sábado, 15 de setembro de 2018

Moita, 4 horas de tourada: valha-nos Nossa Senhora!



Um "rinoceronte" da ganadaria António Silva foi devolvido aos currais por ser manso (estranho...) e demorou quase hora e meia a sair da arena. O concurso de ganadarias deixou muito a desejar. E a tourada de ontem na Moita, última da Feira, com menos de meia casa, um cartel-salganhada e todo o mundo bêbedo na rua, demorou "só" quatro horas. Foi uma seca das antigas. Admira-me imenso que o público ainda vá aos toiros neste país. É o melhor público do mundo!

Miguel Alvarenga - Cheguei a casa, a Lisboa, com o meu querido Emílio (que hoje faz anos - Parabéns a você), já passava das três e meia da matina... e só tinha ido a uma tourada à Moita, aqui ao lado. Foi como se tivesse ido longe, a Espanha ou coisa parecida. Tudo porque a última corrida da Feira da Moita se arrastou ao longo de quatro longas e intermináveis horas - começou às dez e acabou às duas... -, foi uma seca das antigas, admira-me imenso que o público (menos de meia casa, o que se explica pela salganhada do elenco artístico) se tenha mantido nas bancadas até ao fim. Aplaudo-o por isso. Presto-lhe a minha maior homenagem. Temos, na realidade, o melhor público do mundo.
O cartel tinha pouco interesse - para não dizer que não tinha mesmo interesse nenhum. Era uma autêntica salganhada. Estive mesmo para não ir. Já não tenho idade nem pachorra para fazer fretes. Mas fui. Fui, primeiro que tudo, porque se rendia homenagem à memória do filho do meu amigo João Quintella, o Fernando de que nos lembraremos sempre, que, faz hoje um ano, sofreu naquela mesma arena uma colhida fatídica a pegar um toiro. Fui também porque era uma noite de alternativa, a da jovem cavaleira Verónica Cabaço, que é valente como as armas. E fui porque me interessava ver o promissor António Prates, que toureava a substituir o mexicano Emiliano Gamero, que dizem ter sofrido uma queda, mas que me garantem ter sido outra a "queda", enfim...
Fui, mas arrependi-me. Não me enganam outra vez.
O Pedro Brito de Sousa, que é presidente da Sociedade Moitense de Tauromaquia e é meu amigo de longa data (andámos juntos no Liceu Dona Leonor nos tempos complicados do PREC) diz sempre que eu sou "contra a Moita" e ontem voltou a brincar com isso. Não sou, Pedro, nunca fui. É ao contrário. A Moita é que é contra mim. E me prega secas como a de ontem... Chiça, penico, chapéu de côco!
A ver se nos entendemos. Rafael Vilhais, que é um empresário respeitável, empreendedor, dinâmico e sério, levantou várias praças que estavam mortas. A de Salvaterra, a das Caldas, a de Moura. Nas praças que pega, ele faz história. Na Moita ainda não conseguiu encontrar a fórmula mágica de lhe dar a volta. Mas também é preciso dizer que não se tem esforçado muito por isso. Esta Feira era estranha. A primeira corrida, a mista, com um valoroso Manuel Escribano que aqui "não pinta nada", era de prever que não arrastasse público. À novilhada as pessoas não foram apenas e só porque é mentira que haja por cá aficion pelo toureio a pé, isso é uma treta. Houve no Campo Pequeno, mas voltou a arrefecer depois do escândalo dos toiros na noite de Morante e Manzanares, a ver vamos se na quinta-feira Padilla volta a levar público a Lisboa, acredito que sim, mas só depois de ver. Para crer, como o velho São Tomé, que foi homem previdente e de uma rara sapiência.
Houve gente na Moita na quinta-feira, mas também era o que mais faltava que não houvesse, o cartel era de máxima categoria. Ontem não houve. Mas também era previsível que não houvesse. Na sexta-feira da festa do fogareiro (nunca tinha ido e juro que não volto), a malta quer é copos e bois nas ruas. Ir à praça, tá quieto, vou ali e já volto. E ainda para mais com um cartel-salganhada como o de ontem...
Era um concurso de ganadarias. Mas todo o mundo sabe, não é preciso ser sábio, que um concurso de ganadarias em fim de temporada é sempre uma limpeza de currais. Foi ganho "a dobrar", arrecadando os prémios de bravura e de apresentação, o toiro do Engº Jorge de Carvalho (na foto ao lado), lidado por Filipe Gonçalves. Distraído e desinteressado no início, foi cescendo e empregou-se. Ninguém protestou a decisão do júri - mas também ninguém a aplaudiu. Em terra de cegos, já dizia o outro, quem tem olho é sempre rei. E àquela hora já estava tudo farto de estar ali. Ganhasse quem ganhasse, isso já era indiferente, queríamos era ver aquela chatice despachada. E dos cinco toiros que foram a concurso, só estavam quatro representantes na arena na hora da entrega do prémio. Um já se tinha ido deitar. E fez ele bem.
