Miguel Alvarenga - Não valeu só por Francisco Palha, mas valeu sobretudo por Francisco Palha, a grande corrida de rejoneio que ontem se celebrou na praça andaluza de Huelva.
Com a lotação permitida (75%) esgotada e um ambientazo como nos tempos antigos, quando ainda não tinha cá chegado o maldito vírus que ainda nos atormenta e nos mudou as vidas desde Março do ano passado - nas esplanadas da praça de toiros, desde manhã que se vivia um clima de matar saudades de outros tempos! - a corrida de ontem em Huelva foi um hino de louvor ao rejoneio espanhol, mas muito particularmente e também de louvor à nobre arte portuguesa de bem tourear a cavalo, que esteve ali superiormente interpretada pelo referido Palhinha, mas também por João Moura Caetano.
Lidaram-se seis manejáveis toiros da ganadaria de Fermín Bohórquez, de bom jogo na generalidade, talvez com alguma escassez de classe, mas que apesar do comportamento "murubesco" não desiludiram e até transmitiram emoção. O primeiro lidado por Pablo Hermoso, que foi o sobrero a substituir o que saíu a abrir praça e que recolheu aos currais por coxear, foi mesmo premiado com forte e merecida ovação no arraste.
Com esse primeiro toiro, o genial Pablo Hermoso deu um autêntico recital de bom toureio e inigualável maestria, empolgando o público com ferros de muita verdade e ladeios incríveis interpretando a sua "hermosina", ora vira para a esquerda, ora viva para a direita, com o toiro embebido na garupa do cavalo. O número-um do rejoneio a marcar posição numa tarde de alta competição em Huelva e onde não deixou os seus créditos por triunfos alheios. Lide magnífica que merecia as duas orelhas, mas que Pablo não rematou com o rojão de morte. Mesmo assim foi premiado com aplaudida volta à arena. Matar ou não matar é a grande questão em Espanha, mas nem só de bem matar viveram e triunfaram ao longo da História as grandes figuras do toureio mundial, o Maestro Moura (que ontem assistia à corrida e ao qual Guillermo Hermoso brindou um ferro, fazendo a praça explodir numa mais que significativa ovação... por tudo e mais alguma coisa!) que o diga...
Andy Cartagena, que chegava a Huelva depois de um grande triunfo na véspera em Bayonne (França), é um toureiro com um cariz muito próprio e que leva anos na primeira fila, intocável e todas as tardes a marcar destacada posição com o seu arrojo, as suas notáveis montadas e uma aplaudida intuição, representando hoje o que de mais puro se pode fazer na arte do rejoneio, com o número-estrela do cavalo preto que "anda em pé" e entusiasma qualquer aficionado, por menos ortodoxo que isso seja para o toureio a cavalo - mas não para o rejoneio. Esteve muitíssimo bem, marcou uma vez a sua diferença, exibiu a sua arte e foi premiado com uma orelha, duas seriam se o rojão tem sido mais certeiro.
Seguiu-se o nosso João Moura Caetano, que brindou a sua lide a Fermín Bohórquez e recebeu o terceiro toiro da tarde com dois certeiros e bem executados rojões de castigo (talvez um tivesse bastado...). O toiro veio depois a menos, mas Moura Caetano foi a mais impondo a sua maestria numa lide brilhante em que se destacou pela correctíssima brega, pelo temple habitual e por grandes ferros com os cavalos "Campo Pequeno" e "Baco". Foi uma lide notável a que só faltou sorte na hora de matar. Teve que se apear e descabelhar, matando ao primeiro descabello, mas perdeu as orelhas. O público esteve com Caetano e premiou a sua máemovrel actuação com uma forte ovação nos médios.
