segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Tempo de mudança: já ninguém agarra Palha!

No segundo toiro da tarde, Francisco Palha deu uma segunda e muito aplaudida
volta à arena sózinho
Público de pé a aclamar Palhinha!
Francisco Palha pisou, pisa sempre, a linha de fogo. Marcou toda a diferença
(e mais alguma) e reafirmou ontem em Vila Franca a merecida conquista do
trono do toureio a cavalo. Que é seu por direito próprio e não há tão cedo
quem lho tire! No segundo toiro da tarde foi acompanhado na volta à arena
pelo ganadeiro dos êxitos, Joaquim Alves de Andrade (São Torcato) e pelo
valente Marcelo Lóia, forcado de eleição, cabo dos Amadores do Aposento
do Barrete Verde de Alcochete
Esta foto, este momento, dizem tudo do valor, da garra e da história imensa
que o novo Rouxinol promete escrever neste mundo da tauromaquia
Estreia triunfal e marcante de Luis Rouxinol Jr. na "Palha Blanco". Deu o mote
na primeira lide, ao toiro de Silva Herculano e confirmou o grande toureiro que
é no último, de Veiga Teixeira, dando a volta à arena com o ganadeiro (filho) e o
maioral, mais o forcado Manuel Pires, cabo dos Amadores do Ramo Grande, que
empolgou o público de Vila Franca com uma pega para a História!
Manuel Telles Bastos deu pinceladas da sua arte e da sua classe nas lides aos
toiros de Dr. António Silva e Higino Soveral, mas ontem não era a sua tarde...
Em baixo, oa ganadeiros triunfadores do concurso de Vila Franca: Joaquim Alves
de Andrade
(São Torcato) e Veiga Teixeira (filho), proprietários dos dois toiros
distinguidos ex-aequo pela bravura e Sofia Silva, da ganadaria do Dr. António
Silva, seu saudoso avô, cujo toiro foi premiado com o troféu de melhor
apresentação. Ninguém protestou a decisão dos jurados


2018 é indiscutivelmente o grande ano da mudança. Francisco Palha assume, a léguas do pelotão, a liderança e o trono do toureio a cavalo. Luis Rouxinol Jr. cresce de tarde em tarde e impõe-se como um dos maiores casos dos últimos tempos. A Festa está em movimento super agitado e de repente tudo se modificou. Vila Franca, ontem, disse-nos isso mesmo

Miguel Alvarenga - Depois de uns anos de assustadora apatia e arreliante monotonia no que aos novos diz respeito, esta temporada de 2018 está a revelar-se diferente de todas as últimas. A nova vaga esteve durante alguns anos exclusivamente liderada por João Moura Júnior e os veteranos continuavam a ser quem mandava e deitava cartas. E de um momento para o outro tudo se modificou.
Francisco Palha cavalgou a passos largos, completamente imparável e a viver um momento enorme, o seu, para a liderança incontestada do pelotão, e mais que isso, distanciando-se a léguas dos restantes. Luis Rouxinol Jr. não precisou de subir a corda a pulso como o pai, os tempos mudaram-se, mas está a crescer de tarde para tarde e a impôr-se como um dos grandes casos dos últimos anos. Duarte Pinto rompeu finalmente, deu o grito do Ipriranga que há tanto tempo prometia e é até ao momento o grande triunfador do ano em Lisboa. Rui Fernandes chegou ao 20º ano como cavaleiro profissional e continua a marcar pontos e a ser o mais destacado dessa geração intermédia entre os veteranos e os novos. João Moura Caetano, Marcos Bastinhas e João Ribeiro Telles continuam em alta e a somar triunfos em todas as praças onde actuam. António Prates impõe-se como a certeza maior da mais jovem geração e António Telles (filho) começa aos poucos a abrir as portas que o hão-de levar à glória. De repente, a nova vaga rompeu em força. E fez renascer a esperança.

