Desde Londres, onde vive há vários anos, o antigo toureiro vilafranquense Pedro Santos põe o dedo em algumas feridas e aponta alguns rumos necessários para modernizar a Festa Brava e adaptar o espectáculo aos novos gostos da sociedade em pleno século XXI. Uma entrevista que vai dar polémica - e que exige meditação
Entrevista de Miguel Alvarenga
Promissor novilheiro nos anos 80 e depois destacado bandarilheiro que passou pelas quadrilhas de algumas das maiores figuras do toureio nacional, Pedro Santos abandonou as arenas e vive há alguns anos no Reino Unido, onde apesar de afastado continua a seguir antenta e preocupadamente a crise que a pandemia está a causar, como a outros, ao sector tauromáquico, "ainda e sempre o meu mundo", afirma.
Esta entrevista, depois de uma outra que lhe fizemos há duas semanas para saber como estava um antigo toureiro a viver na cidade de Londres durante esta crise que afecta o mundo, começou com uma troca de impressões face às movimentações que alguns toureiros estão a levar a cabo na procura de soluções viáveis para o dia em que as corridas regressem.
Diz Pedro Santos:
- Tenho acompanhado estes últimos dias difíceis da nossa Festa, sobretudo através do 'Farpas', com divisões internas e com o desprezo total do Ministério da Cultura e, por consequência, do Governo, pela arte tauromáquica. Considero muito difícil a realização de corridas este ano. O primeiro-ministro e a ministra da Cultura estão, surrateiramente, a tentar inviabilizar as corridas. E estou a duzentos por cento de acordo com o Rui Bento, que disse na entrevista à revista do 'Correio da Manhã' que se tem que modernizar a tauromaquia e adaptar o espectáculo aos gostos da sociedade moderna. Muita gente no mundo dos toiros ainda não entendeu que o espectáculo de hoje é igual ao espectáculo de há sessenta anos, não houve modernização nenhuma e, se não houver urgentemente, isto acaba muito mais cedo do que pensam. É uma tradição e tem que se respeitar a tradição? Mas a guilhotina e a mania de cortar a cabeça às pessoas também era uma tradição e acabou...
- Concordo que, como disse o Rui Bento e agora dizes também, a Festa tem que se modernizar e adaptar aos tempos modernos. Como, por exemplo?
- Há tantas coisas que têm que ser modificadas, tantas mesmo! Acho muito bem que os cavaleiros se estejam a movimentar e a fazer essas reuniões, mas não conheço as propostas que apresentaram. Concordo que têm por objectivo modificar e sobretudo melhorar alguma coisa, como li na entrevista de Rui Fernandes ao 'Farpas', mas não sei concretamente que medidas querem tomar. Não concordo, também, que não tenham sido convocados matadores de toiros para as primeiras reuniões, quando os protagonistas da Festa são todos os toureiros, a cavalo e a pé, todos os forcados, ganadeiros, cronistas, empresários, etc.
- Que medidas preconizas para a modernização?
- Neste momento estou afastado da tauromaquia, sou um outsider, mas andei neste mundo muitos anos, continua a ser o meu mundo, embora esteja longe e seja agora apenas um observador. Acho que nos temos que preocupar sobretudo com o grande público e não apenas com os aficionados. Os aficionados são meia-dúzia, passe a expressão. E a Festa tem que ser modernizada e adaptada aos tempos actuais tendo em vista sobretudo os gostos e as preferências do grande público, da sociedade moderna. Estamos no século XXI e parece que ainda ninguém entendeu isso! A arte tauromáquica é muita coisa, é a cor, o movimento, os cavalos, os toiros, os fatos dos toureiros, tudo isso que encantou pintores, poetas e escritores. Mas tem sangue e, nos tempos de hoje, o sangue 'afasta clientes', temos que o reconhecer, temos que olhar a realidade de frente.
- Acabar com o sangue era a solução?
- Sem dúvida que era. Ganhávamos a guerra aos anti-taurinos, já não tinham nada a apontar-nos, o Governo passaria a apoiar-nos como apoia todas as outras actividades culturais, deixavam de nos chamar 'sanguinários'. Para mim, era essa a medida principal para modernizar e adaptar a Festa aos tempos modernos.
- E isso passava por o quê, pelo uso do velcro, como acontece na Califórnia?
