contrário, ao estribo, com a verdade do seu toureio, com o sentir da sua arte.
Notou-se, obviamente, a falta da segurança e da tranquilidade que lhe dava em todos os momentos o facto de ter a seu lado e à sua disposição o fantástico "Temperamento", mas Moura Caetano é feito de uma fibra diferente e depressa ultrapassará essa falta, que neste momento ainda está "quente" e ainda é sentida de outra forma.
Deu aplaudida e merecida volta à arena no primeiro toiro e não a quis dar no segundo, apesar da insistência do público, certamente por considerar que estivera uns pontos abaixo do seu melhor.
O gesto de ter comparecido em Lisboa, mesmo a contas com a adversidade da falta de dois craques insubstituíveis foi ontem o maior triunfo de João Moura Caetano - que ao longo da sua brilhante carreira já passou por momentos idênticos, quando em Madrid perdeu o célebre "Passapé" e sempre voltou a ressurgir com novas estrelas na quadra. Como agora acontecerá.

Pinto voltou a cantar de Galo!

Duarte Pinto fazia anos ontem, brindou a segunda actuação a seu pai, Emídio Pinto e prestou-lhe assim a maior e mais bonita das homenagens. Regressava a Lisboa depois de no mês anterior ali ter sido autor da melhor actuação a cavalo desta temporada e uma das melhores dos últimos anos. Provou ontem, não fosse alguém ainda ter dúvidas, que não foi por acaso esse triunfo histórico. Duarte vive o seu momento, atingiu um patamar por que lutava há anos e é na actualidade um dos maiores cavaleiros nacionais.
A verdade e a emoção que põe em todos os ferros fazem do seu classicismo uma epopeia de bom toureio. Depois do grande triunfo de Agosto, foi contratado apenas para tourear em Outubro em Alcácer - e ontem em Lisboa. Não entrou nas feiras da Moita e de Vila Franca, o que fazia todo o serntido e teria sido de imensa justiça. Os tempos mudaram e o triunfo de um toureiro não tem hoje a força e o significado que tinha noutros tempos. Aliás, a própria Festa não tem hoje nada a ver com o que tinha nesses tempos.
A repetição de Duarte Pinto em Lisboa foi, por parte da empresa, um exemplo. E um exemplo de como as empresas deveriam reconhecer e premiar os toureiros que triunfam.
Os toiros, como já disse, não ajudaram. O seu primeiro Vinhas era matreiro, parado e adiantava-se na reunião. Duarte teve uma lide valorosa, mas sem o brilho que desejava.
No quinto da ordem, um toiro com melhor condição de lide e maior transmissão, nobre e com investidas emotivas, Pinto voltou a cantar de Galo!
Destacou-se logo nos dois compridos, de praça a praça, a aguentar até ao fim, cravando com acerto, depois de dar toda a prioridade ao toiro. E seguiu a sinfonia de arte nos curtos, com ferros de parar corações. Com ferros da sua marca, que evocam o toureio antigo de Batista e de Zoio e fazem dele uma das grandes Figuras desta geração.
O Duarte andou vários anos, volto a repetir, a prometer e a dar sinais de que um dia haveria de chegar aqui. Chegou por fim e é hoje, pelo seu valor e pelo seu grande mérito, um dos primeiros cavaleiros. Na recta final da temporada, afirmou-se por fim, chegou ao mais alto dos patamares e abriu as portas a um futuro que não vai ter mais parança. 2019 será, não tenho dúvidas, o ano da sua plena consagração.

Duas boas pegas 
e duas mais complicadas

Como já aqui se referiu em detalhe, os forcados Amadores de Santarém e Amadores de Montemor não deixaram ontem os seus créditos por mãos alheias, mas tiveram actuações distintas na primeira e na segunda metade da corrida - a que uma vez mais faltou o necessário intervalo, um caso que para a próxima temporada vai ter que ser obrigatoriamente repensado. Em todas as corridas se anuncia que o espectáculo segue sem intervalo, mas em todas as corridas o público continua a sair, como se nada lhe tivessem dito - o que prova que suprimir esses minutos de convívio foi, a meu ver, um erro. A emendar.
Mas voltemos aos forcados. António Taurino (Santarém) e João da Câmara (Montemor) pegaram com valor e brilhantismo à primeira os dois primeiros toiros da noite. Na segunda metade, as coisas sairam mais complicadas para os dois grupos, sobretudo para o de Santarém, com o valente Ruben Gioveti a ir sete vezes à cara do quarto toiro, já debilitado e depois de ter ficado inanimado na arena numa primeira intervenção. Continuo eternamente a defender que quando um forcado se lesiona deve ser imeditamente substituído, porque mesmo que recupere, como Ruben felizmente recuperou, já não está com as suas faculdades em pleno e os resultados das seguintes intervenções não podem já ter, como não tiveram, o mesmo resultado que teriam se o forcado estivesse na sua máxima pujança.
Francisco Bissaya Barreto, de Montemor, também não teve a vida facilitada para pegar o quinto Vinhas da noite, que o atirou fora na primeira tentativa com uma dura e seca investida, acabando por concretizar à terceira.
A corrida foi bem dirigida por Manuel Gama, que esteve assessorado pelo Dr. Jorge Moreira da Silva, médico veterinário, tendo ontem prestado provas para directores de corrida mais dois candidatos, Sandra Alves e Ruben Fragoso.
Juan José Padilla foi homenageado ao início da corrida pela empresa e, depois, ao longo da noite, recebeu constantemente as homenagens de uma praça cheia e de um público que aclamou e enalteceu toda a sua tragectória de glória, de tragédia e sobretudo de um raro e corajoso exemplo de vida e, acima de tudo, de sobrevivência e de saber sorrir mesmo nas horas mais difíceis.
Não haverá tão cedo um Toureiro igual a ele.

Fotos Emílio de Jesus