Marcante, emocionante, vibrante: Botero arrasou ontem em Évora! |
Miguel Alvarenga - Não sei mesmo, mas
espero que não, se o Templo de Diana (foi assim que aprendi nos meus tempos do
colégio, embora o designem normalmente por Templo Romano) tremeu ontem,
abalando a sua milenar estrutura, depois do "estrondo", no melhor dos
sentidos, claro, que foi a actuação do jovem rejoneador colombiano Jacobo
Botero na praça de Évora, a um belíssimo toiro de bandeira da ganadaria
Passanha, que obrigou pela segunda vez o ganadeiro Diogo Passanha a ir à praça
no final para receber os calorosos aplausos do público.
Botero fez-se sózinho à luta, ficou ali
no meio da praça à espera que ao seu encontro viesse, correria desenfreada,
emoção imensa nas bancadas, o último toiro de Passanha da fantástica corrida de
S. Pedro, uma daquelas que fazem aficionados e que ficam guardadas na memória.
Recusou o colombiano essa modernice de tourear "mano-a-mano" com os
bandarilheiros, como se a lide de um cavaleiro não devesse ser sua e só sua,
mas agora habituaram-se quase todos a ter a presença permanente dos ajudantes,
a quem também se chama subalternos, capotes para aqui e capotes para acolá,
enfim, mas não foi isso que fez Botero, ele foi sózinho, ganas de gigante,
ambição desmedida, vontade de triunfar naquela que era a sua primeira corrida
da temporada.
O primeiro comprido foi espectacular e
resultou emotivo, depois dobrou-se bem, atirou o sombrero ao ar e iniciou o que
viria a ser a grande actuação da corrida, a fechar com chave de ouro uma tarde
com muitas histórias e triunfos também sonantes e grandes para os Forcados de
Évora e para o ganadeiro Passanha, toiros grandes, grandes demais até,
fantásticos os dois últimos, lidáveis os outros quatro, a transmitir emoção e a
impor seriedade - que é o que se precisa.
A actuação de Jacobo Botero foi marcante, foi um hino
à emoção, ao tremendismo, aos risco, à ousadia, à verdade e à emoção que tanta falta faz ao espectáculo tauromáquico, também ao querer mais e mais, à ambição de um toureiro que
faz falta e quer marcar pela diferença. E ontem marcou mesmo. Saíu a tempo, sem
pedir mais um ferro, triunfador pleno e a mostrar também que tem cabeça e sabe
o que faz. E também o que quer. Muito bem.
Antes, com outro toiro de bandeira de
Passanha, o melhor da tarde, estivera também João Maria Branco em plano
superior, tudo o que fez foi bem feito, a mostrar raça e moral em alta, a dizer
que continua a querer ser figura e está a lutar por isso. Muito bem nos dois
compridos, esteve depois empenhado e ousado nos curtos, quarteando-se num palmo
de terreno, rematando com arte e conquistando o público.
Borrou a pintura na volta à arena - e
era absolutamente desnecessário o que aconteceu. Depois de uma aplaudida volta
com o forcado Dinis Caeiro e o primeiro ajuda (melhor pega da corrida), depois
de ter agradecido no centro, com o ganadeiro, as calorosas ovações que ninguém
lhe regateou, antes pelo contrário, quando se encaminhava para a porta dos
cavalos, explodiu nas bancadas uma outra ovação que se destinava ao forcado,
mas João Maria aproveitou-a e ensaiou uma segunda volta à arena sózinho, que
ficaria por metade, depois dos assobios e dos sonantes protestos do público.
Lamentável. E, repito, absolutamente desnecessário...
A corrida abriu, sob forte calorada, com
a actuação do Maestro João Moura frente a um Passanha de pouca mobilidade e
quase nenhuma entrega, com o qual esteve apenas regular, mas sem deixar cair
por terra o brio da sua brega e do seu saber.
