Manuel Maria Múrias, director do jornal "A Rua". E em baixo, eu com Amália num evento da Real Tertúlia |
Esta é a história da entrevista que em 1980 fiz a Amália... na cama!
Miguel Alvarenga - No início de 1980, eu tinha 21 anos e era um jovem repórter do semanário "A Rua", dirigido por Manuel Maria Múrias, depois de quatro anos antes ter dado os primeiros passos na profissão como estagiário na fundação de "O Diabo" (1976) de Vera Lagoa, que entretanto fora suspenso pelo Conselho da Revolução (logo ao primeiro número!). O jornal regressaria em 1981 e eu voltei para a equipa de Vera Lagoa.
Em Fevereiro desse ano de 1980, Amália Rodrigues regressara aos palcos, num grande espectáculo no Coliseu dos Recreios - de homenagem a José Castelo - depois de ter estado uns tempos afastada por problemas cardíacos.
Uma manhã Manuel Maria Múrias chamou-me ao seu gabinete e disse-me: "Vais fazer uma entrevista à Amália!". E eu fui.
Telefonei e marquei o dia e a hora com uma senhora que penso que era a secretária da Diva.
Fui com o fotógrafo, a meio da tarde, no dia marcado, a casa de Amália, na lisboeta Rua de São Bento, onde hoje é a sua Casa-Museu.
Tocámos à porta e abriu a secretária. "É o jornalista d'A Rua', não é?". E contou-me então que houve um contratempo:
- A Senhora está de cama, sentiu-se mal de manhã, não é nada de grave e por isso pediu para não haver fotografias. Mas vai recebê-lo na mesma.
Na cama?, pensei eu. O fotógrafo foi-se embora, uma vez que Amália, se estava na cama, não queria ser fotografada. Entrei eu. Subi com a secretária e quando cheguei ao quarto, lá estava a Rainha do Fado, encostada ao travesseiro, deitada na cama. Uma cadeira ao lado para mim.
- Sente-se, desculpe lá, mas não me sentia muito bem e deitei-me, mas como a entrevista estava marcada, vamos fazê-la na mesma.
A vedeta dos palcos não tinha nada de vedeta, era a Mulher mais normal que se possa imaginar.
- Olhe, tem uma cruz muito gira ao peito, deixe-me lá vê-la - disse.
E eu mostrei.
- Muito bonita - comentou Amália.
Falámos um pouco, falámos do sucesso que fora, dias antes, o seu regresso ao Coliseu dos Recreios, a que eu tinha assistido e feito a reportagem, e depois ela disse:
- Bom, mas vamos lá à sua entrevista, o que me quer perguntar?
E lá fomos à entrevista - que mais logo aqui vou publicar na íntegra, em jeito de recordação, mas em jeito sobretudo de homenagem a Amália. Foi publicada na edição de "A Rua" de 14 de Fevereiro de 1980 - já lá vão 40 anos.
Quando cheguei ao jornal, o Manuel Maria perguntou-me?
- Então, correu bem a entrevista à Amália?
- Correu, foi feita na cama e por isso não houve fotos, temos que nos valer de alguma de arquivo.
- Na cama?... - perguntou, esupefacto.
- Sim, a Amália sentiu-se mal, mas não quis deixar de dar a entrevista. Perguntou por si, mandou-lhe um beijo. E não quis fotografias, como é natural...
Manuel Maria riu-se: - Só ma faltava essa, a Amália entrevistada na cama!.
Depois trocámos impressões, fui escrever (na minha saudosa máquina, que nesse tempo e, felizmente, ainda não havia computadores) e eu contava, a abrir, a história de ter feito a entrevista na cama.
O director leu-a atentamente e depois atirou:
- Está porreira, fantástica, puto! Mas emenda lá essa parte da entrada, diz que a entrevista foi feita na sala e não na cama, que pode parecer mal...
E assim fiz. Emendei e até hoje ninguém mais sabe que entrevistei a grande Amália na cama. Estou agora a revelá-lo, 40 anos depois.
Como não houve fotografias, a única que tenho perto de Amália é esta aqui ao lado, tirada pelo Marques Valentim uns anos depois num evento da Real Tertúlia Tauromáquica D. Miguel I, na praça do Campo Pequeno, onde a Amália foi algumas vezes acompanhada pelo antigo cavaleiro D. Francisco de Mascarenhas, de quem era muito amiga.
Estive com ela mais três ou quatro vezes, nestes e noutros eventos. Dizia-me sempre com graça: "Você foi o único jornalista que me fez uma entrevista na cama!".
Mais logo, não perca aqui no "Farpas" a entrevista a Amália, em Fevereiro de 1980, no jornal "A Rua"
Fotos D.R. e Marques Valentim