Por tudo o que de exemplar e importante nela nos transmite, vale a pena ler com atenção esta entrevista do heróico matador de toiros Juan José Padilla. Foi concedida esta semana ao jornalista Gonzalo Pajares no jornal "Peru 21", um dos mais importantes diários do Perú, onde o matador se encontra desde o passado fim-de-semana a cumprir temporada. Aqui a deixamos, com a devida vénia, sem mais comentários.
A 7 de Outubro de 2011, em Saragoça, um
toiro destroçou-lhe o rosto, deixou-o surdo de um ouvido e fê-lo perder um
olho. O mundo comoveu-se e todos pensámos que Juan José Padilla (Jerez,
Espanha, 1973) se retirava do toureio. Contudo, apenas 104 dias depois daquela
tarde terrível, Padilla anunciou o seu regresso ao ruedo. A sua recuperação, o
seu amor próprio, o seu dom de gente e o amor a uma profissão converteram-no
num modelo a seguir. Por isso, mais que uma entrevista, esta conversa é uma
homenagem a um artista que não se deixou vencer pelo infortúnio - tem 37
cicatrizes enormes no corpo - e, por isso, é um exemplo de persistência e
paixão.
- É devoto de San Martín de Porres...
- Num momento delicado da minha vida - era
ainda novilheiro e sofri uma colhida muito forte -, com as esperanças perdidas
de continuar na minha profissão, apresentaram-me a Frei Martín. Encomendei-me a
ele e, desde então, deu-me segurança e ajudou-me a conseguir as metas a que me
fui propondo na minha vida. Tão importante é a sua presença na minha vida que o
meu filho se chama Martín de Porres.
- Sabia que Frei Martín era peruano?
- Soube na altura e preocupei-me em saber
mais sobre ele. Aí, fiquei a saber que era peruano, de Lima. Há uns anos vim
sózinho conhecer o Covento de Santo Domingo, pois emociona-me e enche-me de fé
e esperança estar onde San Martín viveu.
- Sente que Deus o pôs à prova?
- A minha profissão é arriscada, umas
vezes toca-nos triunfar e sair pela porta grande, mas também há dias que se
pagam com sangue, porque os toiros também ganham. O toureiro deve estar
preparado para superar os percalços e voltar a enfrentar o toiro. É verdade que
já ma atingiram forte, em sítios delicados - duodeno, pescoço, coluna vertebral
- mas a ciência e as mãos dos médicos, conduzidos por Deus, ajudaram-me a
sobreviver.
- É um exemplo de valentia e de paixão por
uma profissão...
- A minha família estava dividida, passou
muito mal e não me queria ver outra vez na cara do toiro. Além disso, as minhas
faculdades já não estavam intactas. O meu pai pediu-me que não toureasse mais,
que me dedicasse à minha recuperação, aos meus filhos e aos nossos negócios,
mas eu sempre soube que o toureiro salvaria o homem, que a melhor forma de me
recuperar era dedicar-me a cem por cento ao toureio. A minha relação contínua
com os toiros foi o que me deu ânimo e força.
- Ainda com a ferida aberta da colhida de
Saragoça, começou a treinar-se com toiros...
- A paixão pelos toiros nunca a perdi.
Tinha ainda os pontos por tirar, mas queria convencer-me que apenas com um olho
e um ouvido - não vejo nem oiço do lado esquerdo - podia tourear.
- Como explicaria às pessoas que a
persistência na sua profissão lhe salvou a vida?
- À minha profissão tenho muito a
agradecer, recompensou-me muito bem. E não o digo pela questão do dinheiro, mas
sim pelo respeito, carinho e admiração que conquistei em dezanove anos de
carreira. Por isso, teria sido muito egoísta se me retirasse pelo que me
aconteceu em Saragoça. Deus deu-me a oportunidade de voltar e de refazer a minha
vida com naturalidade e, sobretudo, com muita humanidade. Se posso conduzir uma
bicicleta e levar os meus filhos ao colégio, porque não posso tourear? Além
disso, não entendo a minha vida sem a força do toiro, sem o compromisso pela
minha profissão.
- Está consciente de que se converteu num
modelo a seguir?
- Não quero que tenham compaixão de mim,
quero que me exijam como aos demais, porque se voltei aos toiros é porque estou
em pleno e porque posso "dar batalha".
- Disseram-lhe que estava louco?
- Muitas vezes. Os toureiros, sim, estamos
loucos, mas somos uns loucos maravilhosos (risos). O mundo dos toiros é uma
festa de paixões e vivências únicas, por isso todo aquele que dele se acerca termina convertido em louco (risos).
- Sente-me mais valente que o comum das
pessoas?
- De maneira nenhuma! Sou, antes,
temeroso, sensível, tranquilo, com uma vida normal. Isso sim, quando entro na
arena, faço com que o público não se vá da praça com uma sensação de desânimo
por falta de entrega do toureiro. Há que respeitar o público, dando-lhe a
máxima entrega.
- Na arena dá prioridade à arte ou à
valentia?
- Sinto-me um toureiro artista, um
toureiro com profundidade e gosto. E quando o toiro te dá a oportunidade,
calamos fundo no público e chegamos ao seu coração. Desenhar lances e
"meias-verónicas" com expressão e gosto, emociona, contagia, faz-nos
felizes. Hoje toureia-se muito bem e com muitíssimo gosto, mas também há um
tipo de toiro com o qual é muito difícil expressar a arte e a beleza do
toureio, mas a eles dedicava-me eu (risos). Contudo, hoje tenho a oportunidade
de ir por outros terrenos e de enfrentar outros toiros e surpreender o público.
Fotos Rodrigo Málaga/Peru21, "Hoy" e D.R.