Queremos touradas com gente e com ambiente, espere-se o tempo que for preciso! Sem público é que não, valha-nos Deus! |
Tourada sem público é pior ainda que um jardim sem flores... |
Como sempre actuando em contramão e em lugar de assumirem as formas de luta que se exigem para que os governantes olhem de uma vez por todas de frente para o sector tauromáquico, as associações representativas da classe tiveram agora a luminosa ideia de organizar touradas sem público. Não lembra nem ao Diabo, mas eles pensam que descobriram a pólvora…
Miguel Alvarenga - Oficialmente, não sei de nada. Alguns empresários descontentes com a ideia dizem-me que é verdade e que as associações do sector estão a programar em segredo, sem lhes darem cavaco, a organização de touradas à porta fechada, ou seja, sem um dos elementos mais importantes do espectáculo - o público.
Touradas que não teriam receita económica para lá do dinheirinho que o público pagaria para assistir a elas através de “canais televisivos” nas redes sociais ou, eventualmente, de alguns apoios publicitários que garantiriam alguns cêntimos para pagar um maço de tabaco aos toureiros que fumam, um charuto dos mais baratos aos senhores ganadeiros e eventualmente uma imperial a cada quatro forcados dos grupos.
Mas que haja ou não haja dinheiro numa realização dessas é o que menos me importa. Se toureiros e forcados e ganadeiros se dispõem a trabalhar gratuitamente a favor da sua causa e em vez de estarem parados em casa e de os toiros seguirem o rumo do matadouro, é com eles. Os homens dos toiros foram sempre solidários e altruistas, bondosos e beneméritos e nunca viraram a cara a actuar sem receber um tostão, a favor de causas nobres. E a tauromaquia é uma causa muito nobre.
Mas pergunto: faz sentido uma tourada sem público? Um jogo de futebol sem assistência? O futebol é outro mundo, muito diferente do da tauromaquia e até pode ser que seja viável e compensatório a nível económico levar a efeito os jogos sem público, porque certamente existirão patrocínios chorudos e suficientes para substituir o dinheiro que os espectadores deixariam na bilheteira. Mas nos toiros o caso muda de figura. Não é assim. Todos o sabemos.
Touradas sem o calor do público, sem os aplausos, sem os assobios, sem as broncas, sem apoteose e sem flores, sem mulheres bonitas e tipos tradicionais, é uma coisa que não faz sentido nenhum - porque é, acima de tudo, contra-natura.
E que incentivo pode um toureiro sentir a actuar numa praça vazia, a não ser, provavelmente, o dos gritos histéricos do apoderado, desde a trincheira e ainda por cima em espanhol, como costumamos ouvir: "Bien, bien!...".
Falta o ambiente todo, o burburinho da bancada, o colorido - falta a vida.
Por outro lado, levar a cabo “espectáculos” desse género desvirtua por completo a essência da corrida de toiros e acaba por dar uma imagem muitíssimo negativa do sector.
A tauromaquia é, já por si e pela sua falta de afirmação, o patinho feio do mundo da Cultura. Os homens que nos governam, do Presidente da República ao primeiro-ministro e aos partidos, excepção feita ao CDS que nos continua a defender, estão-se positivamente nas tintas para a tauromaquia. Nos encontros que tiveram esta semana com os agentes do mundo cultural, ignoraram-na por completo. E os homens dos toiros também não fizeram nada para que isso não fosse assim.
Em lugar de se afirmarem, ficaram calados. Podiam ter feito o quê?
Podiam ter feito muita coisa. Podiam ter agarrado nos cavalos, nas chocas, nas fatiotas de toureiros e deveriam ter ido para a porta do Palácio de Belém, para a porta do Palácio de São Bento, dizer que existem, mostrar que também são gente, que não pode haver filhos e enteados, afirmar que estavam ali, que se sentiam marginalizados e que não mereciam sê-lo.
Se não sabem como se fazem esses protestos, perguntem ao Fernando Guarany - que em 1977 se pôs vestido de toureiro dentro de um caixão à porta do Campo Pequeno a reclamar uma oportunidade de tourear na primeira praça do país e ao fim de um mês a esgotou. Ele ensina-vos como se faz.