A diferença chama-se Palha

Ontem em Vila Franca, com metade das bancadas preenchida por um público conhecedor, exigente e entusiasmado, Francisco Palha marcou. de todo, a diferença. Ele é o grande toureiro do momento, a figura indiscutível que devolveu a emoção e o risco à Festa, é o Salgueiro do século XXI. E o público, mas sobretudo os aficionados, estão com ele. Sente-se isso sempre que entra em praça e abre o livro, soltando o sentimento, a classe e a arte que lhe estão no sangue. Marca a diferença sempre. E já ninguém o agarra.
O "Roncalito" é um cavalo único e os dois formam uma dupla que já entrou para a História, como Moura e o "Ferrolho", como Caetano (Paulo) e o "Bolero", como Salgueiro e o "Isco", mais o "Herói". Mas esse cavalo não é a única arma de Francisco Palha. Ele está mais bem montado que nunca e tem a seu lado argumentos de sobra para resolver qualquer toiro.
Lide de praça de pé, a que nos proporcionou no seu primeiro toiro, o belíssimo exemplar da ganadaria São Torcato que no fim todos aplaudiram também de pé e ao ganadeiro Joaquim Alves de Andrade, o dos êxitos, quando deu a volta à arena com o cavaleiro e o forcado e depois outra exigiram a Palha, que a desse sózinho, porque a merecia e o que é merecido impõe-se. O toiro investia com alegria e nobreza de todos os terrenos e Francisco esperou sempre por ele, deu-lhe todas as vantagens, toda a prioridade, para só ir ao seu encontro no derradeiro instante, aquele instante em que na bancada páram os corações, se ouvem os silêncios do respeito e da aflição e depois todos explodem, como ontem explodiram, em ovações de euforia, em uníssona aclamação ao seu hino, ao valor, à garra, à verdade imensa do toureiro. E à arte.
O segundo toiro de Francisco Palha, quinto da ordem, foi o sobrero de Veiga Teixeira, a substituir o de Passanha que se inutilizou nos currais da praça. Não entrou em concurso, era mais pequeno que os outros, mas nem por isso de menor nota. Houve alguma frieza inicial do público face ao menor trapio do toiro se comparado com os saídos antes, mas Francisco Palha até isso ultrapassou, ultrapassa tudo, depressa haveria de conquistar outra vez as gentes, de as levantar das bancadas com mais ferros do outro mundo, cites de praça a praça, a mandar, a templar as sortes, a cravar de alto a baixo e ao estribo em terrenos onde só vai quem tem um coração como o dele.
Já pouco mais há para dizer de Francisco Palha nesta temporada de que é o incontestado e absoluto triunfador. Há muitos anos que não aparecia um toureiro como ele, como um dia apareceu Núncio, o Mestre, e depois Batista, o outro Mestre, mais tarde Moura e a seguir Salgueiro. Toureiros como estes, aparece um de vinte em vinte anos. E marcam. Fazem história, entram na História. E ninguém mais se vai esquecer deles.

Estreia de luxo do novo Rouxinol
na "Palha Blanco"

