segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Diogo Peseiro por ele próprio: "Já pensei mil vezes em desistir, mas encontrei sempre mil e uma razões para continuar!"

Diogo Peseiro toureou apenas duas corridas de toiros em Portugal (Azambuja e Almeirim), mas em Espanha deu este ano passos importantes e já por lá falam do seu nome. Tomar a alternativa e tornar-se o novo matador de toiros nacional é agora o grande objectivo, a grande meta de todas as maratonas (e tem corrido algumas!). Fazer o balanço da sua temporada e saber dos projectos para o futuro foi o objectivo desta entrevista. O jovem toureiro, radicado em Salamanca, confessou ao “Farpas” que “já pensou mil vezes em desistir”, mas encontrou sempre “mil e uma razões para continuar”. “Não é fácil e é duro” ser toureiro a pé num país onde as oportunidades escasseiam. Mas Peseiro é um lutador, um corredor de maratonas. E acredita que a sua hora há-de chegar. Vamos ouvi-lo - Diogo Peseiro por ele próprio!

Entrevista de Miguel Alvarenga


- Já aqui falámos, numa entrevista anterior, do que significou para si esta temporada de 2021, os triunfos em Espanha, o começar a dar nas vistas entre “nuestros hermanos”, a importância que teve a corrida de Almeirim onde repartiu cartel com António Ferrera. Pergunto-lhe agora: sente-se realizado ou, mesmo assim, “soube a pouco”, queria mais?

 

- Sendo ambicioso e exigente como sou, obviamente que soube a pouco. Mas tenho bastante orgulho no que consegui esta temporada. Não é fácil ter as oportunidades, mas pouco a pouco vão surgindo e todo o esforço está a ter a sua recompensa.


- Toureou duas corridas em Portugal, uma na Azambuja e outra em Almeirim. E nenhuma novilhada. Pode um toureiro ficar satisfeito com apenas duas presenças na temporada do seu país?


- Para amadurecer é necessário tourear, não haja dúvidas! É uma pena o número tão reduzido de corridas mistas em Portugal e o praticamente inexistente número de novilhadas (utreros), o que é lamentável. Porque as figuras do toureio foram novilheiros um dia... Dada a situação global estou bastante agradecido, continuo a lutar pelo meu sonho e a crescer dentro do meu conceito. Foram apenas duas corridas em Portugal mas ajudaram-me bastante a encontrar-me emocionalmente, porque o toureio é isso mesmo. Sentimentos...

 

- Apesar de todas as condicionantes em Portugal, da falta de corridas mistas, o Diogo continua a lutar. Este ano, retiraram-se o matador Nuno Casquinha e o novilheiro praticante Duarte Silva, presumo que desanimados com toda esta situação. O que o anima para prosseguir?

 

- Não lhe vou mentir, Miguel, desistir já me passou mil vezes pela cabeça, mas felizmente encontrei mil e um motivos para continuar. É duro e difícil. Exige uma entrega total à profissão, abdicar de muitas coisas. Quando se toureia tão pouco custa muito vencer o nosso instinto de conservação e entregar-nos à possibilidade de perder a vida nesse momento. Falando há dias com o Maestro Ruiz Miguel, perguntei-lhe de que mais saudades sentia, e respondeu, com o rosto visivelmente triste, que era de tourear. Essa sensação de liberdade, de verdade, de pureza, não se encontra em nenhum outro lugar nesta vida. 


Além de tourear, tem mais alguma actividade profissional?


- Sou Licenciado em Gestão, o próximo passo seria o Mestrado, mas o sonho de tomar a alternativa está em primeiro lugar.

 

- Tomar a alternativa e tornar-se matador de toiros é certamente agora o seu grande objectivo. Projectos já existem? Será em 2022?


- Já existiram, mas resolvemos esperar e penso que 2022 será o ano. Este ano ganhámos visibilidade. E para tomar a alternativa não há que ter pressa, tem que ser no momento exacto para evitar o “banquillo".

 

- Temos actualmente um bom, ainda que reduzido, naipe de matadores de toiros portugueses. À excepção de “Juanito”, que está a começar a afirmar-se em Espanha, os restantes toureiam só em Portugal - e pouco. O país do toureio a pé continua a ser Espanha, onde, aliás, o Diogo vive. Acredita que um dia se afirmará de vez em Espanha e aí fará carreira, como aconteceu com Vitor Mendes, a última grande figura de Portugal que singrou no país vizinho? 


- Esse é o meu objectivo. Relativamente ainda à pergunta anterior, já poderia ser matador de toiros neste momento, mas ... estaria "condenado" a tourear apenas em Portugal. A pátria do toureio a pé é aqui (Espanha) e aqui continuo a minha luta. Como nunca pertenci a nenhuma escola espanhola e decidi seguir os meus estudos, é muito mais difícil... mas não desisto!


- O facto de dominar tão bem o tércio de bandarilhas pode ajudar, como ajudou o Maestro Mendes, a triunfar em arenas espanholas? 


