segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

João Moura Caetano: "Tento tourear ganadarias boas, mas sou profissional e estou preparado para enfrentar qualquer tipo de toiro!"

João Moura Caetano deixou de ser apoderado por Luis Miguel Pombeiro (mas continuam amigos!) e não vai nomear um novo apoderado para Portugal. O espanhol Julian Alonso passará a partir de agora a gerir a sua carreira em Portugal, Espanha e França. Mas a sua estratégia para 2022 passa por tourear menos em Portugal e mais em Espanha, não afastando contudo a hipótese de realizar um gesto diferente, um mano-a-mano ou uma nova encerrona numa praça nacional para comemorar os seus quinze anos de alternativa, efeméride que a pandemia impediu de ser devidamente celebrada em 2021. Faz um balanço positivo dos últimos anos, liderou o escalafón espanhol no ano passado e diz que isso lhe deu grande motivação para fazer mais e melhor na temporada que se avizinha e que vai iniciar no próximo dia 26 de Fevereiro em Aracena com Cartagena e Andrés Romero. Fala dos êxitos das ganadarias da casa em Espanha e aborda, pela primeira vez, o tema do “selo” que lhe puseram em Portugal de se recusar a lidar ganadarias duras, diz que é uma falsa questão e que os seus maiores êxitos foram obtidos com toiros de Cunhal Patrício, de Murteira Grave e de Veiga Teixeira. “Estou pronto e estou preparado para enfrentar qualquer toiro”, garante. Fica aqui a conversa, a entrevista, que tivemos num dia de sol em Monforte.

Entrevista de Miguel Alvarenga


- 2020 e 2021, dois anos afectados pela pandemia, foram temporadas complicadas, mas mesmo assim triunfais para si. Sobretudo em Espanha, onde marcou uma posição, está hoje mais posicionado entre os primeiros, liderou o escalafón no ano passado e teve um fim apoteótico da sua campanha no Campo Pequeno na última corrida do ano, em noite de alta competição com Luis Rouxinol e Pablo Hermoso. Como encara a temporada de 2022?

- Penso que foram duas temporadas fulcrais na minha carreira. Falo sobretudo das temporadas de 2019 e de 2021, já que na de 2020, primeiro ano da pandemia, infelizmente e como se sabe, houve muito poucas corridas. Mas a de 2021 foi importante, foi uma temporada em que me situei no primeiro posto do escalafón e, mais que isso, consegui uma regularidade em Portugal e em Espanha que eu buscava há algum tempo. A última corrida do Campo Pequeno foi realmente muito importante para mim, porque é a primeira praça mundial do toureio a cavalo e, dada toda aquela dimensão que alcancei nessa noite, foi um sonho realizado que, por este ou por outro motivo, no Campo Pequeno não tinha ainda atingido, não me tinha ainda sentido tão a gosto como me senti nessa noite. Foi uma corrida que me encheu a alma enquanto toureiro. A temporada em Espanha também me correu bem, porque consegui entrar em muitas praças boas, com cartéis bons…


- E nalgumas também com triunfos como ganadeiro…

- Exactamente, nalgumas delas com os toiros da casa, que realmente sairam bem e isso também foi um ponto positivo, porque também trabalhamos para sermos bons ganadeiros. E, portanto, foi uma temporada muito positiva e em que se abriram outros horizontes, nomeadamente em Espanha. Uma temporada em que se abriram outros sonhos e eu quero correr atrás deles. Foi uma temporada essencialmente de abertura de novos horizontes e também de grande consolidação, que me deixou a motivação em alta para continuar e para dar o meu máximo.



- Entretanto houve alterações no apoderamento. Tem agora a seu lado um importante taurino espanhol, Julian Alonso, saíu Luis Miguel Pombeiro, pergunto-lhe se vai ser Julian a gerir a sua carreira também em Portugal ou se tenciona ainda nomear um novo apoderado para cá.

