quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Miguel Abellán em entrevista exclusiva: "A festa de toiros em Madrid está de boa saúde!"


Um escritório poderá ser metaforicamente uma praça de toiros onde se joga a vida de maneira diferente. Onde artisticamente se desenha uma faena mais burocrática, de protecção, defesa e divulgação da festa de toiros. A tarefa não é fácil. E o mais difícil é agradar a todos. O trabalho e o compromisso são pontos fundamentais para o êxito desta lide. Miguel Abellán é toureiro e director do Centro de Assuntos Taurinos (CAT) da Comunidade de Madrid.

Entrevista de Fernanda Rita

- Quem é Miguel Abellán?

- É um toureiro com uma carreira de sucesso. Passei pelo pior e pelo melhor. Passei por alguns percances. Ganhei o reconhecimento do aficionado e fundamentalmente dos meus companheiros, e sinto-me orgulhoso disso. Em 2018 deixei de tourear por motivos de saúde. Actualmente sou director do Centro de Assuntos Taurinos. Estou orgulhoso do trabalho que estou a desenvolver e de futuros projectos que virão.

- Foi nomeado Director do Centro de Assuntos Taurinos em 2019. Em 2020 entramos em pandemia. Não há tempo para colocar em prática ou começar a desempenhar as suas funções...

- Como todo o cidadão comum, trabalhámos fundamentalmente de maneira incansável para não perdermos a saúde, para recompor um estado de insegurança económica, social, cultural, desportiva e administrativa. A verdade é que 2020 foi o ano mais difícil das nossas vidas, onde não pudemos desenvolver normalmente o nosso trabalho, uma vez que vimos limitada a nossa liberdade de acção ou de actuar. Com a pandemia, e lamentavelmente, muitos aficionados e profissionais do mundo do toiro não sairam vitoriosos desta batalha do coronavírus. Estamos a recompor-nos desde 2021. Até agora seguimos lutando para refazer a nossa vida normal e sem dúvida continuar o nosso trabalho.

- Como representante dos toureiros, o que se pode fazer ou continuar a fazer mais pela tauromaquia?

- A tauromaquia, como dizia o meu companheiro Victor Barrio, “no se defiende, se enseña”. Não se deveria ter que defender uma actividade que está regulamentada pelo Ministério da Cultura, uma vez que a tauromaquia é a cultura mais enraizada neste país e a mais importante, com 14 mil hectares dedicados à criação do toiro bravo, ou seja, com mil explorações de gado. A festa de toiros é uma actividade que contribui muito para este país, por isso mesmo somos o segundo espectáculo de massas  que consegue reunir mais público, portanto não necessitamos defender-nos mas sim ”enseñarnos”. A Comunidade de Madrid, desde  o CAT, tem como objectivo fomentar, difundir e promover a festa de toiros em qualquer das suas vertentes, não só num festejo onde o homem arrisca a vida vestido de luces na arena, mas também através de vários acordos com a Fundação Toros de Lidia, onde levamos a festa de toiros a diferentes municípios com menos de 8 mil e 20 mil habitantes, onde celebramos vários espectáculos, desde corridas de toiros, novilhadas picadas, etc. Em Abril vamos modificar o regulamento dos espetáculos populares que está obsoleto desde 1996. Reabrimos o espaço El Batan, abrimos a Escola Taurina de Madrid que estava fechada há seis anos, e promovemos diferentes e  várias actividades sócio-culturais, não só na praça, mas também em vários municípios da Comunidade de Madrid, como por exemplo facilitar o livre acesso aos jovens que cada vez mais se interessam pela festa de toiros.

"A tauromaquia, como dizia o meu companheiro
Victor Barrio,
 “no se defiende, se enseña”. Não se deveria
ter que defender uma actividade que está regulamentada
pelo Ministério da Cultura, uma vez que a tauromaquia
é a cultura mais enraizada neste país e a mais importante"

- É mais fácil ser toureiro ou director do Centro de Assuntos Taurinos?

- Não tem nada a ver! Ser toureiro é a profissão mais bonita e mais difícil do mundo. Ser director do CAT é um trabalho que exige um empenho diário, ou seja, é o compromisso de alguém que luta para "enseñar" e proteger a festa de toiros dos  ataques de vários sectores que tentam cortar a liberdade de quem quer assistir a uma corrida de toiros.

- Na Feira de Outubro houve uma "polémica" entre si e Morante de la Puebla em plena trincheira de Las Ventas, que deu muito que falar. Como se sentiu com as palavras do maestro?

- Não me senti de nenhuma maneira em especial. O maestro entendeu que tinha algo que reclamar e criticar, e fê-lo. Eu ouvi as suas críticas com atenção. Futuramente vamos continuar a trabalhar como todos os dias para que  a praça e o  piso estejam em perfeitas condições.

- Algumas pessoas  criticam, outras menos, a sua gestão. Como é que lida com esta questão?