Se as associações do sector tivessem organizado algum protesto mediático desse género, teriam chamado a atenção, teriam tido um mediatismo imediato e hoje todo o mundo estaria a falar dos toureiros - e certamente a apoiá-los e a reconhecer que eles, afinal, também são gente, que também são Cultura e que também merecem, como os músicos, os actores e os futebolistas, ser recebidos pelas Excelências que nos governam.
Em vez disso, escreveram uma carta aberta à Senhora ministra da Cultura, assinada pelas associações de empresários, de toureiros e de forcados e não pela de ganadeiros (esqueceram-se deles?), carta que a ministra deve ter lido tanto como leu a última revista do Tio Patinhas…
Em vez disso, querem agora denegrir a imagem dos toureiros organizando essa fantochada das touradas em público. Para mostrar o quê?
Para mostrar a sua pequenez de espírito e a sua gritante falta de força para se imporem.
Parece a história dos meninos irritantes que havia sempre nas nossas turmas do liceu e com quem ninguém gostava de brincar e então eles iam brincar sózinhos, longe de todos, jogavam à bola contra uma parede, jogavam ao berlinde sem parceiros, brincavam à apanhada sem ninguém que os apanhasse…
É essa a imagem que vai ficar quando os toureiros entrarem nessa coisa de tourearem para as moscas, de brincarem sózinhos, sem público nas bancadas. Pelo menos safam-se de uma coisa: ninguém vai poder dizer que não têm força de bilheteira para levar público às praças, porque agora não vai mesmo haver público.
Por outro lado, vão abrir um precedente gravíssimo e ainda não se aperceberam disso: vão mostrar ao mundo como serão as touradas do futuro, quando o público se fartar de ver sempre a mesma coisa e deixar de ir às praças - porque nunca se lembraram de inovar.
Morante de la Puebla disse que era “um sacrilégio” fazer corridas sem público. E as mentes superiores da nossa Festa, as associações representativas do sector, vão atirar-se de cabeça para uma piscina sem água e dar de barato aos antitaurinos a imagem do “sacrilégio” porque eles tanto lutam há anos: aqui têm, meus senhores, o desinteresse do público pelas touradas, tão grande que nem cá vêm.
A PróToiro não tinha anunciado no Dia da Tauromaquia um novo canal televisivo na internet, com o José Cáceres e tudo? Porque é que esse canal desapareceu? Porque é que não o põem a funcionar, com corridas antigas, com reportagens actuais, já que nos pretendem entreter neste período em que não se podem realizar corridas de toiros?
Deixem-se de ideias disparatadas. Façam-se mas é a vida, lutem pelos vossos direitos, pela vossa importância, imponham-se junto dos políticos, manifestem-se à porta da Assembleia da República, do Palácio de São Bento, do Palácio de Belém, demonstrem a vossa força, chamem os jornalistas, ponham o país inteiro a falar da tauromaquia, em vez de pensarem em organizar touradas à porta fechada, sem público e sem calor. Para que todos ainda se riam mais de vocês, ainda os achem mais os “desgraçadinhos” da Cultura a que ninguém passa cartão.
E além do mais, não estão a inventar nada nem a descobrir a pólvora. No dia em que as touradas à séria voltarem, vai mesmo haver touradas sem público. Porque, primeiro, o público não vai ter dinheiro com toda esta crise económica que se está a viver. Segundo, porque enquanto não houver a vacina e a cura para a Covid-19, o público não vai arriscar meter-se em confusões. Terceiro, porque o Governo pode - e deve - seguir as mesmas medidas que foram anunciadas em Espanha e obrigar os espectadores a ficarem muito espaçados uns dos outros, o que diminuirá subtancialmente a lotação autorizada e deixará na realidade a imagem de uma praça vazia.
Mais vale ter calma e serenidade e esperar o tempo que for preciso para que as corridas se voltem a realizar como sempre. Toda e qualquer precipitação, como este disparate de pensar fazer touradas sem público, terá sempre um efeito negativo e ainda mais perturbador para a tauromaquia.
Pensem nisso, deixem de uma vez por todas de ser os patinhos feios.
Fotos Maria Mil-Homens e M. Alvarenga