sexta-feira, 10 de abril de 2020

12 de Setembro de 1984: quando Mário Coelho matou o "Corisco" na Moita

A manchete do "Correio da Manhã" do dia seguinte, reproduzida no livro
biográfico de Mário Coelho, da autoria de António de Sousa Duarte
Henrique de Carvalho Dias foi um dos poucos repórteres que registaram
as imagens de emoção da tarde de Setembro de 1984 na Moita. Aqui, a
estocada de Mário Coelho
Loucura e apoteose na praça da Moita
Mário Coelho com o rabo e as orelhas do "Corisco", acompanhado pelo seu
bandarilheiro e apoderado Mário Freire
Diamantino Vizeu assumiu nessa tarde a direcção da corrida, depois da
estocada de Mário Coelho
Mário Coelho no banco dos réus, com António Luis de Castro, filho do
ganadeiro Ernesto de Castro, vendo-se também à esquerda o matador de
toiros Diamantino Vizeu e o empresário Jorge Pereira dos Santos
Recorte da última página do "Diário Popular" (Setembro de 1984): os
empresários Jorge Pereira dos Santos e Manuel Bento, promotores da
corrida, foram multados em 65 contos cada
António de Portugal, José Júlio e Rayito da Venezuela aos ombros em Vila
Franca na célebre corrida de morte em 7 de Maio de 1977. Pedrito de Portugal
(em baixo) foi o último toureiro a matar um toiro em Portugal, na Moita, em
Setembro de 2001

Em tempo de quarentena e porque estamos (ou devemos estar) fechados em casa, tempo para lembrar a tarde histórica de 12 de Setembro de 1984, quando Mário Coelho matou na Moita o toiro "Corisco" de Ernesto de Castro

Cumprem-se 36 anos no próximo mês de Setembro. Era a tarde de 12 de Setembro de 1984, Feira da Moita, corrida à espanhola, com picadores, com o matador português Mário Coelho (ao tempo com 48 anos) e os espanhóis Pedro Gutiérrez Moya "Niño de la Capea" e Paco Ojeda, sendo os toiros da ganadaria de Ernesto de Castro.
Mário Coelho deu nessa tarde um estocada fulminante ao toiro "Corisco", que deixou a praça em delírio. Cortaram as orelhas e o rabo ao toiro e o diestro passeou-as numa apoteótica volta à arena aos ombros. O primeiro matador de toiros português Diamantino Vizeu assumiu então o lugar de director de corrida, depois de a autoridade ter abandonado a praça face ao acto do matador.
"Entusiasmado por uma corrida à espanhola, cujo curro apresenta toiros com cinco anos, naturalmente em pontas, picadores e ao lado de duas figuras máximas da tauromaquia espanhola e mundial, Mário decide acabar com a vida de 'Corisco', da ganadaria de Ernesto de Castro", recorda o jornalista e escritor António de Sousa Duarte no livro biográfico do matador vilafranquense ("Mário Coelho - Um Homem Inteiro", Âncora Editores), acrescentando:
"O caso culminou com Mário Coelho sentado no banco dos réus e um Ministério Público desesperado por lhe aplicar uma pena exemplar. Mas as suas alegações na sala de audiências e a narração, entusiástica e genuína, de um acto não premeditado mas simplesmente contagiado pela emoção e pelo apoio vibrante do público terão contribuído para uma sentença apesar de tudo tolerável e não extremada".
Os dois empresários promotores da corrida, Jorge Pereira dos Santos e Manuel Bento, foram condenados em multas de 65 contos cada, como aqui nos recorda um recorte do jornal "Diário Popular" da época.
À margem do sucedido, conta António de Sousa Duarte no livro, António Luis de Castro, filho do ganadeiro Ernesto de Castro e hoje responsável pela ganadaria Fernandes de Castro, "mantém ainda hoje a acusação a Mário Coelho por ter estoqueado um toiro que 'daria um possível semental', pois, sublinha, 'tratava-se de um toiro que tinha sido muito mimado para reproduzir e a prova disso é que deu uma lide de bandeira'. O ganadeiro queixa-se de que quando protestou nas trincheiras com o toureiro levou uma bofetada de David Medina, um matador mexicano que se encontrava na teia e que não perdoou a António Castro a tentetiva de perturbar a onda de entusiasmo gerada pelo golpe misericordioso do matador português".
Trinta e seis anos depois, Mário Coelho afirma, no livro, a Sousa Duarte ter "uma ideia muito vaga do sucedido" e enfatiza:
"A verdade é que aqueles momentos foram um êxtase indescritível e não me passa pela cabeça que perderia tempo com alguém que protestasse o que quer que fosse, não é?".
Mário Coelho viria a retirar-se das arenas seis anos depois da estocada na Moita, no ano de 1990, na praça de toiros do Campo Pequeno, onde seu filho, o também matador de toiros Mário Vizeu Coelho, lhe cortou a coleta.
Dezassete anos depois, em Setembro de 2001, também Pedrito de Portugal matou um toiro da ganadaria de Conde Cabral nessa mesma arena da praça moitense "Daniel do Nascimento".  A juísa Sandra Conceição, do Tribunal da Moita, condenou-o ao pagamento de uma coima de 100 mil euros. No julgamento, foram várias as personalidades que testemunharam a favor de Pedrito de Portugal, entre as quais o político Pedro Santana Lopes, o fadista Nuno da Câmara Pereira e o jornalista Miguel Alvarenga.
Desde que as touradas de morte foram proibidas em Portugal em 1928, estas não foram as duas únicas estocadas que agitaram a aficion e o país. No final dos anos 50, Manuel dos Santos e seu primo António dos Santos também mataram toiros no Campo Pequeno. Em 1974, José Falcão estoqueou também um toiro na arena de Lisboa. Em 1977, a 7 de Maio, a praça de Vila Franca de Xira viveu uma tarde de muita emoção com José Júlio, António de Portugal e o toureiro venezuelano Rayito da Venezuela também a matarem os toiros. Armando Soares e Parreirita Cigano foram outros matadores que estoquearam toiros nos anos que se seguiram ao 25 de Abril.

Fotos Henrique de Carvalho Dias e D.R.