domingo, 19 de fevereiro de 2017

Matadores, Recortadores e o "Pipas" foram as estrelas do Festival Bullfest ontem no Campo Pequeno

Com um toiro Murteira Grave com a boa marca da casa, "El Fandi" encheu ontem
as medidas, nos três tércios, a quantos assistiram (e deviam ter sido mais) ao
Festival Bullfest na praça do Campo Pequeno
António João Ferreira demonstrou atitude, querer e vontade de se afirmar diante
de um toiro de boas investidas de Manuel Veiga
Arte e sentimento na faena de Manuel Dias Gomes a um bonito toiro de Torre
de Onofre que se foi apagando aos poucos, mas a que sacou a faena impossível
João Ferreira reafirmou ontem no Campo Pequeno ter sido merecedor do
Troféu "Farpas"/"Volapié" que dias antes recebeu e o consagrou como melhor
bandarilheiro de 2016 na primeira praça do país
Cláudio Miguel no seu melhor! Assim se bandarilha!
Emoção e risco na actuação, a fechar o Festival, dos Recortadores do grupo
"Arte Lusa". Uma nova forma de enfrentar o toiro que criou alvoroço nas bancadas
Rui Salvador emocionou com ferros da sua marca na primeira lide a duo
com o espanhol Manuel Manzanares
Manuel Manzanares veio de Espanha para lidar meio-toiro... mas esteve bem
Luis Rouxinol na lide do segundo toiro
Filipe Gonçalves num momento da lide do segundo toiro, a duo com Rouxinol
No terceiro toiro, Francisco Palha reafirmou o bom momento em que se encontra
desde a última temporada
Bom momento de Brito Paes na lide a duo com Francisco Palha
João Grave, cabo dos Amadores de Santarém e da Selecção que ontem pegou
no Campo Pequeno, consumou ao primeiro intento esta pega imponente, depois
de seis tentativas falhadas de Ricardo Cardoso, cabo dos Amadores de Monsaraz.
Grave provou que aquilo, afinal, nem eram assim tão complicado...
A segunda pega da tarde foi a melhor. Consumada com brilhantismo pelo cabo
dos Amadores do Redondo, Hugo Figueira, com uma enorme ajuda de Pedro
Coelho dos Reis "Pipas"
, o cabo do Grupo do Aposento da Chamusca
A terceira pega foi executada por Márcio Chapa, cabo do Grupo de Tertúlia do
Montijo, ao terceiro intento, após fortes derrotes nos dois primeiros


Miguel Alvarenga - Mais uma jornada importante e decisiva, com todo a força, toda a pompa e toda a circunstância, do já afirmado regresso e (re)interesse dos aficionados pelo toureio a pé num Festival que pecou por fazer regredir, pela negativa, o formato em que deve ser promovida  - e interpretada - a nobre e tão portuguesa arte do toureio a cavalo, ontem votada ao ostracismo e ao absoluto negativismo das lides “a dois”, uma prática que até nuestros hermanos já desactivaram há mais de dez anos. Esta ideia das lides a cavalo a duo, que retira todo o brilho ao labor dos cavaleiros, ora agora espeto eu, ora agora espetas tu, foi a única coisa disparatada e desajustada da louvável iniciativa (que aplaudo de pé) da Federação Protoiro na triunfal e a todos os títulos louvável organização do Bullfest, a que chamaram, e muito bem, Festival da Cultura Portuguesa, que encheu de festa o Campo Pequeno durante todo o dia de ontem, arrastando centenas de crianças e muitos aficionados naquele que foi o arranque da Temporada do 125º Aniversário da inauguração da praça.
Houve Fados, Cante Alentejano, demonstrações das várias artes do toureio e até a inovação de trazer Recortadores (e bons!) à primeira praça do país.
O primeiro Bullfest (designação criticada por alguns velhos do Restelo… mas temos que inovar, que abrir as portas e as janelas ao futuro, temos que deixar de ser um meiozinho fechado e sem horizontes de renovação - e aqui, faço justiça, a Protoiro teve o mérito e a ousadia de ser diferente) foi um êxito acima de todas as expectativas - e uma lição para levar a cabo, em próximos anos, novas iniciativas do género, repensando formatos, trazendo mais inovação, integrando outras manifestações da nossa cultura tauromáquica, como por exemplo a Capeia Arraiana, a Tourada à Corda, sei lá, mais artes representativas do mundo do toiro.
O princípio foi muito bom. Tiro o meu chapéu à Protoiro, com quem nem sempre estive de acordo. Mas isso serão já águas passadas e agora precisamos de dar todos as mãos e seguir em frente, sem ser preciso olhar para trás. Parabéns!

