Toureio de verdade e de desmedida emoção. Marcos Bastinhas empolgou o público que encheu o Coliseu de Elvas com duas vibrantes actuações, fechando com chave de ouro a sua brilhante temporada de 2017 |
Recto em direcção ao toiro, frontal e verdadeiro, emotivo e "à antiga". Duarte Pinto esteve em grande nível no sábado em Elvas |
Miguel Alvarenga - Depois de Manuel dos Santos, que demorava duas horas a atravessar o Rossio de um lado ao outro, mal era reconhecido pelo povo; e depois dos anos de ouro de José Mestre Batista e Luis Miguel da Veiga, que saiam das praças já quando a noite caía, constantemente rodeados pelas fãs e pelos aficionados admiradores; não houve outro ídolo de multidões na nossa Festa como Joaquim Bastinhas. E continua, e permanece e o público adora-o como se adora e como se idolatra um deus.
Ausente das arenas nos últimos dois anos, a recuperar (agora, sim, está como novo!) de um gravíssimo acidente de campo sofrido na sua herdade em Setembro de 2015, Joaquim Bastinhas tem feito uma falta notória nas praças. E o público está desejoso de o ver voltar - o que, segundo o próprio, vai finalmente acontecer na próxima temporada.
Sábado em Elvas, com o Coliseu cheio (mais de três quartos fortes das bancadas preenchidos, a maior enchente dos últimos anos ali verificada), a popularidade de Bastinhas e o carinho com que o público anseia pela sua reaparição ficaram bem patentes e bem demonstrados quando, em três ocasiões, foi à arena receber os brindes dos Forcados de Évora, de seu filho Marcos e, no último toiro, do cavaleiro Duarte Pinto, que dedicou a sua lide ao Maestro e também a seu pai, Emídio Pinto e a Paulo Caetano.
O público levantou-se nas três vezes e tributou a Joaquim Bastinhas as mais calorosas e sentidas ovações da noite, obrigando-o a regressar à trincheira e ao burladero onde assistiu à corrida, a meu lado, de lágrimas nos olhos. Fui testemunha da sua justificada emoção.
A noite foi, aliás, toda ela de emoções, resultando a corrida como uma das melhores da temporada, mercê das excelentes actuações dos três cavaleiros - João Moura Caetano, Marcos Bastinhas e Duarte Pinto -, das duras intervenções dos grupos de forcados Amadores de Évora e Académicos de Elvas e da seriedade dos toiros dos Herdeiros de Rodolfo André Proença, que impuseram, exigiram e trouxeram grande verdade ao espectáculo.
Caetano, Bastinhas e Pinto tiveram música e empolgaram o público nos três primeiros toiros, mas foi a seguir ao intervalo, na segunda parte, que os três alcançaram os maiores triunfos, terminando a corrida, por bonito gesto de Duarte Pinto, que foi chamar os companheiros, com os três a dar aplaudida volta à arena, acompanhados pelos ganaderos e pelo forcado autor da última pega, Luis Machado, cabo dos Académicos de Elvas. João Pedro Oliveira, líder dos Amadores de Évora, declinou o convite para também os acompanhar, consciente da difícil e pouco triunfal noite que o grupo teve. Mas ou há moralidade ou comem todos e, por isso, o Grupo de Évora merecia também esta honraria final. Foi, para os Forcados de ambos os grupos, uma noite duríssima, mas não uma noite de fracasso. Houve dignidade e houve valentia e decisão. Nota-se, contudo, e é perfeitamente natural e aceitável, que os rapazes das jaquetas de ramagens vivem ainda as horas difíceis que foram marcadas pelas recentes tragédias das mortes de Pedro Primo e de Fernando Quintella.
Moura Caetano: sinfonia de arte
e bom toureio
João Moura Caetano brilhou no primeiro e muito áspero toiro da noite, que pesou 606 quilos (quilos a mais, repito, para a morfologia natural do toiro bravo), lidando-o superiormente e triunfando com o “Xispa”, um cavalo “do outro mundo”. Caetano é detentor, aliás, da melhor quadra da actualidade.
No seu segundo, abriu o compêndio e bordou o toureio com o “Temperamento”, no que foi uma verdadeira e bonita sinfonia de bem tourear. Recebeu com o “Aramis” e cravou três ferros imponentes de poder a poder, aguentando uma barbaridade, parando, templando e mandando com a marca dos eleitos. Lide muito a gosto e triunfal, a confirmar um Caetano em grande e a deixar enorme ambiente para os dois grandes compromissos que o esperam nesta recta final da temporada: já na sexta-feira em Évora e no dia 12 de Outubro no encerramento da época em Lisboa.