- Em algo ajuda, sim, apesar de o importante ser sem dúvida a muleta e a espada. Que este ano me levou alguns triunfos mas já estamos a trabalhar arduamente para que não se volte a repetir.

 

- Quem são os seus ídolos no toureio a pé?

 

- Taurinamente a todos respeito e de cada matador há algo que idolatro. Mas àparte do taurino, passando à parte do ser humano, admiro José Tomás. Pela verdade com que anda e se expressa. Por isso toureia pouco. Porque é muito difícil aceitar a tua morte anualmente mais que um par de vezes.

 

- O seu irmão quis ser cavaleiro tauromáquico, ainda toureia ou já desistiu? Quem na vossa família os levou aos dois a quererem ser toureiros? Havia antecedentes, algum familiar que tivesse toureado?

 

- Antecedentes não, o meu irmão tem a paixão pelos cavalos, quis ser e diverte-se quando quer. A vida, lá está, nem sempre vem a favor dos nossos sonhos e partiu um pouco dele a minha afición.

 

- Pensa na morte quando se veste de toureiro?


- Penso todos os dias, menos quando toureio. Aceitar a nossa morte, fará com que aproveitemos cada dia como se fosse o último, e isso torna-nos muito mais felizes e a valorizar realmente o que importa. Quando toureio é um alívio, é poder expressar tudo o que sinto, se morrer morro feliz, esse dia vai chegar, ninguém é imortal, e se puder escolher, que seja a fazer o que realmente amo.

 

- Não é fácil deixar a família, os amigos e o país e ir viver para Espanha. Quem o tem ajudado? 


- Na altura da Academia do Campo Pequeno, o Maestro Rui Bento foi a "ponte" que me ligou a Espanha e especialmente a Salamanca, a partir daí foi caminhar sózinho, criar amizades e, graças a Deus, hoje tenho pessoas de bem a meu lado. 


- Tem namorada? 


- Neste momento não. É difícil, Miguel, que uma pessoa aguente a distância ou mesmo a vida que levo de viver para o toureio. Quando gosto de alguém, eu mesmo me afasto porque é algo a que não quero sujeitar ninguém. A vida é curta e temos que ser felizes. 


- Os empresários taurinos portugueses têm apoiado o toureio a pé? E a crítica?


- Penso que estamos a ter um "giro" na tauromaquia e eu sou da opinião que quanto mais variado possa ser um espectáculo mais atractivo e menos cansativo se pode tornar. É pena que às vezes apoiemos mais quem vem de fora do que os nossos valores, que são bastantes. Porque aqui em Espanha é tudo ao contrário, apoiam os valores nacionais e penso que por aí possa estar a solução. 


- Lembra-se do dia em que decidiu que queria ser toureiro e o disse a seus pais? O que disseram eles? 


- Não me lembro, as minhas primeiras recordações são a colocar pares de bandarilhas nos sofás ou em montinhos de areia na praia. Felizmente os meus pais sempre me deixaram ser o dono do meu destino e graças a eles tive livre arbítrio, o que me permitiu enganar-me, aprender, crescer e tornar-me na pessoa que sou hoje.


- Esteve primeiro na Escola de Toureio da Azambuja e depois na Academia de Toureio do Campo Pequeno. Foi positiva essa aprendizagem?

 

- Claro que sim, foi onde aprendi as minhas bases e há muitos concelhos, sobretudo do Maestro José Luis Gonçalves, que ainda hoje tenho presentes.


- É supersticioso?


- Alguns detalhes, mas nada de muito excessivo. Quando algo corre bem, o nosso cérebro tende a querer repetir tudo da mesma forma para conseguir o mesmo desfecho, mas nem sempre é assim. 


- No ano passado teve uma experiência importante no ciclo de novilhadas que se realizou no México. Fale-me um pouco dessa vivência.


- Foi uma experiência diferente. Pude conviver com figuras do toureio, companheiros e aprender a tauromaquia mexicana, que me motivava bastante curiosidade.

 

- Qual o seu maior sonho neste momento?


- Que o covid nos dê uma trégua! Dia a dia, é ser feliz. Profissionalmente, a alternativa sem dúvida. 


- E enquanto estamos no defeso, vai-se preparando e correndo maratonas. Desafios que o incentivam para também no mundo do toureio um dia cortar a meta em primeiro lugar?… 


- Sou adicto a desafios e à actividade física. As maratonas, àparte do grande esforço e sacrifício que exigem (que eu nunca me preparo), também me trazem grande satisfação e alegria, servem como treino, mas sem a monotonia que por vezes se torna.

 

- O que podem os aficionados esperar de Diogo Peseiro na temporada de 2022?

 

- O mesmo que vem caracterizando todo o meu trabalho de sempre. Uma entrega máxima e com a verdade por diante!


Fotos D.R. e A. Lara/@Diogo Peseiro