Ao jovem Luis Rouxinol Júnior, que não me leve a mal, se o digo é para seu bem e porque muito o admiro, que não se indisponha o seu apoderado Penedo e não lhe passe pela cabeça dar-me alguma cabeçada como a que deu há dias ao João Anão, ao jovem Luis Rouxinol Júnior, dizia eu, falta-lhe apenas um toque de classe. Já é um caso e todos os outros filhos levaram muito mais tempo que ele a chegar aos calcanhares dos pais, está a crescer de dia para dia, de tarde para tarde e a impor a força do seu toureio, um toureio de raça, de rara intuição e de um valor que chega aos céus. Mas precisa de um toque de classe. Não pode ter aquela postura raivosa de parecer que nos vem bater a todos a seguir a cada ferro, não lhe ficam bem os gritos, até parecem agressões à malta, de "vá lá mais um para vocês"...
Tirando isto, que com o tempo lhe vai passar, o novo Rouxinol é um grande toureiro, não tenho a menor dúvida em o afirmar, aliás, digo-o desde a primeira vez que o vi. E confirmei-o ontem em Vila Franca, praça onde toureava pela vez primeira e que no fim o aclamou de pé, público ao rubro e ele com a mão agarrada ao coração, emocionado, a receber as ovações de uma aficion que é das mais entendidas e das mais exigentes e que ali o recebeu de braços abertos e lhe reconheceu o valor, a garra, a seriedade e a emoção com que toureia e faz frente a qualquer toiro.
A forma, séria e emotiva, com que lidou e toureou o exemplar de Silva Herculano, sobretudo com a dificuldade que qualquer toureiro teria de entrar em praça depois de uma actuação apoteótica como a que Palhinha tivera no toiro anterior, marcou a estreia de Rouxinol Jr. na "Palha Blanco" com direito a quadro de honra com louvor e distinção.
A sua actuação, a sua atitude, a verdade que impôs em cada lance e em cada ferro, no magnífico toiro de Veiga Teixeira que fechou a corrida, lide brindada ao seu antigo e valoroso bandarilheiro, o vilafranquense David Antunes, marcou, e de que maneira o marcou, o grande triunfo do jovem e irreverente Luis André neste seu debute numa das mais carismáticas praças de toiros nacionais, que agora se transformou também num dos emblemáticos palcos deste tempo de afirmação de um toureiro que desde a primeira hora deixou bem vincado que não estava aqui para ser só mais um, e muito menos para ser só "o filho do grande Rouxinol". Ele já é muito mais do que isso. O novo Rouxinol é um caso. E um caso muito importante.

Não era a tarde do Manuel...

Manuel Ribeiro Telles Bastos diferencia-se dos outros da nova vaga pelo estilo clássico, nunca foi em modernices e nisso de evolução seguiu apenas a da maneira antiga como se toureava, fazendo alarde da admiração que tinha por seu avô David, o Mestre e por seu tio António, o novo Mestre.
Mas ontem não esteve em Vila Franca. Tocou-lhe o lote mais complicado, não o pior, apenas o mais complicado. E Manuel não estava decididamente nos seus dias. Que são outros.
O toiro de António Silva apertava, exigia e até se adiantava. Esperou-o Manuel Bastos com a atitude de uma porta gaiola e logo entusiasmou o público, vinha para triunfar, mas depois não triunfou. E as coisas não correram de feição.
O seu segundo toiro, uma estampa, era o de Higino Soveral, o ganadeiro do Mondego. Toiro sério, nobre, cheio de sentido, esperava, a pedir contas e a que Manuel não entendeu, deixando que fosse ele a mandar, a impor as regras. Não era, decididamente, o dia, a tarde, de Telles Bastos. Não deu nenhum petardo, nem nada que se lhe pareça, mas ontem esteve muito longe dele próprio. Os toureiros, até os bons, como ele é, têm dias assim.

