sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Campo Pequeno, ontem: e tudo os toiros levaram... até a emoção!

Toiros de ontem: peso a mais, bravura a menos...
Caetano tentando cravar um ferro a um toiro que não se mexia...
Foram de João Telles os grandes ferros da noite e o cavaleiro reafirmou
em Lisboa o momento enorme que atravessa
João Maria Branco colocou emoção onde esta não existia


Miguel Alvarenga - O que aconteceu ontem no Campo Pequeno teve muito pouco ou quase nada a ver com o que deve ser, tem que ser e se impõe que seja uma verdadeira corrida de toiros. João Ribeiro Telles refirmou o momento enorme que está a viver, mas o seu triunfo de ontem na Corrida TV não teve nada a ver com aquela sua recente tarde apoteótica na Feira de Alcochete ou mesmo com a glória que conquistara na véspera em Espanha, na arena de San Clemente, frente a toiros duros com cinco anos de idade e daqueles que pediam contas - pela simples razão de que ontem, em Lisboa, não toureou toiros. Mas antes "uma espécie de toiros".
Aliás, só por pouco os três cavaleiros não fizeram ontem completamente o ridículo, precisamente por enfrentarem animais que têm pouco ou nada a ver com a bravura e a verdadeira essência que caracateriza - e deve ser - o espectáculo tauromáquico.
Para que se não repitam más interpretações, como aconteceu no ano passado, devo desde já esclarecer que entendo pouco de encastes. Assumo que não percebo mesmo nadinha disso. Mas sejam eles encastes ou chamem-lhe aquilo que quiserem, a verdade é que estes toiros da chamada linha Murube (é assim que se designam, não é?...), de que são legítimos representantes os exemplares da ganadaria de Dª Maria Guiomar Cortes de Moura, destoam por completo daquilo que se quer - e se impõe - para que a Festa Brava (com eles, muito menos brava...) seja aquilo que sempre foi: um espectáculo de risco e de emoção, um espectáculo onde as coisas não devem e não podem parecer tão simples, tão fáceis e tão sem senso, como ontem pareciam na arena do Campo Pequeno.
Quer queiram, quer não, o espectáculo tauromáquico é bárbaro, é brutal, é um espectáculo de risco e de gladiadores. O público que antes acorria às praças de toiros - hoje já não será tanto assim - ia ver a luta do homem com o animal, como nos circos romanos antigos, ia ver sangue, ia ver drama, tragédia, coisas difíceis, ia para se arrepiar na bancada.
Nos dias de hoje e mercê desta linha de toiros inofensivos - ou, pelo menos, sonsos, broncos, mansos - vai-se conseguindo degradar e adulterar o verdadeiro espírito e a essência pura do espectáculo tauromáquico.
Ontem no Campo Pequeno a emoção foi quase nula - a não ser nas pegas. Sem fazer propriamente mal e sem derrotar - isso é diferente - os toiros de Guiomar Moura foram bruscos e guardaram para a forcadagem todas as forças que não tinham gasto nos cavalos. Empurraram e cuspiram os forcados para longe - que é bem diferente de baterem, de derrotarem, de serem bravos.
Os toiros tinham peso, peso até em demasia, estavam muitíssimo bem apresentados, mas o que tinham em beleza faltava-lhes em condição, propriamente dita, de toiros. Não eram bravos, antes pelo contrário. Retraiam-se e acobardavam-se no momento da reunião, o que originou muitos ferros a cilhas passadas, mesmo assim aplaudidos pelo conclave. Procuravam refúgio em tábuas e quando se arrancavam davam autênticos "arreões" de mansos. De resto, não tinham mobilidade (peso a mais...), não transmitiam nada e não deram o mínimo de emoção ao espectáculo. Pena que isso tenha acontecido, ainda para mais, numa corrida transmitida pela televisão...
Num futuro próximo, quando a Festa Brava perder de vez toda a sua essência, não tenho dúvidas de que estes toiros vão ser muito úteis para outro tipo de espectáculo mais artístico, como já hoje em dia sucede sobretudo em Espanha, onde se dá muito mais valor à brega, ao "mexer com os toiros", aos "ladeios", etc., do que propriamente ao momento em que se crava o ferro. Tanto faz que fique passado ou mesmo passadíssimo, o que importa é o "bailado" que se fez antes e o que se vai fazer a seguir. Aí, sim, os Murubes têm o maior sucesso. Por cá, com os toureiros de luta que temos - e ontem estavam lá dois, Telles e Branco -, são precisos outros toiros, toiros de verdade, toiros, afinal, de outros encastes (é assim que se escreve, creio...).
Vamos aos toureiros.
João Moura Caetano, se bem que tenha quadra e argumentos de sobra para enfrentar qualquer tipo de toiro, é acima de tudo um cavaleiro-artista e, por isso, aquele que mais se enquadrava ontem no estilo de toiros que estavam em causa - e em praça -, aliás, pertença de sua Avó materna.
Mas santos de casa nunca fizeram milagres e Moura Caetano teve ontem o azar de lhe tocarem os dois piores toiros da noite. O primeiro era mesmo "intragável", o segundo era manso e complicado e João também não se entendeu com ele, esteve mesmo muito aquém daquilo a que nos vem habituando. Os toiros mansos também têm lide. E o cavaleiro andou desmoralizado, não esteve nos seus dias, não vimos o lutador costumeiro. Deu volta no primeiro e no segundo teve a dignidade de ficar entre tábuas depois de uma lide que o melhor é mesmo não lembrar...
