Rei dos empresários e dos apoderados de antigamente, Rogério Amaro assistiu ontem à corrida em Salvaterra acompanhado por sua neta |
João Moura Jr. deu lição de maestria no quinto toiro, fazendo jus ao seu estatuto de primeiro entre os da nova geração |
João Telles explodiu no último toiro e a praça veio abaixo com uma lide de grande verdade e emoção, onde reafirmou que está a viver o seu grande momento |
Miguel Alvarenga - Quando os cartéis são “mais do mesmo” e as corridas não têm, por isso, razão de ser, limitam-se a ser só mais umas, o público não vai. Não é assim tão difícil tentar meter na cabeça desta gente que não existe crise alguma na Tauromaquia. Existem é touradas a mais. Quando os elencos são bons e as corridas têm carisma, caso da Tourada Real de ontem em Salvaterra de Magos, o público vai. E não só vai, como esgota a praça, que foi o que aconteceu. Repito o que não me canso de apregoar: se o Toni Carreira andasse por aí a cantar em todo o lado, como os nossos toureiros andam, ora actuando nas praças fixas, ora correndo as portáteis de lés a lés, sempre os mesmos, os cavalos a correr e as meninas a aprender, nunca esgotaria, como esgota sempre, a tremenda lotação do Pavilhão Atlântico. O homem, o Toni Carreira, sabe o que faz. Os nossos toureiros e os nossos empresários, na esmagadora maioria dos casos, não sabem. E depois queixam-se da (falsa) crise… A crise são, apenas e só, eles que a fazem. E a motivam. E a choram depois.
Não há crise nenhuma, repito. Há é touradas a mais e touradas sem interesse nenhum. Quando se anunciam espectáculos diferentes, bons e com carisma, como o fez Rafael Vilhais ontem em Salvaterra, o público está lá, diz “presente!” - e a Festa tem, de facto, o seu antigo sabor, o seu esquecido glamour, o seu carisma de outras eras. Será assim tão complicado para estes senhores entenderem isso?…
Ontem, numa barreira de Salvaterra, esteve um Senhor do tempo antigo. Um Senhor que tinha (e tem!) glamour, que respirava seriedade e impunha dignidade. O antigo empresário Rogério Amaro foi brindado pelos Forcados de Alcochete. Cá para mim, todos lhe deviam ter ido prestar vassalagem. Ele ainda representa o tempo em que a Festa era a sério, em que os toiros eram de verdade e em que as praças enchiam. Tenho dito. E vamos à corrida.
Raça, casta e maestria: o grande Rouxinol!
Os toiros de Veiga Teixeira, sérios, a impor emoção, com raça e a pedir contas, eram apenas parentes dos belíssimos Veiga Teixeira que vimos recentemente no Campo Pequeno. Além disso e apesar da boa apresentação de todos, tiveram distintos comportamentos e físicos diferentes, o que, à partida, é logo um mau sinal. Houve toiros com 450 quilos e toiros com 600. Um curro desigual.
O primeiro toiro foi o melhor da noite. Apertou, exigiu, impôs respeito e seriedade, teve emoção. Luis Rouxinol é um triunfador nato e não perde, nem a feijões. Impôs também ele a sua experiência, a sua maestria, a sua incrível e cada vez maior consistência e solidez, aquela arte de estar sempre bem e fazer parecer o difícil fácil. Raça, casta, saber, maestria. E tudo correu bem. Extraordinário mesmo, com a fantástica égua “Viajante”. De tão bom e gravo, o toiro foi indultado pelo experiente e sabedor ganadero António Francisco da Veiga Teixeira e regressou ao campo.
O seu segundo toiro era demasiado manso, cedo procurou o refúgio em tábuas e Rouxinol, por ser quem é, conseguiu resolver a papeleta, com o cavalo “Douro” deu depressa a volta à situação e esteve muitas milhas acima do seu oponente. Para ele não há toiros bons nem maus, não há toiros difíceis nem fáceis. Há apenas toiros e todos se toureiam. E com todos ele triunfa. Grande Toureiro, a cumprir 30 anos de suprema glória nas arenas. Primeira Figura, entre os melhores.