Em segundo lugar, para Ana Batista, saíu um "toiro" de António Silva com 650 quilos que mais parecia um rinoceronte (a morfologia do toiro bravo não tem nada a ver com isto, creio que não é preciso ser veterinário para saber isso...) que, ao que me disseram, não sei se é verdade, já tinha andado aí por várias praças como sobrero. A realidade é que parou no centro da arena e não mais se mexeu. Não era coxo, via melhor que eu com óculos e não me pareceu que tivesse algum defeito para ser recolhido. Era apenas manso. Mas foi mandado para dentro. E aí começou a tourada. Nem bandarilheiros com o capote, nem depois de laçado, desta vez nem a aficiência do embolador Luis Campino e muito menos a dos campinos o convenceram a recolher aos currais, estivemos nisto quase uma hora e meia. É ou não é preciso ter uma paciência de santo para ainda ir aos toiros neste cantinho à beira mar plantado? Chiça, que é demais!
Enfim, não me vou alongar muito mais. Deitei-me tarde, estou estoirado, farto de touradas. E também não me lembro quase de nada. Verónica Cabaço andou limpa e desembaraçada, é valente e tem garra, com um toiro de Prudêncio mansote e complicado. Presumo que tenha ficado aprovada na alternativa, hoje ficam todos, o único que um dia foi chumbado, imaginem, foi o grande Mestre Batista. Gilberto Filipe lidou com desenvoltura o toiro de Veiga Teixeira, que teve classe e foi nobre, sem ser propriamente bravo. Filipe Gonçalves insistiu nos "quiebros", vistos e que entusiasmaram, mas não passou disso e agora tem um número novo com um cavalo preto que se empina e anda na arena como andam os do circo, como Cartagena e Ventura têm e fazem isso em Espanha, mas não é número para uma praça de categoria (a Moita, apesar de tudo, ó amigo Pedro, é ainda uma praça de categoria!) e muito menos para a sobriedade e a seriedade com que se tem que inerpretar o toureio a cavalo em Portugal. Gosto muito e admiro muito o Filipe, mas confesso que não gostei nada desta brincadeira, mais própria, isso sim, para o pagode das portáteis. Ana Batista lidou um sobrero de Passanha com a classe com que sempre toureia, apesar de um ou outro toque e um o outro ferro falhado. Quem mais empolgou o público, primeiro porque é bom e depois porque está muito toureado e soberbamente momtado, foi o espanhol Andrés Romero, com um toiro de Canas Vigouroux, que foi crescendo ao longo da lide. E depois, também, o jovem António Prates, que não anda aqui para ser mais um e já todos entenderam que caminha a passos de gigante para uma posição de destaque nesta Festa.
Uma pega enorme do poderoso Manuel Pinto, dos Amadores de Alcochete, ao último toiro da corrida, de Fernandes de Castro (que apenas cumpriu na lide e derrotou depois forte e com violência o forcado, mas ele aguentou-se que nem um herói e o grupo, dos melhores, esteve coeso a ajudar), marcou a corrida e destacou-se no que à forcadagem diz respeito.
António Torres (à primeira), José Maria Passanha (à primeira) e Ricardo Sousa (à quinta, um verdadeiro gladiador, valente até dizer chega, grande e valoroso forcado) foram os forcados da cara pelos Amadores de Évora. Pelos de Alcochete pegaram ainda João Guerreiro (à primeira) e Vitor Marques, com valentia e decisão na sua primeira intervenção, depois de quatro tentativas de Pedro Gil, que saíu lesionado.
Cavaleiros e os dois grupos de forcados dedicaram ontem as suas lides a Verónica Cabaço e em simultâneo ao Grupo de Forcados de Alcochete e a João e Joaquim Quintella, pai e irmão do saudoso Fernando.
Quatro horas depois, na noite mais longa (corrida dirigida por Manuel Gama e pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva, tudo acertado, só não entendi os porquês da recolha do bisonte da ganadaria Silva, acho que por serem mansos os toiros não têm que ser substituídos, ao menos que tivesse levado um ferro para se ver como reagia, digo eu...), saí estafado da praça e deliciei-me com uma bifana e uma imperial, mais o Emílio, enquanto as bebdeiras prosseguiam à nossa volta, até tipos caídos no chão vi (deprimente esta estupidez do fogareiro ou lá como lhe chamam...).
Valeu só pela homenagem à memória do Fernando Quintella. Pelo painel de azulejos descerrado ao intervalo. Pela sempre digna presença do meu querido João, o pai-coragem, bem como do Joaquim, o outro filho, irmão do Fernando e que foi também valente forcado do Grupo de Alcochete. Só por isso, eu não podia faltar. O resto, valha-nos Nossa Senhora!

Mais logo, se eu achar que vale a pena (sei lá... depois de uma seca destas!), talvez publique as fotos do Emílio da tourada-salganhada de ontem...

Fotos D.R. e António Lúcio/barreira de sonbra