- Já era amigo e continuo a ser amigo do Luis Miguel Pombeiro, tivemos uma experiência positiva em 2021, mas que terminou, sem atribulação alguma, falámos e considerámos que cada um seguiria o seu caminho, é uma coisa normal que acontece. A partir de agora será Julian Alonso o meu único apoderado. É um taurino muito importante, que eu conheço desde sempre, desde que fui para Espanha e neste momento vai ser o meu único apoderado, vai gerir a minha carreira em Portugal, Espanha e França. É o único apoderado neste momento. Estou cheio de ilusão nesta nova página da minha carreira. No ano passado o Julian já tinha estado a meu lado, enquanto empresário, contratou-me para várias corridas importantes, com categoria, que me deixaram a motivação em alta como disse há pouco, portanto estou contente com o panorama actual e espero que resulte.


- João, você tem aqui em Portugal o “selo” de não querer tourear as chamadas ganadarias duras, mas eu lembro-me de vários triunfos seus com toiros desse tipo… Esse “selo” é uma falsa questão ou tem o seu quê de verdade?…

- Eu sou sincero enquanto toureiro e enquanto pessoa e o toureio para o qual eu treino e que me toca mais enquanto toureiro e enquanto aficionado é o toureio de arte, um toureio que se possa fazer devagar, em que se possam pisar terrenos difíceis e para isso os toiros também têm que ajudar, têm que ser bravos e ao mesmo tempo deixar-nos pisar esses terrenos. Mas, como o Miguel disse, realmente a maior parte dos meus triunfos sérios foram com ganadarias difíceis. Lembro-me de um triunfo forte em Reguengos com um toiro de Veiga Teixeira, lembro-me de um triunfo importante em Elvas com um toiro de Murteira Grave. Outros dos meus maiores triunfos, para mim, foram com toiros de Cunhal Patrício, que também é uma ganadaria boa, mas que exige. Portanto, acho que esse “selo” não corresponde à realidade. Eu tento tourear ganadarias boas, mas estou preparado para tourear qualquer tipo de toiro e o toureio é assim, eu sou profissional e estou ao dispor para enfrentar o que for preciso!



- Neste momento já estão anunciados em Portugal muitos cartéis para 2022 e algumas praças até já anunciaram praticamente todos os cartéis das suas temporadas e a realidade é que só o vi até agora anunciado para uma corrida em Agosto em Tomar. Isso deve-se a quê? Tem recusado algumas corridas, quer tourear menos em Portugal e mais em Espanha ou não o contratam?…
- Estivemos primeiro a delinear a nossa estratégia em relação ao apoderamento. Houve um tempo para reflectir e para pensar e só agora é que se definiram as coisas completamente, de ficar exclusivamente o Julian como apoderado. A partir de agora é que se vai trabalhar, apesar de eu ter em mente tourear um pouco menos em Portugal. Nestes últimos anos tenho toureado muito, tenho-me divertido também muito a pisar todo o tipo de praças em Portugal, desde os pueblos mais pequenos às praças de maior categoria, acho que isso é muito importante em certas e determinadas fases de cada toureiro, mas neste momento estou a seguir um pouco a estratégia de tourear menos corridas em Portugal e mais em Espanha. Portanto, esta será uma temporada em que as aparições em Portugal serão mais reguladas e menos. Vou procurar fazer uma temporada mais baseada em Espanha e em praças boas, apesar de também marcar presença em algumas corridas em Portugal, por forma a que os aficionados possam ver os meus cavalos e o momento em que me encontro.



- Na temporada passada cumpriu quinze anos de alternativa, mas não chegou a haver propriamente uma grande comemoração, até porque as restrições da pandemia, a impossibilidade de encher as lotações das praças e todas essas condicionantes o não permitiram. Será que podemos esperar este ano um gesto especial seu, sei lá, um mano-a-mano ou mesmo uma nova encerrona?
- Sim, é possível. Primeiro vamos ver como se desenrola a temporada, acho que esses gestos têm que se fazer quando se está num momento para os fazer. Eu penso que estou num momento para isso, mas primeiro tenho que o provar ao longo da temporada. Quando toureei os seis toiros em Monforte, foi no final de uma temporada em que senti que tinha que fazer um gesto, isso reflectiu-se, foi uma corrida memorável para mim. Acho que esses gestos têm que ser feitos com cabeça e nos momentos certos. Mas não lhe nego que tenho toda a vontade que isso aconteça, no meu horizonte aparecem algumas corridas que eu gostava de realizar, diferentes do normal, portanto vou trabalhar para isso possa acontecer este ano.


