terça-feira, 6 de julho de 2021

Organizem-se!

A compra antecipada de bilhetes vai desaparecer com tanta
incerteza, tanta desconfiança, tanto adiamento e tantas
touradas canceladas. O público vai passar a comprar os
bilhetes em cima da hora, quando tiver a certeza absoluta
de que o espectáculo se vai mesmo realizar

Miguel Alvarenga - Há que entender e assumir, primeiro que tudo, que a situação pandémica está hoje mais grave do que estava há um ano. E só depois discutir, criticar, acusar, até mesmo inventar, os porquês de não se poderem realizar touradas.

Primeiro, podem-se realizar touradas em regiões e em concelhos que não estejam classificados de alto risco. Mas isso ninguém diz. Ou poucos o dizem. Não convém. É preferível passar a mensagem de que somos uns coitadinhos, de que continuamos a ser discriminados, de que todo o mundo está contra os toiros e os toureiros.


Dizer a verdade não convém. Dizer que houve touradas que não foram autorizadas porque as respectivas empresas tinham vendido mais bilhetes do que os permitidos é coisa que não convém. É mais confortável para todos dizer que houve discriminação.


Dizer que houve touradas adiadas em concelhos que não são de alto risco apenas e só porque não tinham bilhetes vendidos não convém. É preferível dizer que houve discriminação. E fazer manifestações. E protestar. E dizer que a culpa é do primeiro-ministro e da ministra da Cultura.


É uma realidade que não existe boa vontade por parte de quem nos (des)governa em relação às touradas. Mas a verdade é que no ano passado, quem quis, deu touradas. As corridas de toiros foram mesmo o único espectáculo cultural que andou para a frente no primeiro ano da pandemia, com todas as restrições e com todas as cautelas, mas andou.


Agora dizem que não pode haver touradas, mas que pode haver concertos. Não sei se será bem assim. A IGAC que se explique. Mas a verdade é que também não vejo concertos anunciados.


Lisboa não pode dar a corrida desta sexta-feira. Era de esperar, depois de se saber que Lisboa estava entre os concelhos de alto risco. É legítimo e outra coisa não seria de esperar. Desde o final da semana passada que havia a incerteza de se poder realizar a corrida de sexta-feira no Campo Pequeno. Ontem a empresa confirmou-o e anunciou nova data.


Mas com todas estas incertezas e com todos estes adiamentos ou cancelamentos, seja a culpa da IGAC, da má vontade do Governo ou mesmo dos empresários, a realidade é que se está a gerar entre o público aficionado um clima de incerteza e de desconfiança que pode vir a ter consequências graves.


Os aficionados compraram bilhetes para Santarém e ficaram com eles no bolso. Compraram bilhetes para Vila Franca e ficaram com eles no bolso. Vila Franca foi até agora a única empresa que se dignou devolver ao público o dinheiro dos bilhetes - porque as suas corridas (as do Colete Encarnado) não ficaram adiadas, mas sim canceladas. Os aficionados compraram bilhetes para as primeiras duas corridas de Lisboa e ficaram com eles nos bolsos. Nos casos de Santarém e Lisboa, os bilhetes são válidos para aos novas datas já anunciadas. O dinheiro será certamente devolvido a quem não possa ir nas novas datas.


Mas tudo isto gera um clima de desconfiança  no público. Quem é que hoje se arrisca a comprar um bilhete para uma corrida antecipadamente, sem ter a certeza de que o espectáculo se vai mesmo realizar? Quem nos garante que um concelho onde hoje há poucos casos de covid não venha, num espaço de poucos dias, a tornar-se um concelho de alto risco onde já não poderá haver espectáculos?


As pessoas ficam baralhadas, incertas, desconfiadas. E o resultado vai traduzir-se também numa incerteza para os empresários se o público começar a comprar os bilhetes só em cima da hora, quando tiver mesmo a certeza de que a corrida se vai realizar. Até à hora do espectáculo, passará a haver para o empresário a incerteza de encher ou não.


A culpa desta confusão toda não vai morrer solteira. A culpa é da pandemia. Mas é também do desnorte dos homens dos toiros. Vivemos o tempo assustador da pandemia. Mas, como dizia a Solange há dias, começamos também a viver um clima de pandemónio.


Organizem-se!


Foto D.R.