Miguel Alvarenga - Importante jornada de afirmação do novo matador de toiros nacional Manuel Dias Gomes na corrida mista que ontem se realizou na praça de Sobral de Monte Agraço (com meia casa forte) e onde reafirmou toda a sua arte diante de toiros da ganadaria Torre de Onofre, de excelente afirmação e bom jogo, mas com pouca força, sobretudo depois das cambalhotas que todos eles deram na arena.
Inexplicavelmente - a nossa Festa tem destas coisas estranhas... - Manuel Dias Gomes fazia ontem, em fim de temporada, a sua apresentação como matador no continente, depois de em Junho e só por mero acaso (não estava sequer anunciado) a ter feito na Ilha Terceira, nas Sanjoaninas, onde foi chamado a substituir o lesionado António Ferrera. A empresa de Vila Franca anunciou com pompa e circunstância a sua apresentação no Colete Encarnado, mas depois mudou o cartel e optou por um (conveniente, diz-se) "mano-a-mano" de António Telles e Pedrito, deixando de fora Dias Gomes. Lisboa agendou a apresentação do novo matador para 20 de Agosto, mas depois não chegou a haver acordo no que respeita aos toiros e a estreia voltou a ficar adiada. A Moita também se esqueceu de que Portugal tem um novo e valoroso matador e Vila Franca voltou a ignorá-lo na montagem dos cartéis de Outubro. Ocorrências, equívocos e esquecimentos lamentáveis, sobretudo depois de ontem Manuel Dias Gomes ter confirmado que tem valor - e arte, muita arte - para dar sequência ao nosso toureio a pé. O 40º matador da nossa História foi ontem protagonista de duas faenas de muito bom gosto e imenso recorte artístico que o público reconheceu e aplaudiu nas calorosas voltas que deu à arena.
Variado nos tércios de capote, com a muleta Dias Gomes esteve valoroso e mandão, templado e artista, reafirmando não apenas a classe do seu toureio fino, como também as suas potencialidades como extraordinário lidador. Nada ficou por dizer ou por fazer. Deu dois bonitos recitais e impôs-se, assim como quem diz "estou aqui!". Num ano marcado por importantes e marcantes avanços no que diz respeito ao ressurgimento do toureio a pé e das corridas mistas (que outrora eram o prato-forte das nossas temporadas), Manuel Dias Gomes demonstrou ontem, de dúvidas houvesse, que pode - e deve - ser Figura importante nas primeiras praças e a ombrear com os maiores. Pena que este decisivo acto de afirmação e este oportuno grito de alerta, por ter ocorrido na recta final da época, já não chegue a tempo de alertar as consciências dos senhores empresários.
João A. Moura despediu-se como novilheiro
Alternou mano-a-mano com Dias Gomes o novilheiro João Augusto Moura, anunciando-se que esta seria a sua despedida como tal, prevista que está a sua próxima alternativa de matador de toiros - que, segundo o apoderado Maurício do Vale, pode ainda ter lugar este ano ou no início do próximo. Também com dois toiros da sua ganadaria Torre de Onofre - que tem dado evidentes mostras de continuar a ser uma ganadaria com óptimas tendências para o toureio a pé - João Augusto Moura voltou a deixar marcantes pinceladas da sua arte e a todos disse que não perdeu o ofício dos tempos em que foi brilhante promessa. Regressado e com vontade de ir em frente (e há-de ir!), apesar de tourear pouco, o diestro de Monforte deixou ontem na arena do Sobral o perfume da sua arte e do seu saber. Bem nos tércios de capote, entregou-se nas faenas de muleta e foi autor de bonitos momentos - faltou apenas um pouco mais de "picante" e de força aos seus toiros, que transmitiram pouco, apesar de primarem pela apresentação.