- Mais tarde ou mais cedo, gostem ou não gostem, queiram ou não queiram, chamem-me maluco ou outros nomes, é por aí que vai passar o futuro e a continuidade do espectáculos tauromáquico em tranquilidade e sem sobressaltos e ataques. Mas para já considero que se deveria idealizar uma nova bandarilha, sem arpão, que picasse na mesma o toiro mas não o sangrasse tanto. A PróToiro e todos os protagonistas da Festa deveriam auscultar a opinião da sociedade, saber do que o grande público gosta e não gosta quando vai a uma praça de toiros. Deveria fazer-se uma grande auditoria ao espectáculo e acima de tudo aos gostos e preferências do grande público. Como disse anteriormente, do que gostam os aficionados sabemos nós todos, precisamos é de saber agora do que gostam e não gostam todos os que vêm de fora, os que compõem o grande público em geral. Era importante, para já, que se estudasse a possibilidade de utilizar uma bandarilha mais suave. Ouvir a opinião dos toureiros e dos forcados, mas também dos médicos veterinários, dos emboladores e dos empresários. Retirando um pouco o sangue, que quanto a mim e em pleno século XXI é aquilo que mais prejudica o espectáculo e mais lhe cria anti-corpos, significaria um primeiro e importante passo para modernizar e adaptar a corrida de toiros ao mundo actual.
- Em Espanha, com picadores e morte do toiro, era impossível falar assim...
- Pois era. E eu digo mais: o que ainda mantém de pé o nosso espectáculo é o facto de em Portugal não se matarem os toiros. Se tivesse pegado a moda que se tentou implantar em 1975, de termos picadores e morte do toiro, a Festa não teria durado quatro anos, já tinha acabado há muito tempo. A nossa Festa não tem a ver com a espanhola. Se dissesse isto em Espanha crucificavam-me e se calhar até me chamavam anti-taurino. Mas em Portugal é diferente e se não nos modernizarmos não teremos futuro.
- Com isso concordo, é urgente que se modernize a Festa e que a corrida se adapte aos tempos que vivemos. Mas há muito mais coisas para mudar...
- Por exemplo, eu várias vezes quando vou a Portugal levo amigos meus ingleses aos toiros e eles adoram o colorido, o movimento, os trajes, os forcados, mas ao intervalo já estão fartos e o sangue incomoda-os. Penso que também era muito importante reduzir o tempo do espectáculo, três horas é muito tempo, hoje em dia poucos espectáculos duram tanto tempo como as corridas de toiros, as bancadas da maioria das praças, exceptuando as que se modernizaram, são incómodas e uma pessoa não aguenta seis toiros. Os espectáculos deveriam ser de três ou quatro toiros e estarem envolvidos com outros atractivos. Por exemplo, uma gala equestre na primeira parte, um concerto de fado, sei lá, aproveitar outras vertentes da nossa cultura e da nossa tradição e juntá-las em harmonia num mesmo espectáculo com a corrida de toiros.
- Claro que sim, o tempo de duração de uma corrida acaba por ser excessivo, maçador... No ano passado tentou-se diminui-lo, mas as medidas que se tomaram fizeram reduzir uns quinze minutos, não foi suficiente, ficou praticamente como estava...
- Sei lá, há tanta coisa que se podia fazer. Mas penso que é necessário e urgente arranjar formas de modernizar o espectáculo tauromáquico e adaptá-lo aos gostos da sociedade actual. Se não o fizermos já, depois pode ser tarde demais. E como muito bem disse o Rui Bento nas declarações ao 'Correio da Manhã', deveríamos aproveitar esta paragem provocada pela pandemia para uma grande reflexão e para que a Festa ressurja renovada, modernizada e com mais força e maior esplendor assim que se possam voltar a realizar as corridas de toiros. Penso que deveríamos esperar pelo próximo ano e regressar em grande e não já, sem força e a meio gás, com praças quase vazias, sem ambiente nenhum. Isso vai ser ainda mais prejudicial para a imagem que os toureiros dizem querer defender. Chamem-me maluco, mas pensem nestas coisas!
- Achas que te vão dar ouvidos?
- Sinceramente, acho que não. Vão dizer que estou maluco e vão perguntar quem julgo eu que sou para opinar assim. Posso não ter sido um toureiro tão importante como o são as primeiras figuras que hoje estão a lutar pela melhoria da Festa. Sei que sim, mas sou taurino, sou aficionado e tenho opinião. Vale o que vale, mas acho que se não nos ouvirmos uns aos outros, se não trocarmos opiniões e se não nos unirmos com o objectivo de modernizar a nossa Festa, ela terá os seus dias cada vez mais contados. Os políticos querem acabar com os toiros e nós temos que defender o espectáculo que amamos, que nos dá de comer (a mim, já não, já me retirei, mas vivi do toiro muitos anos, como hoje vivem todos os outros). Alguma coisa temos que fazer!
Fotos D.R. e Luis Azevedo/Estúdio Z