domingo, 23 de setembro de 2018

Paulo Caetano e Joaquim Bastinhas: dois Reis e a eterna e suprema Majestade!

Público de pé e todos na arena no fim, aclamados como triunfadores maiores
de uma noite que fica na História e nos anais da temporada
Bastinhas foi à arena a cavalo, no primeiro toiro, para que Paulo Caetano lhe
dedicasse a sua lide. Uma lição de maestria e temple de um Rei que jamais
pede a Majestade. Paulo não toureava em praça há dois anos
Caetanos e Bastinhas esgotaram o Coliseu de Elvas com um dia de antecedência!
Moura Caetano e seu pai, Paulo Caetano; Joaquim Bastinhas e seu filho Marcos.
Um cartel de praça esgotada! A repetir para o ano em Lisboa! Assim se espera!
Ao início da corrida, a Banda do Samouco dedicou um pasodoble ao Maestro
Bastinhas pelos seus 35 anos de alternativa e de plena glória nas arenas
Brinde dos Forcados Académicos de Elvas aos Quatro Cavaleiros da Apoteose
Joaquim Bastinhas apeou-se do cavalo e dedicou no centro da arena a seu
filho Marcos, que comemorava ontem dez anos de alternativa, a sua magistral
e emotiva lide na noite do regresso à sua praça - e ao seu público. Em baixo,
um grande ferro de Marcos Bastinhas, que honrou com dois grandes triunfos
a nada fácil herança de ser filho de quem é e ter vencido na profissão por obra
e graça dos seus próprios méritos e do seu desmedido valor


Foi como reviver o passado no temple e na maestria de Paulo Caetano, na exuberância e na verdade toureira de Joaquim Bastinhas. A corrida de ontem em Elvas, com praça esgotada desde a véspera, não foi apenas e só uma noite marcante. Foi uma epopeia de arte e de bom toureio, marcada também pelos triunfos dos filhos dos Maestros, Moura Caetano e Marcos Bastinhas. Pelas grandes pegas dos grupos de forcados de Évora e de Elvas e por magníficos toiros de Paulo Caetano e Rodolfo Proença. Ao longo da noite, o público explodiu em ovações de luxo e Bastinhas regressou em grande à sua praça com duas apoteóticas voltas à arena. Melhor não se vê tão cedo!

Miguel Alvarenga - Paulo Caetano não toureava em praça há dois anos. Sempre que pisa uma arena, ele abre o livro e brinda-nos, como ontem, com uma magistral e quase indiscritível lição de temple, de suavidade, de plena maestria e de arte - que bradam aos céus. Joaquim Bastinhas é, ainda e sempre, o maior ídolo do público português. Não toureava há dois anos na sua terra, desde o grave acidente que sofreu no campo e quase lhe roubou a vida. Ele foi, ele é, tal como Padilla, um exemplo único de superação, de força de vida e de alegria. Voltou ontem a sorrir na sua praça e para o seu público - que no fim o aclamou e consagrou em duas estrondosas voltas à arena, tudo de pé em clima de verdadeira euforia e apoteose.
Os Maestros marcaram a noite - que foi a noite de imensa glória de duas das mais cotadas dinastias toureiras nacionais e foi, sobretudo, a noite grande do Regresso dos Heróis. A terceira corrida do jornal "Olé!", também um exemplo de luta nos tempos que correm, mercê do empenho e da perseverança de Luis Miguel Pombeiro, seu director, foi uma corrida marcante. Altamente marcante. A força do cartel, que é a força dos toureiros que o integravam, esgotou a lotação do Coliseu de Elvas com 24 horas de antecedência. O ambiente foi enorme. E a arte dos Quatro Cavaleiros da Apoteose e dos dois consagrados Grupos de Forcados, frente a toiros de Paulo Caetano e de Herdeiros de Rodolfo André Proença, de nota altíssima e que cujo comportamento e bravura foram decisivos para o sucesso da noite, tornaram inesquecível uma corrida que passa à História como uma das melhores desta temporada. Talvez mesmo das últimas temporadas. Tão cedo não se vai ver melhor.