Grandes Telles com toiros mansotes
A corrida abriu com a actuação (brilhante) de Manuel Ribeiro Telles Bastos, alterando-se a ordem pelo facto de o cabeça de cartaz, António Ribeiro Telles, ter toureado também ontem em Coruche, só chegando ao Sobral a tempo de lidar o quarto toiro da ordem. Com o único exemplar da Casa Prudêncio que se deixou lidar, Manuel Telles Bastos rubricou uma emotiva actuação, brilhando nos compridos e sobressaindo nos curtos, que cravou de alto a baixo e com reunião ao estribo, como ensinam os livros antigos. À Telles, em grande.
António Telles chegou finalmente ao quarto toiro e enfrentou um manso de Prudêncio que cedo procurou o refúgio em tábuas, em nada facilitando o labor do Mestre, que desenvolveu uma lide de muito valor, havendo que ressalvar a brega e o esforço na colocação do toiro, só assim conseguindo, praticamente sem a intervenção da quadrilha, cravar os grandes ferros que cravou. Maestria, chama-se ao que vimos.
Tio e sobrinho fecharam a corrida lidando a duo outro toiro mansote de Prudêncio, muito bem apresentado, como os dois anteriores, mas sem raça e que também se refugiou nas tábuas. Pena que assim fosse, mas ainda bem que assim foi, pois permitiu que os dois Telles brilhassem a toda a prova numa lide que, mesmo sem matéria prima, teve em praça dois grande cavaleiros e dois grandes lidadores. Os dois últimos curtos, o de António num palmo de terreno e o de Manuel por dentro e em terrenos de grande compromissos, culminaram uma esforçada e aplaudida lide onde faltou toiro, mas sobraram toureiros. De valor.
Rijas pegas dos Amadores de Lisboa
Actuaram os Forcados Amadores de Lisboa, tendo ontem saído como cabo João Lucas, por ausência de Pedro Maria Gomes (a corrida ficara adiada de domingo passado, por chuva - ontem esteve calor e sol - e o cabo tinha já uma viagem agendada que não pôde adiar).
Muito bem esteve o experiente Pedro Gil na primeira pega da tarde, com excelentes ajudas de todos os companheiros, concretizando ao primeiro intento após de fechar com a raça costumeira e depois de ter estado muitíssimo bem a recuar e a receber. A segunda pega, a cargo de Duarte Mira, não foi fácil, pode mesmo dizer-se que foi uma carga de trabalhos, tendo sido concretizada à quarta e a sesgo, com as ajudas bem carregadas, depois de três valentes tentativas e três impressionantes derrotes. Numa delas e depois de todo o grupo ter sido destroçado, um dos ajudas ficou na cara e podia ter sido uma pega monumental... mas não se tratava do forcado da cara e a sorte teve que ser repetida. A terceira e última pega foi enorme, consumada à segunda por Daniel Batalha, que aguentou estoicamente violentos derrotes.
Antes da corrida foi descerrada no páteo de quadrilhas uma placa de homenagem à trajectória de Mestre David Ribeiro Telles, tendo usado da palavra o crítico António Lúcio, o provedor da Santa Casa e o presidente da Câmara do Sobral, José Manuel Quintino. A corrida de ontem, agradável e que decorreu em bom ritmo e sem intervalo (a praça não tem iluminação), foi muito bem dirigida por Tiago Tavares, assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva. Em tarde de importância para o toureio a pé, marcaram ontem presença no Sobral os matadores de toiros Mário Coelho (que exactamente há 25 anos cortou a coleta no Campo Pequeno), Vitor Mendes, Armando Soares e Luis "Procuna", bem como o espanhol Tomás Campuzano, apoderado de Dias Gomes. Honrosa presença na trincheira de Elísio Summavielle, antigo secretário de Estado da Cultura, depois de na véspera também ali ter estado Marcelo Rebelo de Sousa. Presenças ilustres e de destaque para a Tauromaquia. Bem hajam.
Não perca, mais logo, todas as fotos de Maria Mil-Homens - desta corrida e do festival que no sábado também se realizou no Sobral de Monte Agraço, duas importantes jornadas nesta recta final da temporada.
Fotos M. Alvarenga