Primeiro com o "Xispa" e depois com o "Temperamento", João Moura Caetano bordou o toureio com pormenores de apreciada arte e aplaudida maestria |
Arte, garra e temple marcaram as duas grandes actuações de João Moura Júnior na corrida de ontem em Alter. Melhor era impossível! |
Miguel Alvarenga - Sol, calor e moscas,
um cartel ousado e competitivo, uma data tradicional, um ambiente "à
antiga" fora da praça antes e depois do espectáculo e uma praça esgotada.
Foi assim ontem em Alter do Chão. E assim dá gosto ir aos toiros, viver a festa
como a vivemos ontem, uma corrida cheia de ritmo, sem tempos mortos, um
intervalo rápido apenas para ajeitar o piso da arena, uma homenagem
merecidíssima e nada maçadora, ao início, ao grande bandarilheiro Amâncio Grilo,
que ali recebera há exactamente 50 anos a alternativa das mãos de António
Gregório. Foram tudo exemplos de como as coisas devem ser feitas, sem demoras,
sem longos palavreados que depois ninguém consegue entender (o som, aqui, era
óptimo), com verdade, com seriedade e verticalismo. Cabe aqui uma palavra de
louvor ao dinamismo e à coragem do empresário Jorge de Carvalho (um histórico
da praça de Alter), que montou um elenco arrojado e baseado nas dinastias
Caetano e Moura, sem dúvida alguma os nomes que, viu-se ontem, levam gente às
praças no Alentejo - e não só.
Afinal, a fórmula para encher praças não
era assim tão mágica como alguns pensavam. Como há trinta anos, o
"derby" Caetano/Moura continua a fazer mover multidões. Praça
esgotada ontem em Alter. A data, o cartel e o selo de seriedade da organização
foram mais que suficientes para assegurar um sucesso que estava, à partida,
anunciado. E ganho. Exemplar. Está aqui, mesmo para quem não saiba ou não queira vez, o novo Trio da Apoteose, em versão renovada e actualizada, para fazer mexer a Festa e voltar a encher as praças.
Anunciaram-se seis toiros de Proença,
mas por fim três foram substituídos por outros tantos de Maria Guiomar Cortes
de Moura (o segundo da ordem, um magnífico toiro de bandeira, o terceiro e o
quarto). Pena que ao segundo não se tenha concedido a volta à arena a Armando
João Moura, o representante da ganadaria. Teria sido mais que merecida.
Moura Caetano bordou o toureio em lides distintas
Com um toiro sério e complicado, cheio
de sentido, com cinco anos, de Proença, João Moura Caetano abriu a corrida com
uma portentosa lide baseada na cumplicidade de um cavalo histórico, o
"Xispa", tendo ambos protagonizado momentos altíssimos de bom toureio
- e também uma dramática queda provocada pela escorregadela do cavalo junto às
tábuas, sendo o cavaleiro projectado de cabeça para dentro da trincheira.
Felizmente ninguém se lesionou e cavaleiro e cavalo regressaram à luta para
fechar a actuação com dois ferros extraordinários.
No segundo do seu lote, um toiro de sua
avó, Guiomar Moura, mais colaborante, Moura Caetano bordou o toureio com o
cavalo "Temperamento", animal elástico e de espectacular desempenho.
Foram grandes os momentos de templada
brega, os pormenores de recorte artístico, os ferros de tremenda emoção.
Caetano num momento alto - como altas têm sido as suas últimas temporadas. A
prometer, uma vez mais, campanha marcante em 2016.
João Moura Jr. enorme e com novas
estrelas
Depois de um primeiro triunfo no
festival de Vila Viçosa, era muita a curiosidade de ver João Moura Júnior,
sobretudo depois de ter sido o grande triunfador da última temporada e de se
saber que vendeu recentemente três dos seus cavalos-craques à rejoneadora
mexicana Mónica Serrano.