“Pipas”, os matadores e o valor do recortadores

Pedro Coelho dos Reis, que todos conhecem por “Pipas” e é o cabo dos Forcados do Aposento da Chamusca, foi ontem um dos grandes protagonistas do Festival, através de uma fantástica primeira ajuda dada ao cabo dos Amadores do Redondo, o valente e eficiente Hugo Figueira, na segunda pega da tarde, a melhor das três, consumada com brilhantismo dos dois - e de todos - ao primeiro intento. Deu depois aplaudida e merecida volta à arena com o forcado da cara e os cavaleiros. Grande “Pipas”!
Os matadores David Fandilla “El Fandi”, António João Ferreira e Manuel Dias Gomes foram também estrelas de uma tarde que teve o mérito de reforçar o ressurgimento e o gosto popular pelo toureio a pé e pela corrida mista, um projecto a que a empresa do Campo Pequeno deu corpo nas últimas temporadas e que já não volta atrás, pelo contrário, fortalece-se cada vez mais, como ontem se viu. E a lusa cavalaria que dê rapidamente “corda aos sapatos” e recupere o esplendor de outros tempos, se não qualquer dia é tarde demais. Estamos fartos de ver sempre mais do mesmo
E depois, os Recortadores. O grupo Arte Lusa, de que o empresário e presidente da Protoiro, Paulo Pessoa de Carvalho, é representante, deu ontem no Campo Pequeno um entusiasmante toque de diferença e demonstrou que há espaço para esta arte nova na nossa Tauromaquia. O público vibrou com as ousadas e arrepiantes intervenções dos jovens Recortadores de Vila Franca de Xira, frente a um toiro encastado da ganadaria Prudêncio, uma novidade que precisava de ser mostrada na primeira praça do país, depois de já o ter sido noutras - e que pode ter trazido uma maior dimensão ao valor e à arte destes novos intérpretes do que é possível fazer diante de um toiro, chegar ao público e levantá-lo das bancadas a aplaudir, como ontem aconteceu. Olé aos Recortadores! Que, como os Forcados, enfrentam o toiro a corpo limpo e fazem parar corações. Isto é um espectáculo de risco e de emoção - e muita gente já andava esquecida disso…

Grande “Fandi” e uma nova dupla 
de matadores nacionais

David Fandilla “El Fandi” esteve enorme com o capote, pôs o público de pé com as bandarilhas, arte em que é rei e senhor até mais não e evidenciou depois todo o seu poderio e a sua profunda e sentida arte numa faena de muleta a um toiro de Murteira Grave de grande nível e excelentes investidas (para variar…), abrindo o livro, bordando o toureio ao mais alto degrau do seu expoente máximo, com entrega, com valor e com pintureros quadros de arte. É um toureiro de alma e de enorme paixão. Tem que voltar este ano a Lisboa.
Com o toiro de Manuel Veiga, também de boas investidas, o jovem António João Ferreira demonstrou claramente que vai por fim “explodir” este ano, depois de Rui Bento lhe dar a mão e o apoiar, quando a maioria das empresas o não tinham ainda visto e não se tinham apercebido de que ali está um Toureiro com letra grande. No ano passado, toureou uma única corrida, em Vila Franca e isso demonstra a falta de aficion e o preocupante desconhecimento ou alheamento da esmagadora maioria das nossas empresas taurinas. Ontem, em Lisboa, António João mostrou decisão, querer e vontade de vencer. Desde o primeiro minuto, em que foi à porta da gaiola receber o toiro de joelhos, a dizer “estou aqui!”. Bonito com o capote, esteve mandão, variado e artista com a muleta. E abriu a porta a uma temporada que vai ser a sua, depois de já ter sido, ao lado das Figuras, o grande triunfador de Mourão.
Manuel Dias Gomes é um toureiro de arte e de sentimento. De um sentimento que nos leva ao máximo fulgor quando pára os pés e corre a muleta com uma lentidão impressionante e demonstrativa do sangue toureiro que lhe corre nas veias. O toiro de Torre de Onofre, ganadaria de que é proprietário o novilheiro João Augusto Moura, era uma estampa e foi logo aplaudido mal entrou na arena. Caíu nas bandarilhas e depois veio a menos na faena de muleta, evidenciando falta de força, mas aí se viu o valor de Manuel, que o espremeu todo até ao fim, acabando por sacar a faena que parecia impossível.
Nasceu ontem em Lisboa uma nova e interessante parelha de jovens matadores nacionais - assim o saibam ver, reconhecer e aproveitar os empresários. Também merecem repetição no Campo Pequeno.
Destaque para os grandes e aplaudidos pares de bandarilhas dos valorosos Cláudio Miguel e do jovem João Ferreira, que confirmou ter merecido em pleno a distinção que lhe outorgámos dias antes com a atribuição do Troféu “Farpas”/“Volapié” como bandarilheiro triunfador da última temporada em Lisboa.