A pega que veio da Ilha Terceira

Uma pega enorme, histórica, como já lhe vi fazer outras em Angra, desse grande forcado que é Manuel Pires, o cabo do grupo açoreano do Ramo Grande, marcou a tarde no que às pegas diz respeito. Citou sereno, com a calmaria dos grandes forcados, provocou a investida do Veiga Teixeira, o último, quando quis, e recuou a mandar, templando, para depois se fechar com aqueles braços de ferro que o carcaterizam e dele fazem um dos grandes forcados da actualidade, se calhar muitos nunca o tinham visto, mas eu tive a sorte de já o ter visto mais que uma vez e não foi nada que me admirasse. E ali ficou, na cara do toiro, assim como aquilo fosse a coisa mais simples deste mundo, e o Veiga Teixeira a derrotar, a fugir ao grupo, todos atrás deles, do toiro e do forcado e o Manuel sem sair, fechado que nem uma lapa, euforia nas bancadas, público de pé, uma das grandes pegas da temporada.
Luis Valadão, do mesmo grupo, pegara o terceiro toiro da tarde, o de Silva Herculano, só à terceira o fez, que o toiro dava derrotes altos no momento da reunião, mas acabou por consumar com galhardia e com o grupo todo, eficiente e coeso, a ajudar muito bem.
Pedro Espinheira, outro cabo, ontem foi a tarde dos cabos, este dos Amadores do Ribatejo, pegou o primeiro toiro da tarde, à segunda, com a técnica costumeira, depois de sofrer um violento derrote na primeira tentativa. E Rafael Costa fez um pegão ao quarto toiro, o sério exemplar de Higino Soveral, grande esteve o forcado, grandes estiveram os companheiros a ajudar e esta foi outra pega enorme que marcou a tarde de Vila Franca.
Pelos Amadores do Aposento do Barrete Verde de Alcochete, também em tarde de sucesso, fez a primeira pega, ao segundo toiro de São Torcato, o cabo Marcelo Lóia, outro dos maiores forcados dos tempos que vivemos. Pega grande, valorosa, de uma raça tremenda, a raça do grande Marcelo, forcado de eleição.
E de eleição foi também a valente pega do pequeno-grande Diogo Amaro, o forcado que no ano passado saíu aos ombros do Campo Pequeno, pela porta grande, a da suprema glória, primeiro forcado da História a alcançar tamanha honraria. Pegou o quinto toiro, o sobrero de Veiga Teixeira, que se arrancou com alegria e o atirou pelo ar, uma cambalhota sobre o toiro, ao estilo melhor dos valentes recortadores, mas isso não esmoreceu o valente Diogo, que a ele se foi pela segunda vez, agora foi o primeiro ajuda que se viu projectado com violência, mas ele ficou, sem mais sair e consumou a pega com a arte dos heróis e o valor dos forcados que têm alma e uma alma como a dele não há muitas. Grande pega, também, o público de Vila Franca ao rubro!
Em terra de grandes forcados, um deles o eterno Carlos Teles "Caló", a quem Francisco Palha brindou a sua primeira lide e aos céus ergueu o tricórnio para lembrar a memória de seu pai, recentemente falecido, e depois no final o chamou à arena e o abraçou num comvido abraço, os homens também choram, em terra de grandes forcados, estava eu a dizer, houve ontem grandes pegas de três grupos não da terra e que muito alto elevaram essa tão nobre e tão portuguesa arte de pegar toiros.
Para eleger o toiro mais bravo e o melhor apresentado, em tarde de concurso de ganadarias, estava um júri composto pelos grandes forcados Simão Nunes Comenda e José Luis Gomes e pelo conhecido aficionado vilafranquense Fernando Letra, que elegeram, muito bem e sem um único protesto, os toiros de São Torcato e de Veiga Teixeira, ex-aequo, como os mais bravos da tarde e o do Dr. António Silva como o de melhor apresentação. Correctíssima a escolha.
Na direcção da corrida, exigente e sério, com aficion e bom senso, esteve João Cantinho, assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva. Aplausos para a concessão de música a quem a mereceu, para a autorização de volta à arena a quem a mereceu - e Palha deu duas no seu primeiro toiro, a segunda a sós - e para a merecida honraria que deu aos ganadeiros de São Torcato e de Veiga Teixeira para que à arena viessem também receber as ovações do público e aos respectivos toiros para que fossem também aclamados na arena, com a porta dos currais fechada.
Quando a corrida acabou e foi uma daquelas que fazem aficionados, ficou-se na rua a comentar todas as suas incidências. E quando isso acontece, a Festa pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança. E aqui eles sabem e eles sonham - que o sonho comanda a vida.

Fotos Emílio de Jesus