Paulo, o Mestre diferente dos outros

Paulo Caetano é o grande herdeiro de um tempo-outro em que os Toureiros eram Senhores e havia fidalguia nas arenas. Não fosse ele afilhado de alternativa daquele que foi o último cavaleiro-fidalgo do toureio a cavalo em terras de Portugal, o sempre lembrado D. José João Zoio.
Não toureava em praça há dois anos - mas era de prever, pela sua experiência, pela sua maestria e pelo facto de nunca ter deixado de tourear em casa, que triunfasse como ontem triunfou. A sua presença na arena marca a diferença pela distinção, pelos senhoriais modos com que suaviza e torna fácil a difícil arte de lidar toiros a cavalo. É, na realidade, um Senhor.
Recebeu o toiro da sua própria ganadaria, de nota altíssima, dobrando-se no meio da arena, dando-lhe com o cavalo templados capotazos para depois se perfilar de poder a poder e deixar um, e mais um ferro comprido que foram de verdadeira antologia. Estava assim dado o mote para uma lide de sonho.
Nos curtos, Paulo Caetano, o Mestre diferente dos outros, entrou recto por terrenos de compromisso e com batidas ao piton contrário realizadas num palmo de terreno, deu a mais nobre das lições cravando ao estribo, como mandam os livros antigos, rematando com adornos de arte templados com pinceladas de grande e bom toureio.
Uma lição de cátedra, de saber, de maestria e de um fulgor que jamais se perdeu com o tempo. Os toureiros não têm idade e a arte vive uma eternidade nas veias e no coração de quem com ela nasceu um dia.

Bastinhas, o ídolo - ainda e sempre!

Joaquim Bastinhas é, todo ele, um exemplo monstro de superação e de alegria na força de viver. Ninguém imaginava, depois de há três anos ter ficado quase esmagdo por uma máquina agrícola num gravíssimo acidente sofrido na sua herdade, que alguma vez voltasse a ter uma vida normal - e que, muito menos, voltasse a fazer aquilo de que mais gosta e é a grande paixão da sua existência: tourear.
Mas também todos os que o conhecem bem sabiam que isso seria possível, dada a sua alegria, a sua força, o seu querer tremendo, aquela vontade férrea com que um dia aqui chegou, vindo do nada, sem apelido sonante, antes pelo contrário, até palhaço lhe chamavam, acabando por se afirmar, por vencer contra todos os ventos e todas as marés e se tornar um caso único do toureio nacional, o maior ídolo das multidões depois do saudoso José Mestre Batista - que não deve ter sido por acaso que foi seu padrinho de alternativa e de quem ele herdou esse dom tão diferente de cativar o público, de o empolgar, de num simples sorriso pôr uma praça de pé.
Bastinhas reapareceu numa noite memorável na Figueira da Foz e ontem regressava à sua praça, ao seu público, naquela que era a segunda corrida da temporada do seu regresso às arenas.
No centro da arena, apeou-se do cavalo e beijou seu filho Marcos, dedicando-lhe a lide e desta feita homenageando os dez anos de alternativa que ele ontem comemorava. Momento emotivo, público de pé.
Depois dirigiu-se à porta da gaiola, feito coragem, feito a história de outros tempos e ali foi esperar e buscar o toiro, ouro magnífico exemplar da ganadaria de Paulo Caetano, que saíu com toda a pata e que o Mestre trouxe com calmaria para o meio da arena e ali se ficou, dobrando-se, toureando, impondo-se - como ontem, como hoje e como sempre!
Estava já a praça ao rubro quando Bastinhas deixou o primeiro ferro comprido, em sorte de emoção e verdade, dando o peito, dando a cara, assim como quem diz: "Estou aqui!". E estava mesmo. O Bastinhas de todos os tempos!
E toureou. Toureou bem à brava! Os aplausos seguiram-se de ferro em ferro, o público levantou-se como que impelido por molas, a euforia reinou numa lide de tanta verdade, de tanto brio e tão grande gabarito. Nos curtos, cravou com emoção, lidou com a verdade e o risco dos tempos de ouro, rematou a sorte com a alegria e a exuberância que contagiam qualquer mortal e, como se isso não bastasse, já na porta do páteo de quadrilhas, a cena do costume repetiu-se: o público a pedir mais um ferro, Bastinhas a fazer-se "caro" e a seguir, a loucura das bandarilhas nas duas mãos, o par impecável e emotivo, a praça outra vez de pé e o ídolo a saltar do cavalo, aclamado como um Herói, acarinhado como um exemplo. Uma referência. Um triunfador eterno.
Noite de glória. De glória e de consagração plena. Joaquim Bastinhas, ainda e sempre, o ídolo maior da nossa Festa!

Difícil tarefa, a dos filhos...