Ferros bons em lides “a dois”…

As lides a cavalo, que abriram o Festival de ontem no Campo Pequeno, ficaram marcadas por boas intervenções dos seis cavaleiros, mas como disse no início, constituíram um mau exemplo para o que deve ser a interpretação e a promoção da nobre arte do toureio a cavalo e ainda para mais num momento complicado. Podia e deveria ter sido evitada.
Não digo que o toureio a cavalo corra alguma vez perigo, era o que faltava, mas constato que pode estar a ser “ameaçado” pelo ressurgimento do toureio a pé e pela arreliadora falta de ídolos equestres que levem gente às praças. O primeiro cartel da temporada lisboeta, a 6 de Abril, é disso a maior prova. O único ginete que o integra é o Maestro João Moura, há mais de trinta anos o primeiro de todos, e isso comprova bem o que acabo de escrever. Já vieram tantos depois e nunca nenhum foi ainda igual a ele.
E por isso mesmo, foi um disparate total, desnecessário e despropositado, o formato adoptado no Festival de ontem de atirar para um plano secundário e menos atractivo ou, pelo menos, de menor interesse e pior exposição, a arte do toureio a cavalo, impondo que ela estivesse representada na pior das suas formas, a das lides a dois
Lides a duo, com entusiasmo, sequência e interacção, tivemos em tempos as dos irmãos Peralta e depois as dos irmãos Ribeiro Telles. O resto…
Rui Salvador e o espanhol Manuel Manzanares, em sintonias distintas, lidaram o bom toiro de Luis Rocha e cada qual teve bons momentos; Luis Rouxinol e Filipe Gonçalves, por serem parecidos nos estilos, protagonizaram a melhor lide a dois e atingiram momentos brilhantes em separado, frente a um toiro colaborante de Pinto Barreiros; Brito Paes e Francisco Palha, com o toiro de boa nota de Romão Tenório, estiveram também em bom plano, reafirmando cada qual o bom momento em que se encontram.
Foi tudo muito bonito, mas a duo… não queremos mais! Entendidos?

36 cabos e uma pega boa

O Grupo de Forcados que ontem pegou no Campo Pequeno era composto pelos 36 cabos (à excepção do vilafranquense Ricardo Castelo, que não pôde estar presente e se fez representar pelo grande rabejador Carlos Silva) dos grupos pertencentes à Associação Nacional de Grupos de Forcados.
Houve uma grande pega, a já referida de Hugo Figueira (cabo dos Amadores do Redondo) com uma oportuna e enorme primeira ajuda de “Pipas” (cabo do Aposento da Chamusca), ao segundo toiro.
A primeira foi uma autêntica carga de trabalhos e estava a cargo de Ricardo Cardoso, cabo dos Amadores de Monsaraz, que foi seis vezes à cara do toiro e saíu lesionado num braço. João Grave, cabo do mais antigo grupo nacional, o de Santarém, que era o cabo desta Selecção, pegou a seguir à primeira intervenção, com enorme decisão e valor, explicando que, afinal, aquilo nem era assim tão complicado. Grande Forcado, pertencente a uma ilustre Família de grandes e notáveis pegadores de toiros.
A terceira e última pega foi consumada à terceira por Márcio Chapa, cabo do Grupo de Tertúlia Tauromáquica do Montijo, depois de nas duas primeiras tentativas ter sido sempre violentamente derrotado.
O Festival - que merecia ter tido mais público nas bancadas - foi dirigido por Pedro Reinhardt, com a usual competência e a habitual exigência no rigor a conceder música. Só se atrasou a concedê-la a Manuel Dias Gomes, podia ter sido um nadinha mais cedo…
Na bancada, a honrosa presença do matador espanhol Alejandro Talavante (a quem António J. Ferreira brindou) e ainda a presença de emoção de toda a Família do glorioso matador e antigo empresário de referência da praça do Campo Pequeno, Manuel dos Santos, que ontem foi recordado num minuto de silêncio no dia em que passavam precisamente 44 anos sobre a sua trágica morte num acidente de automóvel.
O mesmo minuto de silêncio recordou as memórias do grande José Mestre Batista, falecido há 32 anos e também do malogrado cavaleiro Luis Cruz, vítima de acidente com uma máquina agrícola na semana anterior.
Findo o festejo, foi enorme o ambiente vivido na arena com o público e de novo imensas crianças a confraternizar e a pedir autógrafos aos toureiros e forcados - um momento único e inédito na História do toureio em terras de Portugal.
É tudo de um festejo que trouxe novo e decisivo fulgor ao toureio a pé e à corrida mista e que revelou uma arte menos conhecida, mas de reconhecido valor e interesse, a dos Recortadores.

Amanhã, segunda-feira, não perca: todas as fotos do grande dia do Festival Bullfest! Uma grande foto-reportagem de Maria João Mil-Homens.

Fotos Maria Mil-Homens