Lição Mourista no quinto toiro
Depois do primeiro toiro, com 590 quilos, saiu o segundo… com 470. E essa contradição (é mesmo uma lamentável contradição) retirou brilho à esforçada actuação de João Moura Jr. Que esteve bem, mas cuja lide não teve a importância que se exigia. E que o labor do cavaleiro merecia.
No quinto da noite, um toiro-toiro com presença e seriedade, Mourinha abriu o livro e ditou um compêndio. Ferros emotivos a entrar pelo toiro dentro, nos terrenos da verdade, remates e “piruetas” ousadas na cara do toiro, brega suave, temple enorme, uma actuação brilhante e a impôr a sua verdade, a sua força, a tão grande e tranquila solidez de uma maturidade toureira e artística com que continua, entre os novos, a marcar em definitivo a diferença.
Noite enorme, a de João Moura Jr., euforia nas bancadas, público de pé a exigir mais um ferro e outro ferro e ele a sair no momento certo, em apoteose.
Quarenta anos depois, o Mourismo está de volta às praças e o toureio equestre tem outro "Niño Prodígio" capaz de voltar a arrastar multidões para o verem.
Telles apoteótico com Triunfo Real no último toiro
João Ribeiro Telles vive, sem dúvida alguma, o seu momento, a sua hora. Atingiu nesta temporada o mais alto dos patamares, está bem montado e moralizado, vai a qualquer praça para triunfar e não deixar um único espectador indiferente.
Lidou em primeiro lugar um Veiga Teixeira com 500 quilos, reservadote, que soube enfrentar com inteligência e com arte numa lide que, não sendo enorme, foi regular e emotiva no seu conjunto.
No último toiro da noite, com 605 quilos (mais 100 quilos fazem a diferença e os Veiga Teixeiras de ontem pecaram, sobretudo, pela discrepância, pela desigualdade no que aos pesos diz respeito, que é o mesmo que dizer, no que concerne à apresentação e trapio), João Telles pôs a carne no assador, chegou ali para responder ao triunfo de Moura e são estas picardias que renovam emoções e paixões nos aficionados. E que devolvem à Festa todo o carisma que se está a perder.
Telles está aquilo a que se pode chamar um Toureirão. Esta sua última actuação foi daquelas que criam um verdadeiro alvoroço nas bancadas. O público levantou-se, como que impelido por uma mola, a cada ferro. João arriscou, em terrenos de enorme compromisso e quase sem saída possível, cravando ferros dos que falam verdade e parecem impossíveis de cravar. Excedeu-se, inspirou-se, esteve muito acima da média. Foi uma lide a confirmar o grande João Telles de uma temporada em que está a marcar, também e de modo incrível, a diferença. Triunfo Real no sexto toiro.
Impõe-se o "duelo" na capital!
Exige-se agora o duelo de Moura e Telles em Lisboa. Com toiros de verdade. A Festa e eles os dois só ganhavam com isso. Continuo sem entender este desencontro que está a afastar João Telles do Campo Pequeno. Numa temporada como a que está a realizar, João Telles precisa de se afirmar em Lisboa. E Lisboa tem que enriquecer a sua histórica temporada do 125º aniversário com este toureiro.
Entendam-se de uma vez por todas! Deixem de brincar ao gato e ao rato…
Forcados e... forcados...
Com toiros de verdade, exigem-se Forcados de verdade. Estiveram os de Alcochete. Não estiveram os de Salvaterra.
Era previsível à partida, conhecendo-se o historial actual dos Amadores de Salvaterra. Não têm corridas, por isso falta-lhes estaleca, falta-lhes andamento, falta-lhes experiência e falta-lhes, acima de tudo, preparação e rodagem. E ainda para mais, com toiros Veiga Teixeira.
O que aconteceu não surpreendeu ninguém. O empresário pô-los na corrida, porque os grupos da terra devem sempre pegar na sua praça. Entende-se. Mas depois…
Com mais corridas e com uma maior rodagem, as coisas teriam sido distintas. Valor não lhes faltou e dias melhores hão-de vir. Faltou-lhes apenas traquejo.