O segundo teve pela frente o sempre
empolgante Joaquim Bastinhas, grande actuação, tudo de pé, os anos por ele não
passam e a fantástica virtude de contagiar o público com a sua alegria e a sua
emoção é coisa que está de pé há anos - e para durar.
A maestria e o rigor de António Ribeiro
Telles impuseram-se ao terceiro toiro da tarde, o mais reservado dos seis
Passanhas, um animal que quis comprometer o empenho do notável cavaleiro, mas
que este não deixou, dando-lhe a volta com a arte costumeira e protagonizando
uma lide em crescendo e em ritmo triunfal.
Francisco Núncio comemorava ontem os
seus 20 anos de alternativa e antes da corrida foi honrado com o descerramento
de uma placa alusiva à efeméride no páteo de quadrilhas da praça, pena que
ninguém tenha percebido o que disse quem falou, mas é péssima a sonoridade na
praça eborense... paciência.
Importante, essa sim, e todos a
"ouviram", se calhar nem todos a perceberam, foi a lide de Francisco,
mesmo "à Núncio", quero com isto dizer, à usança antiga. Senhor de
artística monta e bonita postura em praça, a silhueta até faz lembrar seu Avô,
o Mestre eterno, o "jovem" Núncio toureou como se toureava
antigamente, brega desenvolta e eficaz, nenhum alarde modernista, os ferros
todos cravados à tira, de alto a baixo e ao estribo. O público aplaudiu de pé.
Toureia pouco e é pena. Dá gosto ver tourear à maneira antiga, por mais que o
toureio a cavalo tenha evoluído e por mais que Francisco Núncio não tenha
querido acompanhar as modas, antes mantenha, inalterável e com a arte de tempos
idos, essa forma diferente de lidar e tourear como ele a sente e interpreta. E
a verdade é que o antigo toureio nuncista ainda hoje tem adeptos e ontem teve
imensos, todos viram e todos comungaram do sucesso que foi o público de pé a
ovacionar a arte-outra do Francisco. Que toureou lindamente.
A nobre e portuguesíssima arte de pegar
- bem - os toiros é um condão que acompanha há muitos anos e dele fazem
apanágio e história, os valentes Forcados Amadores de Évora. Ontem, foram
também sózinhos, como o Botero, à luta com os Passanhas. E o resultado foi uma
tarde de clarmoso êxito, com o grupo chamado à praça no final, tal a emoção e o
valor que tinham deixado nas suas seis poderosas intervenções.
Dinis Caeiro fez a pega da tarde,
monumental, ao quinto toiro da corrida e ao primeiro intento. Aguentou uma
barbaridade de derrotes, ficou com decisão na cara do toiro e contou com uma
grande ajuda do companheiro que depois o acompanhou na volta à arena -
triunfal.
De muito boa nota foram também as pegas
de Francisco Oliveira (à segunda), de Manuel Rovisco (brilhante, ao primeiro
intento), de João Madeira (também à primeira e muito bem) e do cabo António
Alfacinha, que fechou praça, à primeira, com uma vistosa pega a que faltou
apenas algum empenho do toiro, que não derrotou. Menos sorte teve Ricardo
Sousel, autor da quarta pega da corrida, só consumada à quinta tentativa e com
as ajudas carregadas, após violentos "despejos" nas quatro tentativas
anteriores, em que recuou sempre pouco e entrou em demasia nos terrenos do
toiro.
O público correspondeu ao cartel
diversificado e bem montado pelo empresário "Nené" Cardoso e as
bancadas registaram uma excelente entrada de três quartos. Pena que a corrida
não se tivesse realizado à noite, com menos calor e, certamente, casa cheia.
Na direcção, com a usual competência e
imprimindo ritmo ao espectáculo, esteve Agostinho Borges acertadíssimo.
Não perca, hoje: os melhores momentos da corrida, as pegas uma a uma. E amanhã, todos os Famosos!
Fotos Maria João Mil-Homens