Francisco Palha, que regressava a Espanha depois de uns anos de ausência, voltou ontem a encarrilar e o triunfo apoteótico que teve em Huelva por certo que lhe reabriu as portas para voltar a fazer campanha entre nuestros hermanos. O genial cavaleiro luso surpreendeu desde logo o público mandando recolher a quadrilha e esperando o toiro com uma sorte de gaiola que parou tudo e todos. O toiro de Bohórquez saíu dos currais a duzentos à hora e Palha não conseguiu cravar o rojão de castigo, mas emendou-se num instante, voltou a citar de praça a praça e deixou um ferro empolgante. Seguiu-de uma lide em crescendo, com Palhinha a dar toda a prioridade ao oponente, citando de largo, reunindo em terrenos de compromisso, pisando, como sempre pisa, o risco vermelho para deixar ferros de muita emoção, superiormente rematados, a dizer que estava ali com decisão e atitude e para marcar a diferença. Marcou-a, na realidade. Tarde apoteótica, que já era noite (a corrida iniciou-se às oito horas espanholas em dia de muito calor), e marcante para a carreira de Francisco Palha, que matou de um certeiro rojão e cortou duas merecidas orelhas. Uma delas atirou-a ao empresário Luis Miguel Pombeiro, que nele apostou para a grande corrida de inauguração da temporada do Campo Pequeno já nesta quinta-feira. Resumindo e concluindo, um sucesso que marca a temporada de Palhinha e nos enche a todos de orgulho - porque ontem todos triunfaram e todos estiveram em grande nível, mas a tarde foi dele!
O quinto toiro, também de muito bom jogo - lá está, dizem nuestros hermanos que não há quinto mau e ontem não houve mesmo - foi lidado pela francesa Lea Vicens, toureira que tem um gancho enorme com o público e cria alvoroço nas bancadas mal entra em praça. Mas não é só isso que a destaca - Lea toureia muito bem e isso reafirmou-o ela ontem logo no rojão de castigo, na forma como lidou e bem bregou, nos ferros emotivos com que entusiasmou o público, onde se encontravam muitos aficionados portugueses. Matou de forma certeira e cortou também as duas orelhas, dando aplaudida volta à arena e saindo também em ombros como o nosso Palhinha - não pela porta grande, devido às novas regras impostas pela pandemia, mas pela das traseiras (porta dos cavalos).
O último toiro desta agradável corrida - das que fazem aficionados e que marcou ontem uma posição importante no que aos festejos de rejoneio diz respeito - foi lidado por Guillermo Hermoso de Mendoza, que também na véspera obtivera um importantíssimo triunfo na praça francesa de Bayonne, onde cortou um rabo e três orelhas. Guillermo atravessa um momento altíssimo e está a viver a temporada da sua plena consagração. Protagonizou ontem em Huelva mais uma jornada de apoteose, entusiasmando e empolgando o público com a ousadia do seu toureio de verdade e emoção, com as "hermosinas" da casa e com ferros de grande aprumo e perfeição, reafirmando que corre todos os dias para o pódium e é, já sem dúvidas para ninguém, a grande figura do futuro para dar continuidade à história de um apelido que fez História e ainda é História do mundo do toureio a cavalo - Hermoso de Mendoza! Esteve certeiro a matar, mas o toiro tardou a cair, perdendo a segunda orelha. Cortou uma e deu volta à arena entre calorosa ovação. De registar - e aplaudir -, como já aqui referi, o brinde que fez ao Maestro Moura e que quis dizer muita coisa, reagindo o público com uma enorme ovação de tributo e respeito à maior figura de todos os tempos do toureio equestre. Vão ser precisos passar cem anos para aparecer outro assim!
Depois dos triunfos ali alcançados na véspera por Daniel Luque (duas orelhas) e Morante de la Puebla (uma orelha e um verdadeiro recital de magia e arte), os cavaleiros deram ontem o mote para a importância que as corridas de rejoneio continuam a ter nas grandes feiras e, sobretudo, para o entusiasmo e o apoio que a aficion espanhola lhes continua a dar.
Valeu a pena ter ido a Huelva!
- Já a seguir, não perca os Momentos de Glória dos seis cavaleiros ontem em Huelva e depois todas as fotos dos Famosos que ali estiveram ontem.
Fotos Arjona-Plaza de Toros la Merced e D.R.
Assim toureou e triunfou Francisco Palha ontem em Huelva! |