O mundillo taurino nacional entrou em
paranóia depois de João Salgueiro ter dito no sábado, durante um colóquio na
praça do Campo Pequeno, que devia ser feito o controlo de doping aos cavalos
dos toureiros, sugerindo a eventual existência de casos em que cavalos actuaram
"dopados". Houve até quem o acusasse de ter dito o que disse para
fazer esquecer o seu "não triunfo" na quinta-feira em Lisboa.
Salgueiro vem aqui pôr os pontos nos iis.
Entrevista de Miguel Alvarenga
- Há mesmo doping nas arenas, João
Salgueiro?
- O que eu disse, está dito, o que foi
escrito, está escrito, ponto final. E ninguém inventou nada. Somos todos
taurinos, ninguém quer o mal da Festa, mas há verdades que, para o seu bem, têm
que ser ditas, não podem ser eternamente escondidas, escamoteadas. O futuro da
Festa passa, não podemos ignorar, pela necessidade cada vez maior, até para nos
salvaguardarmos dos ataques dos anti-taurinos, da garantia do bem estar dos
animais. Pode ter havido más interpretações e houve-as certamente, muitas até
propositadamente. Eu disse o que disse na sequência do anúncio, feito no
colóquio do Campo Pequeno por uma médica veterinária da Direcção-Geral de
Veterinária, como todos os que lá estavam ouviram, de que iam ser
incrementadas medidas nas praças de toiros, através da presença de
veterinários, tendentes a assegurar o bem estar dos animais e nomeadamente dos
cavalos. E eu disse, como todos também ouviram, que uma das coisas que devia
ser feita era o controlo ao doping. Se isso acontece em muitas outras
modalidades equestres, onde há casos de doping, porque é que não acontece
também na tauromaquia? E também disse que essas acções que irão ser levadas a
cabo pela Direcção-Geral de Veterinária, deverão ser tomadas com consciência,
com conhecimento dos toureiros e aos poucos e poucos, não se pode de repente
passar do 8 para o 80. Ficou tudo em paranóia, mas a verdade é que o futuro vai
obrigatoriamente passar por aí e pela cada vez maior necessidade de assegurar o
bem estar dos animais.
- Nomeadamente dos cavalos...
- Concerteza que sim. Houve uma senhora
que assistia ao colóquio, como te lembrarás, que focou o caso de uma primeira
figura do toureio que no ano passado saíu da arena com um cavalo a sangrar
abundantemente do nariz, por efeitos de uma serreta. Essa senhora lamentou que
nenhum blog ou site taurino tenha denunciado isso, relembrando que os
anti-taurinos não são os de fora, mas os que cá estão dentro e que permitem que
essas coisas aconteçam. E é verdade. Essas coisas acontecem, ninguém denuncia e
depois entram todos em paranóia quando alguém vem falar delas. Andam todos
constantemente a tapar o sol com uma peneira, têm um pavor assustador dos
anti-taurinos, mas esquecem, ou não querem ver, que os principais anti-taurinos
estão dentro da Festa...
- O Regulamento, tanto o novo como o
antigo, é praticamente omisso quanto aos cavalos. Não fala deles. Ultimamente,
falou-se que tinham que passar a existir currais nas praças portáteis, para
garantir o bem estar dos toiros, mas nunca ninguém se preocupou com os cavalos,
verdade, João Salgueiro?
- Verdade. É um facto. A Festa tem que
evoluir, mas evoluir num bom sentido. O futuro tem que passar por tudo isso,
parece que ainda ninguém o entendeu. Mas é verdade o que dizes. Andam muito preocupados com a necessidade de melhorar as condições dos curros nas praças e de passar a tê-los também nas portáteis, mas com os cavalos ninguém se preocupa... e ninguém fala sobre isso. A maior parte
das praças de toiros não possui cavalariças em condições, os cavalos ficam na
rua atrelados às camionetas e à mercê de qualquer anti-taurino que lhes
pretenda fazer mal e isso não acontece só nas portáteis, acontece em muitas,
muitas mesmo, praças fixas. Mas ninguém se preocupa com isso. Também não
existem locais vedados para aquecer os cavalos... Não custava nada colocar umas
baias e proporcionar aos cavaleiros recintos onde aquecer os cavalos. Na maior
parte dos casos, aquecemos os cavalos em parques de estacionamento ou junto às
praças, no meio da confusão das pessoas, junto às rulotes onde se bebem
minis... e ao frio. Os cavalos vão para dentro das arenas frios e depois, de
repente, levam com um toiro pela frente a cem à hora... Tudo isso era preciso
mudar, mas a realidade é que só se preocupam quando se dizem as verdade, cheios
de medo de que os anti-taurinos vão aproveitar-se disso. Haja coragem!
- É, portanto, positivo que passe a
haver esse maior controlo nas praças por parte da Direcção-Geral de
Veterinária?
- Claro que é altamente positivo. E no
colóquio também se falou das serretas, que deveriam deixar de ter picos, das
gamarras e de tudo isso. Devia haver, na verdade, um controlo mais rígido a
todas essas coisas e, repito e insisto, ao doping também. Se acontece em quase
todas as modalidades desportivas equestres, porque razão na tauromaquia há-de
continuar tudo a ser de qualquer maneira?
- Houve quem te acusasse de ter
levantado essa celeuma para fazer esquecer o insucesso do Campo Pequeno. Uma
reacção a isso, João...
- As pessoas têm a mania de procurar
sempre justificações para, repito, tentarem tapar o sol com uma peneira. A
corrida de Lisboa não me correu como se esperava, é um facto e já o assumi. Não
dei um petardo, mas, como escreveste, a verdade é que não cheguei a sair da
lâmpada... Mas as coisas, às vezes, acontecem assim. O Morante foi quatro tardes
a Sevilha, deixou ir um toiro vivo e só mesmo no último dia e no último toiro,
enlouqueceu tudo e todos, cortou duas orelhas e levaram-no em ombros da praça
até ao hotel pelas ruas. E antes não tinha deixado de ser o Morante. Eu não
deixei de ser quem sou, da próxima será melhor, não tenho que fazer nada para,
como alguns dizem, "fazer esquecer" o que quer que seja. Todos estão
a falar do meu "não sucesso" no Campo Pequeno, se calhar, se fosse
outro, ninguém falava. Afinal, o Salgueiro ainda é importante! Eu também disse
nesse colóquio, e todos ouviram bem, que antigamente lia todas as crónicas e
procurava emendar nas próximas corridas os erros que os críticos me apontavam;
e hoje em dia não o faço, não leio, porque não reconheço idoneidade a muitos
dos que para aí escrevem. Qualquer pessoa hoje abre um site na internet e
presume que é crítico tauromáquico, sem ter conhecimentos nenhuns. E disso
ninguém falou, podiam ter
arranjado uma celeuma enorme com isso que eu disse, mas só estão a falar do
doping... Há tanta coisa que está mal e que era preciso mudar!
- E o que todos querem saber: mais
corridas este ano, João?
- Dia 29 de Maio, como já foi anunciado,
vou dar a alternativa ao meu filho em Almeirim, no dia em que passam
exactamente 29 anos sobre a data em que ali a recebi também. Toureio dois
toiros de Murteira Grave. E depois, não sei. Hoje em dia não vivo do toureio,
graças a Deus. Posso tourear mais uma corrida ou duas... ou mais nenhuma, ainda
não sei.
Fotos Edgar Vieira e D.R.