- Cavalos novos, há?

- Há. Há um cavalo que foi do Marcos Bastinhas, o “Capa Negra”, que neste momento me está a dar muita ilusão, porque está a corresponder às minhas expectativas e acho que pode seguir um pouco a minha linha de toureio e aportar alguma coisa à minha quadra. Há um cavalo do Maestro Pablo Hermoso, que foi figura com ele, que é o “Van Gogh” e que tenho cá em casa, que no ano passado, no final da época, me proporcionou duas ou três actuações em Espanha muito ao meu estilo e que penso que pode ser mais uma pérola na minha quadra. Depois, há mais um ou dois um pouco mais novos, que para já não vou falar deles porque não foram ainda estreados e que depois logo veremos.



- Quem foram os seus ídolos no toureio?
- O meu ídolo máximo no toureio em geral, porque eu também sou um grande amante do toureio a pé, foi o Curro Romero. Era o meu ídolo desde menino, foi o toureiro que me despertou paixões, que me despertou a emoção de verdade. Curro Romero foi o meu principal ídolo no toureio. No toureio a cavalo, tenho muitos. O meu pai é a principal referência, foi com ele que aprendi tudo e é um toureiro que deu uma dimensão muito grande enquanto foi figura e que sempre deu a cara e ensinou-me aquele sítio do “quiebro”, que é aquilo que eu mais gosto de fazer no toureio a cavalo. O meu tio João António Moura é também, obviamente, uma grande referência para mim e para todos nós. O Maestro Pablo também. Digamos que esses três foram, no toureio a cavalo, as minhas principais referências, apesar de haver muitos toureiros com quem aprendi, a que dou muito valor e que me encheram as medidas enquanto aficionado.


- Já respondeu ao que lhe vou perguntar na recente entrevista que deu ao site espanhol “Cultoro”, mas volto a questioná-lo: como está o toureio em Portugal?

- Em termos de valores, acho que está com imensa saúde! Há muitos toureiros a tourear muito bem, a competir uns com os outros, as quadras estão num nível que quase nunca estiveram, temos cavalos hoje em dia de grande qualidade, portanto penso que nesse aspecto, no aspecto profissional, acho que estamos muito acima da média. Acho que o toureio em Portugal tem saúde para andar, assim o acompanhe o resto da situação do nosso panorama empresarial, porque nós, toureiros, para podermos continuar a ser profissionais e a ter cavalos bons e a aperfeiçoarmo-nos, temos que ganhar dinheiro… e isso é que está difícil! Esperemos que haja mais união entre os toureiros e também entre os empresários para conseguirmos levar as coisas a bom porto, tanto no baixar as rendas das praças um bocadinho, como também nos toureiros poderem ganhar mais e os ganadeiros, principalmente, também. Para que isto não acabe pela falta de dinheiro… Eu acho que a principal ameaça à Festa não vem dos anti-taurinos, mas sim da falta de profissionalismo que possa acontecer dentro da Festa.


- Que metas é que ainda não atingiu como toureiro, que sonhos estão por cumprir, que objectivos imediatos tem na sua carreira?

- É trabalhar dia-a-dia. Vejo muito o toureio como tarde a tarde. Triunfar e, principalmente, tourear melhor, são as metas e os objectivos que tenho. O objectivo que tenho cada dia que treino é poder aperfeiçoar-me para poder transmitir ao público aquilo que me vai dentro e o que me vai dentro é tourear cada vez melhor, cada vez mais devagar, pisar cada vez mais terrenos mais difíceis. Isso é o meu principal objectivo, não tenho propriamente um objectivo de tourear aqui ou ali ou no outro lado, o meu objectivo é cada tarde triunfar e mostrar ao público a minha maneira de pensar e de sentir dentro da praça.


