Antes da corrida, foi descerrada no páteo de quadrilhas uma placa assinalando os 30 anos de alternativa do cavaleiro Rui Salvador |
Tomás Pinto terminou a sua época de consagração em beleza. Na foto, dando a volta à arena com Ricardo Sousa e o valente primeiro-ajuda (Grupo de Évora) |
Miguel Alvarenga - Domingo passado em
Évora, um dia depois da que foi, durante anos e anos, a data oficial do
encerramento da temporada tauromáquica, fechou-se a porta - com chave de ouro -
à mais estranha época dos últimos anos, dominada pelo triunfo incontestável
(contra factos, não há argumentos possíveis...) dos cavaleiros veteranos e pelo
incompreensível eclipse das vedetas do futuro - uns limitaram-se a lidar
encastes fáceis, outros pura e simplesmente quase desapareceram do mapa e o
pretendente ao trono, Marcos Bastinhas, viu-se impedido de prosseguir a
temporada por arreliadora lesão. E o pior - e mais grave - é que o triunfo dos
antigos fez com que mal se sentisse a falta dos novos. O que, em termos de
futuro, compromete e aflige.
A última corrida do ano em Évora, embora
falte ainda (se o tempo o permitir) o Festival dos Bandarilheiros no próximo
dia 29 em Santarém, decorreu em ritmo muito agradável e teve grandes momentos
de bom toureiro, sobretudo os protagonizados por Luis Rouxinol e seu filho, Luis
Rouxinol Júnior, e também por Tomás Pinto, um jovem cavaleiro que esta
temporada subiu importantes degraus e "deu o litro" em todas as
arenas por onde passou, denotando claramente a intenção e a ambição de chegar
longe - e vai chegar. Tomás Pinto já não é uma promessa e já não é "o
segundo", passou por mérito próprio a "primeiro" e é hoje uma
certeza e uma figura de futuro. E com futuro.
Luis Rouxinol "rebentou a
escala" na última actuação da temporada. Tudo o que fez foi bem feito e teve
contornos de verdadeira apoteose. Com o cavalo "Douro" atingiu a
perfeição e provocou a emoção. Difícil estar melhor do que ele esteve neste
adeus à temporada.
Seu filho, Luis Rouxinol Júnior, traça
um caminho próprio e de vincada personalidade, sem imitar o pai. Nem põe pares
de bandarilhas. Tem uma raça e uma intuição invulgares, galopa com serenidade e
imensa decisão para o patamar dos primeiros. Sofreu aparatosa queda, mas
recompôs-se em segundos e desenvolveu depois uma lide empolgante e onde o principal
factor foi a sua ambição, a força do seu toureio, a garra da sua arte. Cuidado
com ele, meninos!
Homenageado antes da corrida com o
descerramento de uma placa assinalando os seus 30 anos de alternativa, o grande
Rui Salvador encerrou as comemorações dessa efeméride com uma actuação
brilhante, a confirmar que os anos passam, mas ele mantém-se, intacto,
inalterável e sempre igual a si próprio - é um vencedor nato, nasceu para
triunfar e está para dar e durar.
É sempre agradável ver (reviver) o "toureiro
antigo" de Francisco Núncio, toureiro de dinastia e com acrescidas
responsabilidades por ser neto de quem é. Esteve acertadíssimo na brega, menos
certeiro na cravagem da ferragem e isso motivou a decisão de recusar a volta à
arena, apesar de autorizada pelo director de corrida. Até nisso, Núncio
reafirmou a sua classe e a sua forma de estar "à antiga". É um
toureiro que dá gosto ver "abrir o livro". Parabens, Francisco.
Em dia de aniversário (cumpria 36 anos
de vida), Vitor Ribeiro também esteve em destaque diante de um Castro que não
permitia distracções. É um toureiro de raça e de luta e, como sempre, impôs-se
e triunfou, emocionando tudo e todos. Teve uma temporada "pequena",
mas marcante.
Mais "discreto" e mais "à
mercê" do toiro, sem se conseguir impor ao oponente e abusando de alguma velocidade,
apesar de ter tentado emotivas sortes frontais, andou o jovem Mateus Prieto.
Exibiu quatro cavalos, terminou com um aplaudido "violino" e deu
volta, mesmo assim.
Nota muito alta para os toiros sérios,
de excelente apresentação e comportamento "à antiga" - toiros de
Verdade, é o que é - da ganadaria Fernandes de Castro, que indiscutivelmente
marcou a temporada pela emoção, pela seriedade e pelo gosto de voltarmos a ver,
juntamente com outras divisas, o regresso dos toiros a uma Festa onde
proliferavam, com agressivos abusos, os "animais domesticados". Justificadíssima a volta à
arena do ganadero e de seu filho Filipe no sétimo toiro da corrida, um toiro de
bandeira e que foi à luta até ao último momento da sua presença em praça. Os
toiros foram recolhidos a cavalo por valentes e eficientes campinos, tendo um
deles sofrido aparatosa colhida, sem consequências de maior.
Tarde de êxito, também, para oa valentes
forcados dos grupos de Évora e do Aposento da Moita.
Pelos eborenses foram caras, todos ao
primeiro intento e com oportuna e destacada intervenção de todo o grupo, João
Madeira, Rui Gomes, Ricardo Sousa e Gonçalo Rovisco (este último numa heróica
pega e com um par de braços do outro mundo). Grande e poderoso, como sempre, a rabejar, esteve Manuel Rovisco.
Pelos moitenses, que
incompreensivelmente participaram este ano em apenas cinco corridas (o que se
passou?), pegaram Salvador Pinto Coelho (à terceira), o valente e experiente
José Maria Bettencourt e o também valoroso José Henriques, ambos à primeira e
em sortes muito aplaudidas. Excelente, também, a actuação de todo o grupo.
Quando dava primeiras-ajudas a um
companheiro, o forcado João Morais, do Aposento da Moita, ficou inanimado na
arena, vivendo-se na praça momentos de grande dramatismo. Levado para a
enfermaria, foi transportado do Hospital de Évora, onde se confirmou ter
sofrido um traumatismo craniano, já se encontrando em casa em recuperação, como ontem noticiámos.
A corrida foi dirigida com aficion por
João Cantinho, assessorado pelo médico veterinário e antigo forcado Feliciano
Reis. Ao início da função, nas cortesias, guardou-se um minuto de silêncio pela
memória de Augusto Gomes Júnior, pioneiro dos nossos toureiros a pé em arenas
de Espanha (recentemente falecido com 100 anos de idade) e do matador espanhol
José Maria Manzanares, que morreu na semana passada aos 61 anos.
O empresário António Manuel Cardoso
"Nené", com mais de 30 anos de aplaudida actividade, anunciou que
"cortava aqui a coleta". Oxalá repense esta decisão e não a cumpra.
Para que o "poder" não caia definitivamente na rua...
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com