Partindo do princípio de que ia ontem discutir com Caetano o trono de Triunfador da Temporada, o melhor é mesmo dar desde já a coroa a João Ribeiro Telles. Foi ele o rei da noite e tudo indica que virá a ser o rei da temporada.
João Telles, a viver um ano de verdadeira euforia, somando triunfos atrás de triunfos, chegou ontem ao Campo Pequeno disposto a confirmar que nada tem acontecido por mero acaso e que está, de facto, na melhor e mais espectacular temporada da sua carreira, após cinco anos de alternativa.
Falhou dois ferros no primeiro toiro - um caíu e o outro "espetou-o no ar" - e essas foram mesmo as duas únicas falhas, que se perdoam, em duas actuações brilhantes e que lhe valeram, com todo o mérito, voltar a levar para casa o troféu destinado à "melhor lide", tal como sucedera na edição anterior da Corrida TV.
No seu primeiro toiro, cravou os dois grandes ferros da corrida - em terrenos de alto compromisso, com o toiro fechado em tábuas, entrando por ele dentro com decisão e ousadia, estilo como quem diz: "estou aqui!". Fantástico!
No segundo e embalado pelo êxito anterior, João Ribeiro Telles repetiu a dose e brilhou - mesmo sem matéria prima para brilhar. Quando o toiro não investiu, investiu ele e o cavalo, conseguindo ferros emotivos e que levantaram o público das bancadas.
Em suma, confirmou em Lisboa e perante o país, através da RTP, que a tauromaquia tem este ano um triunfador nato - ele próprio. Imparável, João Telles promete um fim de ano em beleza - Salgueiro e Ventura que se cuidem na Moita!
E por fim, João Maria Branco. Fez recentemente 21 anos, toureou 11 corridas depois da alternativa, nem sempre esteve ao nível a que o "cantavam" e isso originou mesmo que surgissem os primeiros "velhos do Restelo" a vaticinar que o jovem de Estremoz estava já "com os pés para a cova".
É óbvio que quem não sente não é filho de boa gente - e João Maria é. Vai daí, encastou-se, picou-se mesmo com as ondas negativas que o cercavam e há dias, em Alcochete, entrou na arena com as ganas e a raiva de quem estava ali para "partir a loiça" e mostrar que era ainda cedo para ir embora.
E por que Lisboa é Lisboa e a Corrida TV é uma corrida para o país inteiro, ontem ainda maiores ganas e mais acentuada raiva trazia João Maria na sua férrea e decidida vontade de provar  "a todo o mundo" aquilo que já tinha dito em Alcochete. E assim fez.
Faltaram toiros, sobrou toureiro. Há arestas a limar, mas trata-se de um jovem em fase inicial de carreira, cuja "estaleca" e a experiência hão-de aperfeiçoar o estilo. Por exemplo, não se cita de largo um toiro manso e refugiado em tábuas. Cita-se de curto, ataca-se, provoca-se, como depois já fez no seu segundo. Mas isso são pormenores que o tempo há-de pôr no sítio.
Também sem toiros para brilhar, João Maria Branco fez quase tudo sózinho, sem a ajuda dos seus bandarilheiros. O que denota a sua garra e a sua vontade de triunfar por si. Esperou o primeiro toiro à saída dos curros e aguentou a fortíssima carga do oponente sem se arreliar um segundo. Esteve calmo e sereno, tranquilo e seguro da qualidade dos seus cavalos. Os ferros nem sempre foram cravados como mandam as leis, mas a verdade é que João Maria esteve acertado nos pormenores de lide e de brega.
No último da noite, brilhou pela emoção que tentou colocar na sua lide, arriscando frente a um manso e na forma como "mexeu" com um toiro daquele estilo, investindo também como Telles o fizera, provocando o oponente para depois deixar alguns curtos de muito boa nota. O prémio foi inteira e merecidamente atribuído a João Telles, mas arrisco dizer que não chocaria ninguém se também tem ido parar às mãos do jovem Branco. Ou chocava?...
João Maria subiu mais degraus, esteve decidido e disse, pelo menos isso foi importante, que ainda é cedo para o "mandarem embora". Se estava "em luta" consigo próprio, reencontrou-se. Venceu.
Do que à forcadagem diz respeito, já hoje aqui ficou tudo dito (ler notícias anteriores). Resta acrescentar que a crise "forçou" muita gente a ficar em casa a ver a corrida pela televisão e que por isso o Campo Pequeno estava ontem a meio gás no que a público diz respeito. 
Lourenço Luzio dirigiu a corrida com a sua usual competência e aficion, assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva. O espectáculo arrastou-se em demasia pelas dificuldades impostas pelos toiros aos forcados, sobretudo aos Amadores de Alcochete. Em termos de emoção, houve muito pouco para contar. O espectáculo tauromáquico era, antigamente, um espectáculo de bravura e de arte. Hoje, e com toiros destes, é só um espectáculo de arte... sem bravura. Também não me compete a mim estar contra isso ou criticar. Ninguém me garante que o futuro não seja isso mesmo, desvirtuado que está o perigo e o espírito gladiador que noutros tempos levavam as gentes às praças...
As coisas evoluem, mudam, alteram-se...

Já a seguir: não perca os Momentos de Glória (não tantos como isso...) da Corrida TV! E ainda as fotos dos Famosos!

Fotos M. Alvarenga