Dir-se-ia, não fosse também o triunfo deles, que os pais aindam deitam carta aos próprios filhos e os pôem em sentido cada vez que se vestem de toureiros. Difícil tarefa, a deles, depois dos triunfos dos Maestros que os trouxeram ao mundo.
A ordem de lide foi alterada ontem, por unânime aprovação dos toureiros e do director de corrida, por forma a que toureasse primeiro um Caetano, depois um Bastinhas e assim sucessivamente. E por isso coube a Marcos Bastinhas lidar o segundo toiro da noite, primeiro dos quatro, também notáveis em comportamento e bravura, da ganadaria dos Herdeiros de Rodolfo André Proença.
Na noite de comemoração dos seus dez anos de alternativa, Marcos Bastinhas superou-se a ele próprio e foi protagonista de duas actuações acima de qualquer média e que o consagram, também, como um dos triunfadores desta temporada.
A noite foi de euforia e de apoteose para o toureio a cavalo e para a Festa. E Marcos, com a sua valentia, com a sua arte, com o seu toureio "à Bastinhas" em que impera a contagiante alegria, a facilidade com que chega às bancadas e conquista o público, mas acima de tudo a verdade e o risco com que enfrenta os toiros, foi também um dos grandes e aclamados protagonistas desta grande corrida de ontem em Elvas.
A primeira actuação foi brilhante, com ferros em sortes de alta emoção, dando toda a prioridade ao toiro, entrando por ele dentro com as ganas e a raça de um vencedor. A segunda - que dedicou, emocionado, a seu avô, Rui Nabeiro - foi um portento, com um toiro sério e que exigia, a que o jovem Bastinhas impôs toda a força do seu toureio, galvanizando e empolgando o público, pisando a linha de fogo, arriscando, porfiando, crescendo de ferro em ferro. Já com o público também eufórico, cravou ainda dois imponentes pares de bandarilhas, saltando também do cavalo, beijando a arena, as gentes de pé, a aplaudir e a aplaudir. Notável, memorável.
João Moura Caetano voltou ontem a provar a sua força interior, a sua raça de grande toureiro, mantendo o brilho da sua chama mesmo depois do azar de ter perdido há um mês os dois cavalos craques da sua quadra.
Não logrou rematar no plano que desejava a sua primeira lide, que suscitou mesmo alguns assobios da bancada quando falhou um ferro e passou algumas vezes em falso. O toiro foi o mais complicado dos quatro de Rodolfo Proença, o menos claro nas investidas e Moura Caetano precisava ali do "Temperamento". Foi uma lide de luta constante e que o toureiro superou por obra e graça do seu empenho e da sua desmedida entrega. Mas o público, mesmo assim, algum público, não reconheceu isso. No fim, recusou a volta, que a maioria pedia com insistência.
No quinto toiro, as coisas modificaram-se. E Moura Caetano impôs a força da sua arte numa actuação onde pontificou o temple, a arte, os ferros de grande emoção, superiormente rematados com bom gosto e saber. O público rendeu-se, mais ninguém assobiou e o toureiro marcou pelo êxito, também, esta sua passagem pela arena de Elvas.

Triunfo também da forcadagem

Noite de triunfo também para os valentes forcados dos Amadores de Évora e dos Académicos de Elvas - cujas actuações amanhã aqui mostraremos ao pormenor numa grande edição especial dedicada à corrida de ontem.
José Maria Caeiro (à segunda), Miguel Direito e António Torres (ambos à primeira) fizeram as três grandes pegas do Grupo de Évora, que ajudou com o garbo costumeiro. Pelos Académicos de Elvas, foram caras António Machado (à primeira), André Bandeira (à segunda, naquela que foi a sua última pega) e Gonçalo Machado (à primeira), também com todo o grupo em grande e coeso nas ajudas.
Os toiros não foram fáceis para as pegas e o brilhantismo das mesmas ficou marcado pelas grandes actuações dos dois consagrados grupos. Pegas de muita emoção em noite de verdadeira apoteose.
Agostinho Borges dirigiu a corrida com a habitual aficion e com rigor, com a particularidade bonita de mandar a banda tocar mal Bastinhas iniciou a lide, em jeito de homenagem ao regresso e acima de tudo à trajectória de glória de um toureiro que ontem também assinalava o 35º aniversário da sua alternativa.
Houve duas bandas em praça, a de Elvas e a do Samouco, tendo esta oferecido e dedicado a Joaquim Bastinhas, ao início da função, um pasodoble comemorativo da efeméride que também ontem se comemorava. 
E enquanto o Maestro dava a sua segunda aplaudida volta à arena, o fadista Luis Caeiro dedicou-lhe, com que voz, um fandango flamenco, tal como quinta-feira o fizera no Campo Pequeno a Padilla - outro momento de grandeza e emoção. 
A corrida terminou com os quatro cavaleiros e os dois grupos de forcados em praça e o público de pé a aclamá-los, o que só por si explica o sucesso estrondoso da noite de ontem. Havia um dos ganadeiros em praça (Paulo Caetano), houve apenas a falha de não terem estado também na arena, neste momento de consagração, os representantes da ganadaria de Rodolfo André. Mereciam a mesma honraria.
E fica aqui a história de uma noite histórica em que se relembrou o passado na maestria de duas das maiores Figuras do toureio a cavalo, Paulo Caetano e Joaquim Bastinhas - a provarem que quem foi Rei jamais perde a Majestade. E eles continuam a sê-lo. Reis e Senhores!

Fotos Emílio de Jesus