domingo, 26 de setembro de 2021

Santarém, ontem: Telles imbatível num "mano-a-mano" sem duelo

Miguel Alvarenga - Um mano-a-mano é, desde sempre, um duelo de dois galos que querem reinar no mesmo poleiro e na mesma capoeira, para apurar e avaliar qual deles é o melhor ou, pelo menos, aquele que se encontra em melhor forma. É, por outras palavras (pelo menos, antigamente era assim...) uma aguerrida competição por que o público espera e anseia. E não era isso que, todos sabíamos antecipadamente, ia ontem acontecer na Monumental de Santarém.

Não o era, também, o cartel inicial que estava programado com António Ribeiro Telles e João Moura Júnior. Teria sido uma corrida interessante, como o foi a de ontem. Mas esse cartel também não reunia o verdadeiro espírito de um mano-a-mano, de um duelo ou propriamente de um tira-teimas entre esses dois toureiros.

Infelizmente, António Telles lesionou-se em Agosto e não está ainda totalmente recuperado para poder regressar às arenas. A Associação Praça Maior substituiu-o por seu sobrinho João e aí, sim, entre os dois Joões, Moura e Telles, teríamos tido aquilo a que se pode verdadeiramente chamar um mano-a-mano, uma tarde de acesa e esperada competição.

Infelizmente, também, João Moura Jr. sofreu uma queda na semana anterior e ficou impossibilitado de tourear. Foi substituído por seu pai, o Maestro João Moura. Bem e logicamente substituído, diga-se em abono da verdade. Mas a corrida voltou a deixar de ter a picardia de um mano-a-mano, não deixando, contudo, de ser um cartel com interesse para os aficionados - que quase encheram a lotação permitida da "Celestino Graça".

Fomos ver João Moura e fomos ver João Telles, mas não naquela perspectiva e naquela expectativa de ir assistir a um duelo entre os dois.

Nem o Maestro Moura estava ali com o objectivo de demonstrar ou provar que vinha para uma grande tarde de competição com João Telles (como veio noutros tempos, por exemplo, num outro mano-a-mano com seu pai), nem João Telles estava ontem ali com o intuito de destronar o companheiro de cartel ou provar o que quer que fosse num eventual duelo com um figurão que, quando tinha a sua idade, naquela mesma arena, deslumbrou tudo e todos com a sua revolução.

João Telles vive um momento único, está super bem montado, muito moralizado, seguro, tranquilo e consistente. Já ninguém tem dúvidas de que será proclamado como o grande triunfador desta temporada. Por isso, não admirou a ninguém que tivesse ontem saído da Monumental de Santarém como o grande e imbatível triunfador da tarde.

Os toiros da ganadaria Dr. António Silva, muito bem apresentados, com idade, com peso e imenso trapio, foram sérios, exigentes, pediram contas, mas foram mansos na generalidade.

João Telles tem argumentos e cavalos para todos os toiros e isso ficou ontem uma vez mais demonstrado nas três brilhantes actuações com que brindou o público de Santarém. Boa brega, excelentes lides, ferros de muita emoção e a pisar terrenos de alto compromisso, reafirmando o momento altíssimo que está a viver. 

No seu último toiro, deu mesmo uma merecida (íssima!), ainda que hoje em dia não permitida, volta à arena. O público exigiu e o director de corrida não se opôs. Já tem acontecido noutras ocasiões. Mas, como já aqui escrevi anteriormente, há que cumprir as regras. E neste momento as regras não permitem as voltas à arena. Decidam de uma vez por todas se sim, se não.

João Moura exibiu a sua maestria e a sua indiscutível sabedoria nas lides dos três complicados Silvas que lhe tocaram, tendo o primeiro da corrida sido o mais aproveitável dos seis. Obviamente que sem uma quadra de cavalos à altura da de João Telles, mesmo assim o Maestro esteve em plano de grande lidador em três intervenções de muita entrega, de muito ofício e, sobretudo, de muito saber. 

O seu público de Santarém, a praça que o consagrou antes do Campo Pequeno e depois de Madrid, a praça onde tomou a sua alternativa e onde protagonizou a sua primeira e histórica "encerrona" com sete toiros, não lhe regateou ovações. Ontem, mais em nome de um passado que ninguém esquece, do que propriamente em louvor de um grande triunfo - que, na realidade, não aconteceu.

O valoroso grupo de forcados Amadores de Santarém não teve tarefa fácil face à dureza e agressividade dos Silvas, mas não deixou ontem os seus gloriosos créditos por mãos alheias, como aqui se referiu anteriormente. Seis pegas duríssimas, emotivas e carregadas de valor, sendo as melhores a primeira e a última, ambas concretizadas por dois valentes Graves, o cabo João e o jovem Joaquim, um forcado que se está a afirmar em grande e a honrar um apelido com tanta história no Grupo de Santarém.

Nota alta, também, para os seis grandes bandarilheiros que ontem coadjuvaram, com raça e valor, as intervenções dos dois cavaleiros e, sobretudo, não viraram a cara às dificuldades dos toiros no momento de os colocarem para os forcados. Os meus aplausos para João Ganhão, Nuno Silva e João Oliveira (da quadrilha de Moura) e para Nuno Oliveira, Duarte AlegreteAntónio Telles Bastos (da equipa de Telles). Toureiros de luxo!

Mais um louvor: aos campinos João Inácio (Janica) e Mário Oliveira, que ontem recolheram os toiros a cavalo, à maneira antiga, com eficiência e saber.

Numa tarde marcada pela recordação do muito querido e saudoso Carlos Empis, registe-se ainda, como nota final, a excelente e aficionada direcção do sempre eficiente Marco Cardoso, que esteve ontem assessorado pelo competente e reconhecido médico veterinário José Luis Cruz.

Lamentável, como já aqui referi hoje, que ninguém se tivesse lembrado de um brinde ao presidente e ao secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal, respectivamente Eduardo Oliveira e Sousa e Luis Mira (foto de baixo), que assistiram numa barreira - mas que ficaram esquecidos naquela que era a Corrida da CAP, regressada a Santarém há dois anos pela mão da Associação Praça Maior depois de ter feito história e ter sido uma das importantes corridas do calendário taurino nacional, sobretudo nos anos difíceis e complicados que se seguiram à revolução dos cravas.

Foto M. Alvarenga

Luis Mira (secretário-geral) e Eduardo Oliveira e Sousa
(presidente): esqueceram-se de um brinde aos dirigentes
da CAP... naquela que foi a Corrida da CAP!