João compareceu em Alter moralizado e
tranquilizou todos os seus adeptos: está outra vez montado e mais que montado
para os grandes e importantes desafios que o esperam em 2016. Exibiu ontem
novos craques e manteve com eles o seu tipo de toureio de raízes profundamente
mouristas, baseado na artística concepção da nova maneira de lidar toiros a
cavalo, onde se funde a arte com o risco e a emoção com o temple.
Esteve simplesmente enorme na lide do
seu primeiro oponente, um toiro de bandeira de Guiomar Moura que lhe valeu a
conquista, justa e merecida, do prémio para a melhor actuação da corrida,
troféu que tem o nome do antigo cavaleiro D. José de Atayde.
No quinto da ordem, da ganadaria
Proença, que pedia contas, Moura deu-as com o seu sorriso, fazendo parecer que
era fácil todo o difícil do seu desempenho. Foi uma lide de alto
profissionalismo e grande técnica, apenas quebrada por uma violenta colhida sem
consequências. No final, dois palmitos em execução à usança espanhola e em
círculo, que uns aplaudiram e outros não gostaram - mas tudo foi premiado com
mais uma ovacionada volta à arena, a confirmar o grande momento que continua a
atravessar.
Miguel Moura grande entre gigantes
Embora a jogar entre familiares, a
verdade é que na arena não há primos nem irmãos, mas sim competidores e o jovem
Miguel Moura ontem não se ficou atrás dos parceiros de cartel - antes pelo
contrário, apertou-os, incomodou, fez uma vez mais uma declarada chamada de
atenção para o futuro de sucesso que o espera e que já todos avistámos desde
que deu nesta tarde os seus primeiros passos.
Lidou em primeiro lugar um toiro de
Guiomar Moura e em último um de Proença, dois oponentes de características
distintas a que o toureiro deu, com saber e já alguma experiência, as lides
adequadas.
Está-lhe nas veias o sangue e o valor de
uma casta única e por isso não é, nunca foi, de admirar que o mais jovem (por
enquanto...) dos Mouras venha também a ser, à semelhança do pai e do irmão, um
caso sério.
Miguel Moura esteve grande entre
gigantes, grande na brega, grande no toureio, grande na forma como empolga e
chega ao público, arriscando, pisando terrenos de compromisso, cravando com
emoção. Um Moura é sempre um Moura...
Seis pegas à primeira
As pegas, como já aqui detalhadamente
referimos, foram todas executadas com brilhantismo ao primeiro intento, o que
valorizou a intervenção dos dois grupos de forcados, Montemor e Alter, e deu
ritmo ao espectáculo - que se cumpriu em duas horas e meia.
Foram forcados da cara, pelos
montemorenses, Tiago Telles de Carvalho, Bruno Palmeiro (vencedor do troféu
para a melhor pega) e João da Câmara; pelo grupo da terra, pegaram Marco Pires,
João Tita e José António.
Destaques na brega para o bom desempenho das três quadrilhas, com realce para Diogo Malafaia, Jorge Alegrias e Benito Moura, Pedro Paulino e Sérgio Santos "Parrita", João Ganhão e Nuno Boga.
A corrida contou com a honrosa presença
do presidente da Câmara de Alter, Joviano Vitorino - e foi dirigida, com a
habitual seriedade e competência, por Agostinho Borges (que até pôs em sentido
os chatos dos vendedores de queijadas e bebidas, alguns dos quais se
movimentaram durante as lides...), que esteve assessorado pelo médico
veterinário Dr. José Guerra.
Ao início das cortesias guardou-se um
minuto de silêncio em memória do ganadeiro Manuel Assunção Coimbra, falecido há
dias. E antes de o espectáculo de iniciar, homenageou-se o grande bandarilheiro
Amâncio Grilo. Nesta tarde, cumpria-se exactamente meio século da data da sua
alternativa nesta mesma arena, em 25 de Abril de 1966. Cavaleiros e forcados
brindaram-lhe as suas sortes. O público, que não esquece nunca os seus heróis,
tributou-lhe carinhosa e respeitosa ovação.
Olé, compadre Amâncio!
Fotos José Diogo Faia