- Tenho empatia com as pessoas que criticam, oiço um ou outro, embora esteja mais concentrado em tentar gerir de uma forma eficaz e brilhante todo o trabalho que é feito a partir do Centro de Assuntos Taurinos. No que diz respeito às obras, já realizamos diferentes obras na praça de toiros de Madrid, os escritórios onde nos encontramos, o telhado e a casa do maioral, as fachadas e os telhados das gradas e andanadas. Também ampliamos os degraus que sobem dos tendidos bajos ao tendido alto. Inúmeros trabalhos de remodelação e restauro na praça. Vamos começar agora também a reconstruir o pátio de cavalos, vamos investir cerca de dois milhões de euros na restauração e consolidação da mais bonita praça de toiros do mundo.

- O balanço da temporada foi positivo...

- Penso que foi um balanço muito positivo. Vivemos dois anos muito difíceis, em 2020 foi uma época sem espectáculos. A temporada de 2021 foi uma temporada atípica com apenas 11 festejos, no entanto, na temporada 2022 apercebemo-nos de que as pessoas têm muita sede de ir aos toiros. Recuperamos cem por cento das entradas que foram vendidas em relação à última Feira de San Isidro, em 2019. E na Feira de Outono não só recuperamos como aumentamos o número de abonados  em cerca de 15% em relação aos já existentes. Por isso, acreditamos que o interesse em ir à praça de toiros de  Madrid está a crescer, e exemplo disso foi o caso histórico da final da última novillada en Las Ventas, "Camino hacia las Ventas”, uma novilhada sem picadores  em que pela primeira vez na história meteu cerca de 14 mil pessoas, ou, seja, em que mais de 10 mil eram pessoas com menos de 25 anos de idade. Isto mostra que o trabalho está a ser bem feito. Vamos continuar nesta linha, vamos continuar a melhorar para que os jovens e os menos jovens continuem a manifestar  interesse pela festa de toiros. Madrid é a primeira praça de toiros do mundo e tudo o que aqui é feito tem um especial impacto e relevância. Quanto aos números, estamos muito felizes, mais uma vez recebemos cerca de um milhão de espectadores durante toda a temporada desde Março até ao dia 12 de Outubro, Dia da Hispanidade. Continuamos a ser o quinto museu mais visitado da Comunidade de Madrid com cerca de 114 mil visitas. Quanto à parte artística, houve revelações muito importantes de jovens toureiros como Ángel Téllez, Tomás Rufo, Fernando Adrián, Francisco de Manuel, Álvaro Alarcón, etc. Quanto à consagração de toureiros, temos “El Juli”, Roca Rey e muitos outros toureiros que tiveram grandes tardes este ano na praça de toiros de Madrid.  Foram os vencedores de uma época difícil e que mostraram que a festa de toiros em Madrid está de boa saúde.

"Adoro ouvir a vossa Dulce Pontes, adoro
a sua voz. Adoro o fado, porque são músicas
melancólicas, tristes, mas bonitas"

Há uma frase muito curiosa que publicou no seu Instagram e que me chamou a atenção: "Te conviertes en las personas con las que pasas más tiempo. Eligelas bien”...

- Não há dúvida de que tens de ter ao lado pessoas importantes que contribuem  e acrescentam algo bom na tua vida. Se estás rodeado de pessoas positivas que te dão motivação de seguir em frente e não te deixam desanimar, desistir, então, sem dúvida que  vais ter muito mais confiança. Todos precisamos do apoio de um amigo, da família, para ajudar a ultrapassar os momentos menos bons, porque eles virão. Eu já passei por quase tudo, espero que não tudo, porque para mim seria muito aborrecido pensar que já fiz tudo na minha vida. Já passei por situações muito difíceis e complicadas e sempre tive e tenho pessoas que me apoiaram e que me apoiam.

- Miguel, que mensagem quer deixar aos aficionados portugueses…

- Portugal tem uma cultura profundamente enraizada, no que diz respeito à tauromaquia. Onde o toiro e o cavalo são os principais protagonistas da festa, não devem deixar-se enganar, nunca devem perder a ilusão ou o orgulho de dizer abertamente que são aficionados ao campo, ao toiro e ao cavalo, porque ser aficionado aos toiros é um orgulho. Somos pessoas de respeito, pessoas civilizadas que temos muitas razões para nos orgulhar e nos manter a cabeça erguida.

- Para rematar esta faena Se tivesse que escolher um vinho seria branco ou tinto?

- Depende da refeição. Gosto de vinho, tanto gosto de tinto como de branco.

- Um livro?

- Estou a ler neste momento “O Paciente”.

- Um filme?

 - “Cadena perpetua”. 

- Uma canção?

 - “Say you love me” de Jesse Ware. Ah! Adoro ouvir a vossa Dulce Pontes, adoro a sua voz. Adoro o fado, porque são músicas melancólicas, tristes, mas bonitas.

- Miguel Abellán, não é uma pessoa triste…

- Não, não sou uma pessoa triste e não canto, mas gosto de ouvir cantar… gosto da melancolia! 

Fotos Manuel Delgado/Miguel Abellán/Facebook, las-ventas.com e D.R.