Assim lidou de capote e assim bandarilhou ontem o Pedro, como se tivesse outra vez 20 anos |
Os dois filhos e a Mulher do Pedro na hora do corte de coleta. A última volta à arena |
Meu querido Pedro Gonçalves,
Deveres de Avô (um dia chegas lá e vais adorar!) impediram-me ontem de estar a teu lado na tua última tarde de luces em Santarém. Havemos de fazer a nossa despedida, fica prometido, não no lago do Espelho de Água, ali em Belém, como daquela outra vez, mas aí no teu "Pátio Ribatejano". E depois falamos. E depois rimos muito. E depois andamos com o filme para trás e lembramos tantos e tantos momentos que vivemos muitos, tantas e tantas glórias tuas nas arenas que eu tive a honra de partilhar contigo, de as viver, de as sentir, de chorar como ontem tu choraste, mas de alegria, de alegria pela glória com que tantas vezes te vi triunfar.
Portugal é um país pequenino taurinamente. E demuita gente demasiado pequena para a grandeza do toureiro que foste. És. Serás sempre. Lá por ontem o teu Francisco te ter cortado a coleta, não deixas de ser toureiro e de ser no mundo do toureio a grande figura que foste sempre.
Começaste como forcado nos Amadores da Azambuja e honraste a jaqueta gloriosa desse tempo em que era cabo o Francisco Vassalo ao longo de quase dez anos. Depois tornaste-te bandarilheiro, recebeste a alternativa no Campo Pequeno, lembro-me como se tivesse sido ontem, na última corrida do meu querido amigo Zé João Zoio, das mãos do Mestre dos Mestres, o grande António Badajoz.
Aos poucos foste impondo o teu imenso poderio com as bandarilhas, essa tua arte de grande lidador com o capote, foste o primeiro entre os primeiros e, mesmo assim, ainda hoje penso que aqui não te deram e não re reconheceram o valor e o estatuto que tu tiveste. Foste o primeiro entre os primeiros. E ainda ontem, como se tivesses outras vez vinte anos, bandarilhaste e lanceaste de capote como os eleitos o fazem, como os maiores. Chegaste aos primeiros palcos da tauromaquia mundial, a Sevilha e a Madrid e obrigaram-te a saudar de montera em mão, o que não acontece com todos. Foste grande, Pedro, nessa arte que abraçaste e tão bem defendeste sempre, fosse em que praça fosse.
Disseste adeus à arena na pujança da tua raça e ainda com faculdades de sobra para enfrentares um toiro e lhe cravares um par de bandarilhas do outro mundo como os que ontem puseste. Despediste-te porque quiseste, não porque te tenham despedido e isso marca a diferença, Pedro. deixaste para trás uma história de glória com mais de três décadas de muito valor nas arenas.
Fizeste escola. Tens, aliás, uma escola de toureiros em Santarém a que puseste o nome do teu saudoso tio Joaquim Gonçalves, quantas tardes passámos juntos, quanto lhe ouvi e quanto com ele aprendi. Foi um toureiro grande, era o teu espelho e a tua referência. E cantava o fado como poucos. Tu também cantas. Mas és melhor a tourear...
Fizeste escola, dizia eu. Formaste extraordinários bandarilheiros. Enalteceste e engrandeceste a tua classe de bandarilheiros, foste pioneiro da realização do Festival dos Bandarilheiros, onde tantas vezes te vi desenhar com a muleta faenas de arte.
Foi bonita a tua festa e estavam quase todos os teus amigos de verdade. Menos eu. Mas o Santiago precisava de mim, a Maria Ana precisavam de mim. E isso tu entendes.
Mas merecias mais. Disse-te várias vezes que te devias despedir numa corrida no Campo Pequeno, como fez o João Boieiro este ano. Mas foste sempre teimoso como os burros. Tinha que ser em Santarém, a tua terra, a terra do teu tio. Paciência.
A Monumental tinha para aí duas mil e poucas pessoas, foi o que me disseram. E tu merecias muito mais. E toda a tua história impunha muito mais. Cimento a mais à vista. Essa praça morreu há vinte anos quando a Feira foi lá para baixo. Por muito que não gostem que eu diga isso, é-me igual, não faz sentido nenhum essa praça continuar de pé e a dar, quando não são canceladas, touradas vazias. Há vinte anos que deviam já ter feito uma praça lá em baixo no Cnema. Chamassem-lhe na mesma "Celestino Graça", que assim ninguém ficava triste, mas que a fizessem, que a façam. Essa caduca e deprimente Monumental faz tanta falta à Festa como um cão aos berros dentro de uma Igreja...
Mas adiante, não é disso que vim hoje aqui falar. Tu merecias muito mais, Pedro, na hora da despedida, para que ela tivesse mais encanto. Mas foi como foi e foi como tu quiseste.
Resta-me dar-te aquele abraço, voltar a dizer-te que um dia destes faremos a nossa despedida. E dizer-te que te admiro muito, que sempre admirei muito a tua força, o ter carácter, a tua raça, a tua diferença, a tua arte. Também a tua, nossa, loucura.
Até logo, Pedro! E obrigado pelos grandes momentos que me fizeste viver nas praças de toiros, aplaudindo a tua arte. Essa arte enorme que fez de ti o primeiro entre os primeiros.
Fotos Emílio de Jesus