Bastinhas fecha ano brilhante
com chave de ouro
Marcos Bastinhas fechava a sua temporada, um ano brilhante a que apenas faltou presença no Campo Pequeno, mas que ficou marcado por memoráveis e constantes triunfos nas praças por onde passou e por um regresso a Espanha com apoteótica saída em ombros em Don Benito ao lado de Pablo Hermoso e Lea Vicens, a deixar em aberto uma mais que provável campanha em 2018 nas principais praças do país vizinho.
Esteve decidido e em plano superior no segundo toiro da noite, mas foi no quinto, um toiro complicado e reservado, que exigia muito e esperava, que Marcos Bastinhas deixou patente toda a sua emotiva concepção da arte de lidar toiros a cavalo e de bem tourear. Pôs a carne no assador, como se costuma dizer e desenvolveu uma lide de imensa emoção e permanente empatia com o público, que não se cansou de o aplaudir a cada ferro. Esteve diligente na brega, muito bem a lidar e emotivo a cravar, terminando com dois imponentes pares de bandarilhas que galvanizaram tudo e todos. Uma grande homenagem de Marcos Bastinhas a seu pai, a quem brindou a lide - e também ao seu público. Enorme! Chave de ouro no fecho da sua brilhante campanha.
O público encheu o Coliseu de Elvas com um cartel aliciante e apesar de Caetano e Bastinhas terem toureado (e triunfado) uma semana antes ali mesmo “ao lado”, em Portalegre - o que deita por terra a velha máxima de que os toureiros não devem deixar-se ver em praças e em datas tão próximas umas das outras. Quando os elencos são bons e compostos por toureiros que têm carisma e motivam o interesse do aficionado, o público acorre à bilheteira e enche as praças. E o resto são cantigas.
Classe e classicismo na frontalidade
de Duarte Pinto
A corrida de Elvas incluía dois toureiros da terra e um que não é alentejano, mas tem nome, não está demasiado visto nem gasto e é um cavaleiro de dinastia também, tendo às costas a difícil responsabilidade de dignificar e honrar o passado do Senhor seu Pai, uma Figura incontrolável do toureio a cavalo, Mestre Emídio Pinto. Falo, obviamente, de Duarte Pinto, um clássico que nunca vira a cara e esteve uma vez mais em alto nível frente e toiros de verdade.
Duarte lidou com primor o seu primeiro toiro e brilhou em grande no último da noite, cuja lide brindou na arena a seu pai, a Joaquim Bastinhas e a Paulo Caetano. Actuação de elevado nível, com brega perfeita e ferros de tremenda emoção, indo recto à cara do toiro, pisando terrenos de alto compromisso, vencendo o piton esquerdo e cravando de alto a baixo como mandam as regras e ensinam os livros que fazem a lei do toureio a cavalo.
No final, teve o gesto de honradez e elevado companheirismo de não querer os louros só para si e como a noite fora de triunfo para todos, iniciou a volta à arena chamando os companheiros de cartel para que todos fossem receber a ovação do público que das bancadas não arredava pé. Acompanharam-nos os ganaderos (com merecimento) e o forcado Luis Machado.
Forcados sob o espectro da tragédia
Das pegas já aqui deixei tudo dito. Foi uma noite dura e de muito risco, felizmente sem incidentes de maior, para os grupos de Amadores de Évora e Académicos de Elvas. Os toiros foram muito ásperos e complicados para as pegas, mas nota-se também alguma apreensão por parte dos Forcados, compreensível, dado o momento de alta tensão que todos vivem depois das tragédias ocorridas em Cuba e na Moita e de que resultaram as mortes de dois jovens, Pedro Primo e Fernando Quintella. O espectro da tragédia sente-se a cada momento que os valentes Forcados saltam à arena. Foram tristes coincidências as que ocorreram recentemente, entende-se a tensão que eles vivem - mas a hora é de ir em frente e honrar, como estes dois grupos o fizeram, com a dignidade e a valentia que os caracteriza, as memórias de Pedro Primo e de Fernando Quintella. Sorte para todos vós! E que Deus vos acompanhe sempre!
Nota alta para o excelente desempenho dos bandarilheiros Pedro Paulino, "Parrita", Ricardo Raimundo, Gonçalo Veloso, João Pedro Silva e Joel Piedade.
Boa direcção de Agostinho Borges numa corrida que teve ritmo triunfal e que fica nas memórias como uma das grandes noites desta temporada.
Fotos Maria Mil-Homens