O primeiro toiro dos Amadores de Salvaterra foi pegado à terceira pelo valente Carlos Travessa. O último, o dos 605 quilos, foi inteligentemente e antes que houvesse mais feridos (foram três forcados de maca para a enfermaria nas pegas anteriores), pegado de cernelha. Curiosamente, sem dificuldades de maior, por Ramiro Sousa e Nilton Milho. O quarto toiro da noite recolheu aos currais sem ser pegado, depois de uma verdadeira batalha campal que revelou, como disse, a falta de rodagem dos Amadores de Salvaterra. Louve-se ao grupo a dignidade que teve de aceitar enfrentar estes toiros, mesmo sabendo de antemão que as coisas não seriam fáceis. Como não foram. Não esmorecer é a forma de ir em frente. Melhores dias surgirão para os audazes forcados da terra. Força, rapaziada!
Sem constituir qualquer surpresa, os Amadores de Alcochete marcaram ontem a diferença, pois claro. Grupo rodado, consistente, dos melhores que temos.
Fica na história, como outras que fez, a primeira pega da noite, a cargo do enorme João Machacaz. Recuou com saber e técnica, mandou na investida do potente Veiga Teixeira, fechou-se com braços de ferro, aguentou e fartou-se de aguentar os violentos derrotes e não mais saiu, até o grupo, desfeito na investida, se recompor e o ajudar. Um monumento.
Grande foi também a pega de Pedro Viegas, igualmente à primeira, ao terceiro toiro da corrida, também ele bem no cite e a recuar mandando, o grupo a ajudar coeso e o forcado fechado de braços e pernas como mandam as regras da arte de bem pegar.
Mais dificuldades teve António José Cardoso, o “Nené II”, para pegar o quinto da ordem. Foi duas vezes com galhardia à cara do toiro e duas vezes sofreu violentos derrotes, acabando por consumar à terceira tentativa com uma ajuda crucial do valente e poderoso Diogo Thorn. Mereciam os dois dar a volta à arena, mas António José limitou-se a agradecer nos médios e recolheu à trincheira com a dignidade que marca os eleitos.
D. Duarte homenageou os artistas
Ao intervalo, D. Duarte de Bragança desceu à arena com alguns elementos do staff monárquico para entregar lembranças e homenagear os cavaleiros e os forcados desta XV Tourada Real, assim como o empresário Rafael Vilhais e o exemplar agricultor José da Costa, a quem se descerrou uma placa no interior da praça referenciando-o como “um exemplo de vida para as gerações vindouras”.
Cavaleiros e forcados brindaram as suas actuações ao Duque de Bragança - e só foi pena não se terem lembrado de o fazer também, à excepção dos Forcados de Alcochete, à realeza de outro grande Senhor, o antigo empresário, empresário a sério, o inesquecível Rogério Amaro.
Manuel dos Santos “Becas” esteve ontem em foco, sobretudo na colocação dos toiros para os forcados, mas também a lidar, numa noite em que todos os peões de brega estiveram muito bem. Aplausos ainda para David Antunes, Diogo Malafaia e Benito Moura, Nuno Oliveira e Duarte Alegrete. Sem excepção, bregou-se e lidou-se acima da média.
Corrida bem dirigida por Lourenço Luzio, que esteve assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva e que se iniciou com o esplendor, sempre do agrado do público, das antigas Touradas Reais, com o cortejo de gala à antiga portuguesa, tendo sido neto o menino João Maria Gregório de Oliveira, de apenas 7 anos (neto do conhecido ganadero de Montemor), que desempenhou a sua função com o aplauso e o reconhecimento dos aficionados, demonstrando excelente equitação.
Esta foi mais uma das corridas que marcou esta temporada. E foi a prova, insisto, de que quando as coisas são bem feitas, bem organizadas, bem promovidas e com o carisma e o glamour de outros tempos, o público acorre, está lá, esgota as praças. Nunca será de mais felicitar e dar os parabéns ao empresário Rafael Vilhais - assim se engrandece a Festa e se desmente a pretensa crise.
Fotos Maria Mil-Homens