- Vamos ter João Moura Caetano por muitos anos ainda, se Deus quiser?

- Espero que sim, a isso não consigo responder, mas espero que sim, pelo menos neste momento tenho toda a vontade de me aperfeiçoar cada vez mais, esta temporada é uma temporada muito importante para mim e em que vou, como sempre, dar tudo de mim.



- Se o seu filho também quisesse ser toureiro?
- Nunca lhe vou cortar as pernas em relação a isso, mas também não vou fazer nada em especial para o influenciar a ser toureiro, será o que ele quiser. Mas é um menino que gosta muito de montar, anda sempre ao meu colo a montar a cavalo, até nas praças, quando estou a aquecer os cavalos. Mas se um dia me disser que quer ser toureiro, vou fazer como o meu pai me fez, vou fazer tudo o que puder para que ele possa ser.


- E a ganadaria, João, como vai?

- É uma das coisas de que mais me orgulho, das nossas ganadarias, que acho que estão a sair muito bem. Claro que não pode ser sempre totalmente de êxito, também há fracassos, mas este ano houve triunfos fortes em Espanha dos nossos toiros. O Maestro Pablo Hermoso conhecia a nossa ganadaria de Murube, que era a de Maria Guiomar Moura, que agora é a de Irmãos Moura Caetano, a de Paulo Caetano ele não conhecia muito e no ano passado, com a boa relação que nós temos, conseguimos levar para Espanha algumas corridas da ganadaria Paulo Caetano, de origem Parladé, Cabral Ascensão e Lico, que proporcionaram ao Guillermo e a ele e a mim também vários êxitos. O Guillermo cortou quatro rabos a toiros da nossa ganadaria de Paulo Caetano, portanto acho que está também lançada em Espanha no toureio a cavalo, como já estava no toureio a pé. Penso que estamos a fazer um bom trabalho enquanto ganadeiros e estamos agora a colher os frutos desse trabalho.


- Amanhã, precisamente, a temporada nacional vai abrir em Mourão com uma novilhada de Paulo Caetano para cavalo e para pé, que expectativas?

Imensas. Penso que vão sair bem e proporcionar bons triunfos tanto aos cavaleiros como aos novilheiros e aos forcados. Sorte para todos!


- Vamos terminar, João, com uma questão polémica, mas que tem sido pouco ou nada falada: as ameaças do uso de velcro nos toiros por parte do PS, que ontem ganhou as eleições e ainda por cima com maioria absoluta. A Festa Brava vai continuar em Portugal ou está ameaçada?

- Eu acho que vai continuar! Isto está tudo a dar uma volta para o nosso lado, temos que ser inteligentes, não podemos, quanto a mim, dar tiros nos pés como às vezes damos, a dizer mal disto e daquilo sem lógica, porque depois é-nos passada essa factura… dizer mal deste partido ou do outro só porque nos prejudicaram… acho que temos que ser mais inteligentes na maneira de actuar e nem sempre temos sido… Agora, isso do velcro espero que esteja muito longe, porque se um dia isso acontecer, acho que desvirtua completamente a nossa tauromaquia e é o princípio do fim. Portanto, temos que lutar contra isso, lutar para que isso não aconteça, mas para isso temos que ter cabeça, não podemos entrar em guerras partidárias e em guerras que nos levem a que nos passem a factura depois mais tarde.


- Faltava perguntar-lhe se a quadrilha se mantém igual.

- Não. Saíu o Pedro Paulino “China” e entrou o Sérgio Santos “Parrita”, que já tinha estado comigo, agora estava com o Marcos Bastinhas, mas voltou à minha equipa. Portanto, ficam o João “Belmonte” e o “Parrita” como bandarilheiros, o moço de espadas é o Sérgio Batista como sempre. E o apoderado, já falámos disso.


Fotos Emílio de Jesus/Arquivo e M. Alvarenga